quinta-feira, 12 de maio de 2011

Notícias do Front (ou da Fronteira)

Por Assis Oliveira

Eis uma constatação: onde há grandes projetos o Estado só existe transmutado no empreendedor privado que passa a assumir as obrigações públicas.


Protesto contra emissão de licença prévia à NESA

Na região do rio Xingu/PA, por exemplo, a história da relação do Estado – e, de modo mais específico, do governo federal – com os povos e territórios locais foi sempre se interessar pelos últimos somente quando há interesse de benefício “nacional” na relação. Se remontarmos à época do boom da borracha, passando pelas políticas de migração e chegando até a égide dos grandes projetos agro-mineradores e hidrelétricos, tudo indica que este cantinho a sudoeste do Pará não tem outro (fatídico) destino senão o de se desenvolver a custas dos lucros (ou recursos naturais) que dele possa se remover/transferir para outras paragens, mais ao Norte no contexto internacional (vide a expansão do comércio de commodities com a China, por exemplo) e mais ao Sul no contexto nacional (sendo o encaixe geopolítico no Plano de Aceleração do Crescimento, vulgo PAC, de Lula-Dilma, a principal política de investimento continuado no setor de infra-estrutura e agronegócio para a região).

Pois bem, no âmbito das disputas político-jurídicas envolvendo o projeto de construção da UHE Belo Monte, houve, com a emissão da licença prévia ambiental, a estruturação de 66 condicionantes, sendo 40 IBAMA e 26 da FUNAI, que devem ser cumpridas – ou deveriam, pois mesmo não havendo cumprimento efetivo de todas isso não barrou a emissão da licença parcial de instalação, como bem informamos em outra postagem – pelo empreendendo privado que ganhou a licitação para construção da obra, então conhecido inicialmente como Consórcio Belo Monte, mas como na região Norte a idéia de consórcio está (quase) sempre ligada aos grupos de extermínio de trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, financiados pela elite política/agrária/comunicacional regional, o simbolismo do nome foi mudado para Norte Energia S.A., mais conhecido por NESA.

Quero aqui me reportar ao conteúdo de algumas das condicionantes que devem ser atendidas pela NESA: (a) “incluir entre as ações antecipatórias: (i) início da construção e reforma de equipamentos de educação/saúde, nos casos dos sítios de construção com sede em Altamira e Vitória do Xingu”; (ii) “início das obras de saneamento básico em Altamira e Vitória do Xingu; (iii) implantação de saneamento básico em Belo Monte e Belo Monte do Pontal antes da construção dos alojamentos”; (b) “Áreas de Preservação Permanente (APP’s) para os reservatórios do Xingu e dos Canais (500m)”; (c) “Garantir a manutenção das praias no rio Xingu e a reprodução de quelônios”; (d) “Plano de fiscalização e vigilância emergencial para todas as terras indígenas (da região direta ou indiretamente impactada pela obra)”; (e) “melhoria da estrutura (com apoio financeiro e de equipe técnica adequada), da FUNAI, para gestão e controle ambiental e territorial da região.”

Como se percebe, caberá ao empreendedor privado disponibilizar recursos financeiros e elaborar políticas sociais voltadas para a educação, a saúde, o saneamento básico, a preservação ambiental, a segurança de terras indígenas e a estruturação de órgão indigenista governamental, tudo o que seria de competência do Estado brasileiro, e que historicamente esteve ausente nessa região amazônica, virá agora travestida de privatização dos direitos sociais básicos e com extrema dependência do capital privado para manutenção ao longo do período em que estiver vigente a concessão, é dizer, nos próximos 35 anos.


Rio Xingu, numa de suas paisagens ameaçadas

Levando-se em conta o fato de mais de 70% dos recursos financeiros da NESA serem provenientes do repasse do BNDS, ou seja, de dinheiro público obtido com os impostos pagos pelos cidadãos, e que a maior parte das empresas privadas que compõe o consórcio – Queiroz, Mendes Júnior, J. Malucelli Construtora, Serveng, entre outras – desembolsou milhões de reais para financiar a campanha para eleição da atual presidenta do país, Dilma Roussef, constata-se a troca de favores e a privatização de dinheiro público que envolve todo o processo de disputa pela implementação da UHE Belo Monte.

Durante o I Sarau de Poéticas e Direitos Humanos, evento organizado pela Assessoria Interdisciplinar e Intercultural em Direitos Humanos, tivemos a oportunidade de debate questões ligadas aos grandes projetos na Amazônia, e particularmente a UHE Belo Monte, por meio da mostra documentários cinematográficos produzidos pelo cineasta Andrea Rossi, com a realização de debates que trouxeram a tona falas significativas – lembrando Paulo Freire – de lideranças indígenas e de movimentos sociais que servem para refletirmos:
  • Será que tem que ter a barragem para que a região se desenvolva: questionamento que desmonta e desvela a visão utilitarista, reproduzida pelos seguidos governos federais brasileiros, que atribui ao território amazônico possibilidade de investimento para desenvolvimento a)social somente no caso de despertar algum interesse de usufruto nacional ou internacional, pouco levando em conta os interesses locais, sobretudo de povos e comunidades tradicionais.
  • Condicionante é obrigação do governo, e não dever do empreendedor: o que resume o questionamento provocativo de qual o papel do Estado nos cenários dos grandes projetos.
  • Meu pai matou um tamanduá-bandeira e o IBAMA multou para pagar por isso. E agora, que eles [NESA], vão matar milhares de bichos e plantas, eles vão pagar?: emblemática reflexão sobre qual indenização/reparação é possível quando se trata de milhares de vidas animais, vegetais e humanas que serão intensamente impactadas, seja com a morte por inundação ou a mudança crítica dos modos de vida.

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