sexta-feira, 27 de março de 2015

Direito das Marias- É hora de gritar o que os olhos e o corpo já estão cansados de saber




               A cada hora uma mulher brasileira é agredida (7% por estrangulamento). A cada dia morrem cinco mulheres no Brasil (boa parte delas por familiares ou cônjuges). De 1980-2010 morreram 92 mil mulheres no Brasil por violência de Gênero.






            No dia 09 de março passou a vigorar a Lei nº. 13.104/15 a qual estabelece o como crime hediondo o feminicídio. Assim fixando-se:

                                        “Feminicídio
                                          VI – [homicídio] contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

                                          § 2o – A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando                                            o crime envolve:
                                           I – violência doméstica e familiar;
                                           II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
                                           […]
                                         §7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o                                            crime for praticado:
                                          I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
                                        II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos                                             ou com deficiência;
                                         III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.”

            A tipificação do crime levanta muitas críticas sob a ótica do aumento da punibilidade no campo do direito. Contudo nos parece que estas são compreensões equivocadas diante da realidade dos dados apresentados na introdução deste artigo. Neste sentido afirmamos que o reconhecimento do feminicidio como crime é uma conquista dos movimentos feministas no Brasil.

            Isso porque estamos falando de uma legislação penal que até 1940 admitia matar a mulher como “defesa da honra”. E vale dizer que ainda encontramos julgados em que se observa o abrandamento das penas tendo em vista serem os assassinos motivados por “violenta emoção”. Estamos falando de redução da pena no estupro por contribuição da vítima ao usar uma saia muito curta. Estamos falando de um nicho que pouco aceita a presença de mulheres como advogadas penalistas. Logo, estamos falando de uma lei penal que reproduz o patriarcado como sistema estruturante das relações sociais de gênero, e o machismo como forma de dominação.

            Encontramos no cotidiano afirmações de que não há violência de gênero, uma vez que a mulher ascendeu ao mercado de trabalho, que as desigualdades de gênero chegaram ao fim quando o homem ajuda a cuidar da criança. É quase a tese de aceitar o machismo como algo do jeitinho brasileiro!


Os dados são alarmantes, de um aumento da violência em mais 230% nos últimos 10 anos. São mais de 44 mil mulheres, que entre 2000 e 2010, morrerão dentro de suas casas, tendo como autores seus ex-companheiros ou companheiros. Fica evidente que a violência contra a mulher, não é uma violência qualquer, ela sofre por ser mulher, por estar abaixo na estrutura de poder.

- Mas isso só acontece com quem é pobre!- Diz o burguês acometido de sua falsa moral.

Segundo estudos da fundação Perseu Abrão, publicados em 2013, no relatório “Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado”, as porcentagens de mulheres com ensino superior completo e renda média que sofrem violência doméstica similar as que possuem ensino fundamental e renda mais baixa. Observamos que a violência de gênero não escolhe classe, nem educação, atravessa todos os segmentos, é transversal. Nesse sentido afirmamos, a importância de observar o patriarcado como um elemento estruturante da reprodução da colonialidade do poder no mundo.  

As mulheres chegaram ao mercado de trabalho, mas numa sociedade alicerçada na divisão sexual do trabalho. A nós, cabe a chamada dupla jornada de trabalho, após as mais de 8 horas diárias seguimos no trabalho doméstico. Nos últimos anos, com a crítica feminista, os homens começaram a compartilhar tarefas, mas a educação sexista ainda mantém uma grande diferença no tempo despendido, enquanto as mulheres dedicam 25 horas semanais para o trabalho doméstico, os homens dedicam apenas 10h (IPEA,2010). Ocupamos os campos de trabalho mais precarizados, como no caso dos terceirizados, hoje 12 milhões no Brasil, dos quais 70% são mulheres. Além disso os homens ganham em média 30% mais do que as mulheres da mesma idade e nível de instrução.

Assim reconhecer o feminicídio como crime é reconhecer que existem desigualdades de gênero no Brasil, e de que é preciso políticas públicas para superá-las. É avançar no caminho de que as nossas instituições não naturalizem e reproduzam as assimetrias entre homens e mulheres como processos naturais. Em briga de marido e mulher o Estado deve meter sim a colher!

Tendo a clareza de que essa conquista, no plano normativo, está longe de ser revolucionária, mas que representa um importante passo, assim como a lei Maria da Penha, no processo de acúmulo de forças para o momento revolucionário. Ainda temos que vencer a educação sexista, a heteronormatividade...etc.

Afirmamos por fim a centralidade de discutirmos gênero, aliado com o debate de classe e raça. Para inserirmos em nossas práticas cotidianas o feminismo como horizonte a se trilhar para a sociedade que queremos. Para outro mundo possível, no qual não caberão nem os falsos revolucionários com seu machismo!



E esse foi mais um março, mais um dia 08, que marchamos gritando e tornando público tudo aquilo que nossos copos estão cansados de sofrem, e anunciamos que a cada mês nosso grito ganha eco. E dentro em breve ...não haverão mais meses que não estarão marcados de roxo!


           
           



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