domingo, 7 de março de 2010

Assessoria Jurídica Popular na Vila do Chocolatão em Porto Alegre


A partir de agosto de 2009 o Grupo de Assessoria Jurídica Universitária Popular - GAJUP – iniciou os contatos na Vila do Chocolatão, situada no centro de Porto Alegre, passando a realizar um trabalho de assessoria jurídica na comunidade. Com freqüência semanal, o grupo vem acompanhando a movimentação política entre seus moradores sobretudo no que tange à possibilidades de geração de renda e a pressão sofrida para que sejam realocados em outra região da cidade.

A Vila do Chocolatão é peculiar desde o início pela sua localização: um terreno entre os principais e imponentes prédios do poder judiciário da capital gaúcha, gerando imagens de grande contraste visual. Devido a essa condição, a vila é bastante visada pela mídia, por vezes sendo notícias de incêndios causados pela dificuldade no acesso à energia elétrica. Não podendo ignorar sua existência, boa parcela da população é favorável à realocação da comunidade, que está instalada no local desde os anos 80 – também como aluno do curso de Direito da UFRGS, já presenciei por parte de professores em sala de aula referências à vila, no sentido dos perigos e desconfortos que ela traz aos juízes e desembargadores, os quais trabalham ao lado das casas destas pessoas.

Com cerca de 200 famílias, seus moradores são em sua grande maioria catadores de papel, em geral com pontos fixos no centro de Porto Alegre. A enorme pressão política para realocação da vila desconsidera que o trabalho destas pessoas não é possível fora desta região, restando poucas alternativas para renda em uma localização distante, as quais não são oferecidas. Por estar em uma área federal, contudo, a regularização fundiária torna-se complexa, somadas as dificuldades aos interesses particulares na situação.

Diante deste cenário, nos dispomos com a metodologia da assessoria a uma inserção na comunidade, observando algumas das possibilidades existentes no processo: auxiliar na criação de uma cooperativa de reciclagem na Vila para a geração de renda da comunidade; analisar o projeto arquitetônico sugerido para a comunidade (em uma região da Avenida Protásio Alves) e qual a posição da comunidade sobre a proposição – que se mostrou altamente comprometido com uma lógica excludente; fazer a aproximação das lideranças comunitárias para atuação em conjunto, com contato próximo da associação de moradores; lutar pela efetivação dos direitos sociais na comunidade, que abriga as classes econômicas mais baixas da sociedade.

Para esta ação social, o grupo procurou se qualificar teoricamente e parte de uma perspectiva interdisciplinar, reunindo estudantes de outros cursos e intentando a criação de redes para atuação, no que foram feitos contatos com professores de psicologia e arquitetura, por exemplo. Também contato com o Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável – MNCR – para aprofundamento político e técnico para as práticas de reciclagem de lixo. Interações com outras áreas também foram pautas para a atuação que ainda está se desenvolvendo.

Com apenas seis meses de interação, contudo, já se percebe que esta frente de atuação representa um grande nervo do sistema de exclusão na sociedade capitalista. Escancarando a realidade de desigualdade social em frente à Justiça oficial, a Vila, sem acesso à essa justiça, acaba por incomodar, causa desconforto a essas amarras sociais. O “plano” acaba por se retirar tudo o que essas pessoas possuem, sua casa e seu trabalho, para serem colocadas ainda mais à margem do sistema, restando poucas alternativas que não sejam a que levam a caminhos que alimentam a violência urbana e social.

Um dos começos da desigualdade social é aqui. E esta é uma das frentes que a assessoria jurídica popular pode e deve atuar, com vista a garantir a efetivação de uma Justiça que gostaria de estar vendo uma outra paisagem no horizonte, mas que não pode ignorar o mundo que realmente existe logo abaixo de si.

*Como integrante do GAJUP, tentarei manter atualizadas atividades desenvolvidas na comunidade aqui no Blog. Abraços aos amigos e amigas que contribuem com a assessoria ou que procuram realizar esta prática. Thiago Nunes.

4 comentários:

  1. Mas que belo relato de experiências, Thiago!
    O trabalho do GAJUP é muito importante para esta comunidade, com certeza.
    Pelo que eu percebi vocês estão atuando de forma bastante abrangente, inclusive de forma interdisciplinar.
    Me chamou a atenção a preocupação com o trabalho e geração de renda. O autofinanciamento é uma discussão muito difícil, mas fundamental.
    Estou muito curioso para acompanhar o trabalho de vocês aqui pelo blogue e espero que este relato inspire outros grupos de assessoria a fazer o mesmo!
    Grande abraço e parabéns!

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  2. Thiago,

    Realmente muito interessante e importante o trabalho de vocês juntamente a esta comunidade. Infelizmente, esta é uma realidade presente em vários cantos deste país, o que demonstra como você bem coloca, a lógica excludente desse sistema e o modelo de cidade e planejamento urbano vigente totalmente excludente.

    Uma pergunta, thiago, como está a organização dos moradores da Vila? O MNCR já atuava na Vila, ou o grupo que fez o contato com os moradores? Há outros movimentos de Porto Alegre atuando na Vila?

    Valeu por compartilhar essas experiências =)

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  3. Olá Lucas! Em verdade o MNCR não atua na vila, mas sim integra uma rede de contatos que o GAJUP procurou estabelecer para sua atuação, criando uma rede.
    De início, foi o grupo quem começou o contato com os moradores, via associação de moradores.
    Quanto a atuação de outros movimentos, há um grande número de grupos atuando ou com interesse na atuação, visto a sua localização central. Não sabemos ao certo todos que fazem algum tipo de prática na comunidade, mas é certo que sempre estamos atentos para essa informação, sobretudo para possíveis atuações conjuntas, dentro do conceito de atuação em rede.
    Abraço!

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  4. Parabéns, Thiago, e todo o GAJUP, pelo trabalho.
    Venho em contato com essa comunidade desde 2007 e os considero meus queridos!
    Eles são mesmo muito especiais, merecem todo cuidado e atenção. Que possamos beneficiá-los usando principalmente nossas habilidades mais acessíveis.
    Obrigado!
    José

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