segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Sustentação oral no caso Vanderley no Ceará


Conforme noticiado na semana passada, aconteceu o julgamento do caso Vanderley, no Ceará. Segue a sustentação oral do advogado Cláudio Silva Filho, do Direito em Movimento, rebatendo as razões do recurso da empresa Del Monte. Trata-se da condenação da empresa Del Monte pela morte de agricultor, em função do trabalho com agrotóxicos.
 
Crédito: Nigéria Produções

SUSTENTAÇÃO ORAL “CASO VANDERLEY”

1. - Colenda Turma,

- Desembargadora Relatora Regina Gláucia Cavalcante Nepomuceno,
- Desembargador Professor Emmanuel Teófilo,
- Desembargadora Dulcina de Holanda Palhano,
- Desembargadora Maria Roseli Mendes Alencar,
- Nobre Procuradoria do Trabalho,
- Douta parte adversa,
- Senhores e senhoras presentes, colegas advogados, pesquisadores, profissionais da imprensa, boa tarde,

2. Tratam os autos do Recurso Ordinário interposto por Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA, contra decisão da Excelentíssima Juíza do Trabalho em Limoeiro do Norte, Dra. Kelly Cristina Diniz Porto.

3. Em nome da Recorrida, Sra. Maria Gerlene Silva dos Santos, viúva do trabalhador, entendemos que a decisão deve ser mantida em todos os seus termos.

4. Essa demanda trata da morte do ex-empregado da Del Monte, Sr. Vanderlei Matos da Silva, em função de sua exposição aos agrotóxicos em seu ambiente de trabalho. Vanderlei, então com 29 anos, laborava no almoxarifado da empresa, no preparo da solução de agrotóxicos que eram borrifados sobre a lavoura de frutas.


5. Esse ambiente de trabalho é assim descrito, conforme os depoimentos colhidos durante a instrução:

5.1. A testemunha JOSÉ ANAILDO SILVA DA COSTA (em fl. 504, v.), diz “que era o depoente e o falecido quem liberavam os agrotóxicos da reclamada; (...) que acontecia de às vezes os empregados que trabalham com agrotóxicos sentir tontura; (...) que as sobras dos agrotóxicos retornavam para o almoxarifado, levadas pelo falecido e pelo depoente; (...) que em relação às sobras de agrotóxicos alguns sacos retornavam abertos; que o falecido queixava-se ao depoente de problemas de dor de cabeça e de estômago; que o falecido chegou a ter sangramento no nariz; que o falecido começou a apresentar problemas após um ano de trabalho no setor; que no horário da noite não tinha médico para atendimento na empresa”.

5.2. A testemunha FRANCISCO RICARDO NOBRE (fl. 505), diz “que quando havia fiscalização de entidades ligadas ao meio ambiente acontecia na reclamada de se determinar que fossem escondidos alguns produtos, que não poderiam ser usados (...) que acontecida na reclamada de os trabalhadores sentirem os efeitos da aplicação de agrotóxicos; (...) que viu o falecido fazer pesagem de agrotóxicos várias vezes (...)”.

6. Este era o ambiente a que o ex-empregado estava submetido.

7. Excelências, até chegarmos ao julgamento deste Recurso, passaram-se quase 5 anos de uma robusta e assentada produção de provas. Para tanto, é oportuno destacar duas importantes investigações. A primeira, um estudo epidemiológico sobre a população exposta a agrotóxicos, particularmente sobre os trabalhadores, coordenada pela Professora Dra. Raquel Rigotto, do Núcleo TRAMAS, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Nesse estudo, é abordado o caso de Vanderlei Matos.

8. A outra investigação é o Inquérito Civil da Procuradoria do Trabalho em Limoeiro do Norte, conduzida pela Ilma. Procuradora Dra. Geórgia Aragão. Neste procedimento, juntado aos autos e submetido ao contraditório, se investiga a possível responsabilidade da empresa Del Monte no óbito do Sr. Vanderlei Matos. Os depoimentos colhidos em sede do Procedimento Ministerial corroboram com os anteriormente citados:

8.1. ANTÔNIO NEUVAN RODRIGUES DOS SANTOS (fls 629-632/ fls. 115-118 do IC) diz:

“Que o declarante foi transferido para o almoxarifado químico, área considerada de maior risco em razão da grande quantidade de agrotóxicos que ali são estocados e misturados; (...) Que o ar ambiente do galpão é saturado por cheiro de veneno bem como as adjacências do galpão; (...) Que o declarante e os outros empregados daquele setor recebiam uma relação de produtos químicos... para serem escolhidos e não serem vistos durante a auditoria da Global Gep, e do Ministério do Trabalho (...) Que o refeitório dos empregados fica por traz da zona de mistura e próximo ao local onde diariamente se faz o descarte de produtos químicos; (...) que quando Vanderley começou a ficar muito doente, a empresa não lhe deu licença para se tratar, tendo dado para Vanderley suas férias mesmo sem ele ter pedido (...)”.

