Conforme noticiado na semana passada, aconteceu o julgamento do caso Vanderley, no Ceará. Segue a sustentação oral do advogado Cláudio Silva Filho, do Direito em Movimento, rebatendo as razões do recurso da empresa Del Monte. Trata-se da condenação da empresa Del Monte pela morte de agricultor, em função do trabalho com agrotóxicos.
SUSTENTAÇÃO ORAL “CASO VANDERLEY”
1. - Colenda Turma,
- Desembargadora Relatora Regina
Gláucia Cavalcante Nepomuceno,
- Desembargador Professor Emmanuel
Teófilo,
- Desembargadora Dulcina de Holanda
Palhano,
- Desembargadora Maria Roseli Mendes
Alencar,
- Nobre Procuradoria do Trabalho,
- Douta parte adversa,
- Senhores e senhoras presentes,
colegas advogados, pesquisadores, profissionais da imprensa, boa tarde,
2. Tratam os autos do Recurso
Ordinário interposto por Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA, contra decisão da
Excelentíssima Juíza do Trabalho em Limoeiro do Norte, Dra. Kelly Cristina
Diniz Porto.
3. Em nome da Recorrida, Sra. Maria
Gerlene Silva dos Santos, viúva do trabalhador, entendemos que a decisão deve
ser mantida em todos os seus termos.
4. Essa demanda trata da morte do
ex-empregado da Del Monte, Sr. Vanderlei Matos da Silva, em função de sua
exposição aos agrotóxicos em seu ambiente de trabalho. Vanderlei, então com 29
anos, laborava no almoxarifado da empresa, no preparo da solução de agrotóxicos
que eram borrifados sobre a lavoura de frutas.
5. Esse ambiente de trabalho é assim
descrito, conforme os depoimentos colhidos durante a instrução:
5.1. A testemunha JOSÉ ANAILDO SILVA
DA COSTA (em fl. 504, v.), diz “que era o depoente e o falecido quem liberavam
os agrotóxicos da reclamada; (...) que acontecia de às vezes os empregados que
trabalham com agrotóxicos sentir tontura; (...) que as sobras dos agrotóxicos
retornavam para o almoxarifado, levadas pelo falecido e pelo depoente; (...)
que em relação às sobras de agrotóxicos alguns sacos retornavam abertos; que o
falecido queixava-se ao depoente de problemas de dor de cabeça e de estômago;
que o falecido chegou a ter sangramento no nariz; que o falecido começou a
apresentar problemas após um ano de trabalho no setor; que no horário da noite
não tinha médico para atendimento na empresa”.
5.2. A testemunha FRANCISCO RICARDO
NOBRE (fl. 505), diz “que quando havia fiscalização de entidades ligadas ao
meio ambiente acontecia na reclamada de se determinar que fossem escondidos
alguns produtos, que não poderiam ser usados (...) que acontecida na reclamada
de os trabalhadores sentirem os efeitos da aplicação de agrotóxicos; (...) que
viu o falecido fazer pesagem de agrotóxicos várias vezes (...)”.
6. Este era o ambiente a que o
ex-empregado estava submetido.
7. Excelências, até chegarmos ao
julgamento deste Recurso, passaram-se quase 5 anos de uma robusta e assentada
produção de provas. Para tanto, é oportuno destacar duas importantes
investigações. A primeira, um estudo epidemiológico sobre a população exposta a
agrotóxicos, particularmente sobre os trabalhadores, coordenada pela Professora
Dra. Raquel Rigotto, do Núcleo TRAMAS, da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Ceará. Nesse estudo, é abordado o caso de Vanderlei Matos.
8. A outra investigação é o
Inquérito Civil da Procuradoria do Trabalho em Limoeiro do Norte, conduzida
pela Ilma. Procuradora Dra. Geórgia Aragão. Neste procedimento, juntado aos
autos e submetido ao contraditório, se investiga a possível responsabilidade da
empresa Del Monte no óbito do Sr. Vanderlei Matos. Os depoimentos colhidos em
sede do Procedimento Ministerial corroboram com os anteriormente citados:
8.1. ANTÔNIO NEUVAN RODRIGUES DOS
SANTOS (fls 629-632/ fls. 115-118 do IC) diz:
“Que o declarante foi transferido
para o almoxarifado químico, área considerada de maior risco em razão da grande
quantidade de agrotóxicos que ali são estocados e misturados; (...) Que o ar
ambiente do galpão é saturado por cheiro de veneno bem como as adjacências do
galpão; (...) Que o declarante e os outros empregados daquele setor recebiam
uma relação de produtos químicos... para serem escolhidos e não serem vistos
durante a auditoria da Global Gep, e do Ministério do Trabalho (...) Que o
refeitório dos empregados fica por traz da zona de mistura e próximo ao local
onde diariamente se faz o descarte de produtos químicos; (...) que quando
Vanderley começou a ficar muito doente, a empresa não lhe deu licença para se
tratar, tendo dado para Vanderley suas férias mesmo sem ele ter pedido (...)”.
