Professora da UFPB
Do alto de sua
erudição, Cid Gomes cometeu ontem a descortesia de chamar os deputados federais
de “achacadores”. Aquilo só podia mesmo ser um xingamento muito sério, pois a
reputação ilibada dos ilustres representantes do povo logo se estribuchou.
Corri para o dicionário. Achacador: 1. que achaca. 2. Aquele que achaca outrem,
extorquindo-lhe dinheiro. Achacar: 1.Maltratar, molestar. 2. Desgostar, desagradar,
aborrecer. 3. Roubar a alguém, intimidando-o. Cid Gomes acusava os
parlamentares de ladrões, em português mais simples.
A crise foi
desencadeada em fevereiro, durante uma visita do então Ministro da Educação à
Universidade Federal do Pará. Lá, Cid Gomes disse aos estudantes que “havia
trezentos, quatrocentos achacadores” no Congresso Nacional. Sob pressão, o
ministro compareceu ontem à Câmara de Deputados para explicar suas declarações,
mas em vez de se desculpar, afirmou novamente o que havia dito. A ofensa
dirigia-se à base aliada do Governo, que, segundo o julgamento do ministro, não
estava cumprindo o seu papel de apoiar aquilo de que faziam parte. Eram
oportunistas. Deveriam “largar o osso”. Os parlamentares se sentiram muito
ofendidos; exigiram respeito e também a demissão do ministro. O presidente da
Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), chamou o feito à ordem e o ministro acabou indo
embora daquele inquestionável recinto democrático.
Saída do Cid Gomes
O desfecho da
crise foi a saída de Cid Gomes do Ministério da Educação - a propósito, lugar
que ele jamais deveria ter ocupado. No seu histórico de declarações polêmicas, uma
das mais lamentáveis foi exatamente contra professores da rede estadual de
ensino do Ceará, em 2011. Os professores estavam em greve há quase um mês,
reivindicando que o Governo lhes pagasse o piso salarial e respeitasse o Plano
de Cargos e Carreira. Cid Gomes, então governador, declarou que “Quem quer dar
aula faz isso por gosto, e não pelo salário. Se quer ganhar melhor, pede
demissão e vai para o ensino privado" (Fonte: http://veja.abril.com.br/blog).
Até a Revista Veja achou injusto, e concordaria com o presidente da Câmara,
quando o chamou ontem de “mal-educado” – “o ministro da educação é mal
educado!”, retrucou, reconhecendo a ironia, o próprio Cid Gomes.
Legítimo membro
dos Ferreira Gomes, Cid nasceu para a política. Segue o mesmo caminho de boa
parte da influente família cearense: filho de José Euclides Ferreira Gomes Jr
(ex-prefeito de Sobral), irmão de Ivo Gomes (que já foi deputado Estadual e
secretário da pasta das Cidades no Ceará) e também de Ciro Gomes (ex-prefeito
de Fortaleza, que já foi também deputado estadual e federal, além de Governador
do estado do Ceará, Ministro da Fazenda e da Integração Nacional e até
candidato à presidência da república, além, é claro, de ex-marido de Patrícia
Pillar). Cid Gomes, por sua vez, já foi presidente do diretório acadêmico do
curso de engenharia da Universidade Federal do Ceará, deputado estadual por
dois mandatos, prefeito de Sobral como seu pai, governador do estado do Ceará
como seu irmão e até ontem, ministro da educação. A política é, assim, uma
espécie de dom de família, mas não só na de Cid Gomes.
Constituinte exclusiva
Na verdade, a grande maioria dos políticos brasileiros se origina de antigas ou novas oligarquias políticas do país, com estreita ligação com grupos empresariais que lhes financiam as campanhas e depois cobram a parcela que lhes cabe no latifúndio do sistema político brasileiro. A democracia, exercida dessa forma, não passa de uma farsa: em nome do povo, o sistema político representa, de fato, os interesses de poucas famílias e os negócios de seus amigos. Por isso, Cid Gomes não estava de todo errado ontem, ao chamar os representantes democráticos de achacadores – de fato, da forma como a política burguesa funciona, é isso mesmo que eles fazem: um achaque aos direitos do povo brasileiro. O ridículo dos ataques do ex-ministro contra o parlamento é que a condição de achacador, evidentemente, não é própria apenas à bancada de oposição do governo e cabe também a ele mesmo. O achaque, a moléstia, a extorsão, são próprios da democracia burguesa e do sistema político que dela decorre. A solução para o problema é bem mais profunda que o “largar o osso” da oposição, ou a saída de Cid Gomes do governo federal, ou mesmo o impeachment de Dilma. Ela passa por uma profunda reforma no sistema político, feita verdadeiramente pelo povo, por fora dos atuais representantes das oligarquias políticas e do empresariado brasileiro.
Por isso, vários
setores das classes populares, apoiados por centenas de organizações, exigem
uma Constituinte Exclusiva e Soberana para fazer uma reforma política, e já
fizeram até um plebiscito popular para convocá-la, em setembro de 2014, que
contou com aproximadamente 8 milhões de votos. Exigimos a realização de um
plebiscito oficial, agora, para poder convocar a Constituinte do Sistema
Político, com representantes eleitos exclusivamente para isso, para tratar unicamente
do tema da reforma política. Lá, discutirão coisas fundamentais como o fim do
financiamento privado das campanhas, a maior participação popular nas
instituições políticas, as regras das coligações partidárias, a garantia de
mais espaço para as mulheres na política, etc. Esta, sim, é uma possibilidade
real de superar os achaques da política burguesa.
***
Leia também:
Sobre as manifestações de hoje: a importância dos movimentos sociais enquanto construtores de vocabulário das demandas marginalizadas em meio a esse balaio de gato, de Nayara Barros, 15 mar 2015
A crise da democracia representativa no Brasil e os mecanismos de participação popular, de Luísa Saraiva, 30 set. 2014
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