8.2. No depoimento de JOSÉ ANAILDO SILVA DA COSTA (fls. 1.068-1.069/ fls. 561-562 do IC), se lê,

“(...) que o declarante e o Sr. Vanderlei e demais auxiliares de almoxarifado faziam também o serviço de limpeza do almoxarifado; que entende que tal serviço era bastante insalubre, pois a 'poeira' dos agrotóxicos ficava no ar....”

9. Esse era o ambiente de trabalho. Admitido em 8 de abril de 2005, a partir de julho de 2008, o trabalhador passou a sentir fortes dores de cabeça, febre alta, falta de apetite, olhos amarelados e inchaço no abdômen. Em agosto do mesmo o ano os sintomas se agravaram, sendo obrigado a se afastar do trabalho. Após 3 meses de agonia, em 30 de novembro de 2008, o ex-empregado veio a falecer, com diagnóstico de Insuficiência Renal e Hepática Aguda e Hemorragia Digestiva Alta, conforme a Certidão de Óbito.

10. Embora a Empresa realizasse exames de saúde semestrais, os resultados nunca chegaram às mãos do de cujus ou de sua esposa, afrontando diretamente o art. 168, § 5°, da CLT.

11. Ademais, durante o vínculo empregatício, o agricultor trabalhava sob jornada exaustiva, pois além das 08 (oito) horas diárias, a qual se alternava entre os períodos noturno e diurno, eram necessárias pelo menos 02 (duas) horas para se locomover até o local de trabalho.

12. Além da prova testemunhal, foram juntados aos autos:

- Relatórios de fiscalizações da Superintendência Regional do Trabalho e Notas Fiscais dos agrotóxicos. Esses documentos demonstram diversas irregularidades na empresa DEL MONTE, inclusive em relação aos agrotóxicos utilizados;

- Laudos técnicos elaborados pela Perícia Médica da Procuradoria do Trabalho, corroborando com a presunção do nexo de causalidade;

- E por fim, Relato do caso clínico, elaborado por quatro professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, dentre eles, a Profa. Dra. Raquel Rigotto e o Dr. José Milton, um dos mais renomados hepatologistas cearenses. Neste relato, se fundamenta o diagnóstico de hepatopatia por substâncias tóxicas. “Tal hipótese sustenta-se na evidência da exposição ocupacional prolongada a diferentes ingredientes ativos de agrotóxicos (...).”

Nesse relato são citados dados da mesma pesquisa, demonstrando alterações de função hepática em 53% dos trabalhadores examinados da mesma empresa.

13. São essas, portanto, as principais evidências que corroboraram para o reconhecimento do nexo de causalidade entre o labor e a morte do empregado.

14. Além do reconhecimento dos danos causados pela Empresa ao Empregado, a decisão condena a Recorrente ao pagamento das seguintes verbas:

14.1. 7ª e 8ª horas extras seguintes a jornada de seis horas em turnos ininterruptos de revezamento, acrescidas de 50%, com respectivos reflexos.

14.2. Pagamento de horas de trajeto, as horas in intinere, de 3h 30min, por dia, com devidos reflexos.

14.2.1. Em relação às horas in intinere, a Magistrada desconsiderou a Convenção Coletiva de Trabalho com expressa renuncia ao computo de horas de trajeto, por não se tratar de mera flexibilização, a teor do inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal, mas sim de renúncia da remuneração.

15. Por fim, honorários advocatícios no importe de 15% sobre o valor condenatório.

16. A tese aqui defendida está em consonância com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, como na recente decisão de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista, da 1ª Turma daquela Corte, publicada no último dia 5 maio:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. INDENIZAÇÃO. DOENÇA OCUPACIONAL. INTOXICAÇÃO POR AGROTÓXICO.
(...)
No caso, existe evidente nexo de causalidade entre a lesão experimentada e o trabalho, o que torna inegável a existência da moléstia profissional. Ademais, como a atividade desenvolvida pelo autor pode ser qualificada de risco específico, e pelo risco do ambiente criado pelo método de trabalho, poderia ser aplicada a teoria da culpa presumida, fruto da teoria do risco da atividade, exigindo-se do empregador, pois, prova efetiva da adoção de todas as medidas necessárias à eliminação do risco da atividade.”

17. Excelências, por todo o exposto, pedimos que seja mantida a decisão, em todos os seus termos. Não apenas para minimizar a imensurável dor sofrida pela viúva do empregado. Empresas como a Del Monte valem-se de tais condições para gerar seus lucros. Após anos de atividade econômica do agronegócio na região Jaguaribana do Ceará, as evidências de doenças causadas pelo contado com agrotóxico são assustadoras. Trágico exemplo disso é a morte do trabalhador Vaderlei Matos. Pedimos e esperamos que essa Corte decida em favor da vida.

Muito obrigado pela atenção!

Crédito: Nigéria Produções.

Nenhum comentário:

Postar um comentário