Luísa Saraiva*
Com a proximidade das eleições presidenciais, princípios
constitucionais como democracia e República assumem um papel de protagonistas
no discurso cotidiano da população. Em meio à necessidade de debates e aos
receios e divergências acerca dos rumos da política brasileira atual, começam
os cidadãos a discutir e debater sobre seus partidos e, principalmente,
candidatos preferidos ou preteridos.
Há, no entanto, certo consenso em relação à crise das
instituições democráticas nos moldes atuais. Nos protestos de junho de 2013,
por exemplo, percebeu-se o descontentamento do povo em relação aos partidos políticos
e a certas bandeiras de movimentos sociais. Ecoavam pelas ruas os gritos de que
as instituições políticas (ou até mesmo representantes eleitos) não
representavam aqueles que deveriam ser representados.
Estamos, portanto, vivendo uma crise da democracia
representativa. Isso porque há um grande distanciamento entre representantes e
representados, não havendo, pois, o reconhecimento dos primeiros em relação aos
últimos.
"Ecoavam pelas ruas os gritos de que as instituições políticas (ou até mesmo representantes eleitos) não representavam aqueles que deveriam ser representados"
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Pontos da crise
Além disso, existe uma clara insatisfação em relação ao
presidencialismo de coalizão, atual modelo brasileiro em que, para se ter
governabilidade, é necessário fazer coalizões entre os mais diversos partidos.
É importante destacar que, desse modelo de coalizões, ainda surgem outros
problemas: (i) os partidos têm cada vez menos identidade ideológica, o que
resulta em grande quantidade de partidos com indefinidas diferenças de posições
políticas entre si e (ii) a criação da figura dos partidos de aluguel, que são
utilizados para a obtenção de maior tempo de concessão de direito de antena e até
mesmo tornando ainda mais obscuros os dados de financiamento de campanhas.
Ademais, o atual modelo de financiamento de campanhas
eleitorais é um ponto muito importante nesta atual crise da democracia
representativa. Tal modelo é, inclusive, objeto na Ação Direta de
Inconstitucionalidade no 4.650, já com seis votos julgando procedente no
Supremo Tribunal Federal. Assim, esse será um dos mais importantes
acontecimentos para a democracia brasileira desde a Carta de 1988. Isso porque,
pelo atual modelo, as pessoas jurídicas - especificamente, grandes empresas -
são as principais responsáveis pelo financiamento das campanhas cada vez mais
caras. Dessa forma, esse modelo também oferece um cenário propício à corrupção
e às relações questionáveis entre empresas e políticos. Em termos populares,
“quem paga a banda escolhe a música”, o que significa que o atual modelo cria
uma dependência da política em relação ao grande capital.
Por fim, a ampla pauta de reivindicações nas manifestações
de junho de 2013 representa um clamor popular por políticas públicas por parte
dos poderes Executivo e Legislativo, que são eleitos pelo povo e respondem
perante ele, gozando de indiscutível legitimidade democrática. Assim, embora
seja muito importante a atuação do Judiciário para a garantia, principalmente,
de direitos sociais e de direitos das minorias, não se podem cometer excessos,
pois isso seria prejudicial à democracia, já que o Judiciário não é eleito.
A participação popular
Com a crise da democracia representativa e com o anseio da
sociedade por maior influência na vida pública, buscam-se instrumentos de
participação popular. Esses instrumentos estão previstos pela Constituição
Federal em seu artigo 14, incisos I, II e III e correspondem, respectivamente,
ao plebiscito, ao referendo e à iniciativa popular.
Além dessas formas de participação previstas pela
Constituição, já neste ano de 2014, com o objetivo de atender às demandas das
manifestações do ano passado, fortalecendo os mecanismos democráticos de
diálogo com a sociedade civil, foi editado o Decreto 8.243/2014. Neste decreto
foi instituída a Política Nacional de Participação Social que visa consolidar e
ampliar a participação de setores civis como método de governo.
No Brasil, no entanto, há certa resistência tanto aos
mecanismos previstos pela Constituição Federal quanto ao decreto recém editado.
Isso porque existe um claro medo da elite nacional acerca da participação
popular, bem como de transformações sociais. Dessa maneira, instrumentos que possibilitam
a descentralização do processo decisório e deliberativo apresentam certa
tendência a serem rechaçados pelos setores da sociedade que, tradicionalmente,
sempre tiveram amplo acesso ao âmbito político e à esfera de decisões, nem
sempre privilegiando os interesses daqueles que não têm o mesmo acesso.
"Com a crise da democracia representativa e com o anseio da sociedade por maior influência na vida pública, buscam-se instrumentos de participação popular" |
Democracia direta e semi-direta
Podemos perceber, portanto, que, apesar do grande clamor da
população evidenciado nas manifestações de junho de 2013, a participação
popular ainda é um tema que assusta as elites nacionais. Além disso, embora a
Constituição apresente alguns mecanismos de participação e tenha sido editado
um decreto que versa sobre o mesmo assunto, ainda temos um longo caminho a ser
percorrido para se superar a crise do atual modelo de democracia
representativa, buscando, assim, mecanismos de democracia direta e semi-direta.
Referências bibliográficas
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futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
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2013 PATEMAN, Carole. Tradução de Luiz Paulo Rouanet. Participação e teoria
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SARMENTO. Daniel. OSORIO, Aline. Uma mistura tóxica:
política, dinheiro e o financiamento das eleições. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2014/1/art20140130-01.pdf.
Acesso em: 01 set. 2014.
* Luísa Saraiva é estudante de Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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