8.2. No depoimento de JOSÉ ANAILDO
SILVA DA COSTA (fls. 1.068-1.069/ fls. 561-562 do IC), se lê,
“(...) que o declarante e o Sr.
Vanderlei e demais auxiliares de almoxarifado faziam também o serviço de
limpeza do almoxarifado; que entende que tal serviço era bastante insalubre,
pois a 'poeira' dos agrotóxicos ficava no ar....”
9. Esse era o ambiente de trabalho.
Admitido em 8 de abril de 2005, a partir de julho de 2008, o trabalhador passou
a sentir fortes dores de cabeça, febre alta, falta de apetite, olhos amarelados
e inchaço no abdômen. Em agosto do mesmo o ano os sintomas se agravaram, sendo
obrigado a se afastar do trabalho. Após 3 meses de agonia, em 30 de novembro de
2008, o ex-empregado veio a falecer, com diagnóstico de Insuficiência Renal e
Hepática Aguda e Hemorragia Digestiva Alta, conforme a Certidão de Óbito.
10. Embora a Empresa realizasse
exames de saúde semestrais, os resultados nunca chegaram às mãos do de cujus ou
de sua esposa, afrontando diretamente o art. 168, § 5°, da CLT.
11. Ademais, durante o vínculo
empregatício, o agricultor trabalhava sob jornada exaustiva, pois além das 08
(oito) horas diárias, a qual se alternava entre os períodos noturno e diurno,
eram necessárias pelo menos 02 (duas) horas para se locomover até o local de
trabalho.
12. Além da prova testemunhal, foram
juntados aos autos:
- Relatórios de fiscalizações da
Superintendência Regional do Trabalho e Notas Fiscais dos agrotóxicos. Esses
documentos demonstram diversas irregularidades na empresa DEL MONTE, inclusive
em relação aos agrotóxicos utilizados;
- Laudos técnicos elaborados pela
Perícia Médica da Procuradoria do Trabalho, corroborando com a presunção do
nexo de causalidade;
- E por fim, Relato do caso clínico,
elaborado por quatro professores da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Ceará, dentre eles, a Profa. Dra. Raquel Rigotto e o Dr. José
Milton, um dos mais renomados hepatologistas cearenses. Neste relato, se
fundamenta o diagnóstico de hepatopatia por substâncias tóxicas. “Tal hipótese
sustenta-se na evidência da exposição ocupacional prolongada a diferentes
ingredientes ativos de agrotóxicos (...).”
Nesse relato são citados dados da
mesma pesquisa, demonstrando alterações de função hepática em 53% dos
trabalhadores examinados da mesma empresa.
13. São essas, portanto, as
principais evidências que corroboraram para o reconhecimento do nexo de
causalidade entre o labor e a morte do empregado.
14. Além do reconhecimento dos danos
causados pela Empresa ao Empregado, a decisão condena a Recorrente ao pagamento
das seguintes verbas:
14.1. 7ª e 8ª horas extras seguintes
a jornada de seis horas em turnos ininterruptos de revezamento, acrescidas de
50%, com respectivos reflexos.
14.2. Pagamento de horas de trajeto,
as horas in intinere, de 3h 30min, por dia, com devidos reflexos.
14.2.1. Em relação às horas in
intinere, a Magistrada desconsiderou a Convenção Coletiva de Trabalho com
expressa renuncia ao computo de horas de trajeto, por não se tratar de mera
flexibilização, a teor do inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal, mas
sim de renúncia da remuneração.
15. Por fim, honorários advocatícios
no importe de 15% sobre o valor condenatório.
16. A tese aqui defendida está em
consonância com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, como na
recente decisão de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista, da 1ª Turma
daquela Corte, publicada no último dia 5 maio:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE
REVISTA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. INDENIZAÇÃO. DOENÇA OCUPACIONAL. INTOXICAÇÃO
POR AGROTÓXICO.
(...)
No caso, existe evidente nexo de
causalidade entre a lesão experimentada e o trabalho, o que torna inegável a
existência da moléstia profissional. Ademais, como a atividade desenvolvida
pelo autor pode ser qualificada de risco específico, e pelo risco do ambiente
criado pelo método de trabalho, poderia ser aplicada a teoria da culpa
presumida, fruto da teoria do risco da atividade, exigindo-se do empregador,
pois, prova efetiva da adoção de todas as medidas necessárias à eliminação do
risco da atividade.”
17. Excelências, por todo o exposto,
pedimos que seja mantida a decisão, em todos os seus termos. Não apenas para
minimizar a imensurável dor sofrida pela viúva do empregado. Empresas como a
Del Monte valem-se de tais condições para gerar seus lucros. Após anos de
atividade econômica do agronegócio na região Jaguaribana do Ceará, as
evidências de doenças causadas pelo contado com agrotóxico são assustadoras.
Trágico exemplo disso é a morte do trabalhador Vaderlei Matos. Pedimos e
esperamos que essa Corte decida em favor da vida.
Muito obrigado pela atenção!
Crédito: Nigéria Produções. |
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