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segunda-feira, 13 de julho de 2015

Triplo carpado é a constituinte!

Luiz Otávio Ribas

Sempre me incomodou a frase "o mundo é dos espertos".

Não é de hoje que me revolta o uso de regras de procedimento para inviabilizar o argumento contrário. Um exemplo clássico é alguém que por ter depositado centavos a menos perde todo um processo na justiça. Algo suficiente para frustrar qualquer estudante iludido com o direito, ou levantar as antenas dos psicopatas sociais. Ainda não me decidi de que lado estou, mas o Eduardo Cunha e o Fernando Henrique Cardoso estão certamente bem decididos.
O regimento interno do Congresso Constituinte de 1987 foi escrito por FHC, junto com outros espertos, que criaram um emaranhado de regras contraditórias que geraram um buraco negro. Explico: na discussão sobre um substitutivo e o sumiço de um parlamentar na hora H da votação da reforma agrária, Edson Lobão - garoto esperto - deu mais uma rasteira com base no "claríssimo" regimento. A questão é que o regimento não previa nada, abrindo um vácuo e a possibilidade de se decidir qualquer coisa. Com esta omissão, proposital ou não, a reforma agrária foi parar no espaço sideral.
Eduardo Cunha parece ter aprendido esses "paranauês" para levar adiante a votação do financiamento empresarial de campanha e da redução da maioridade penal. Antes que alguém pudesse pensar que se tratava de uma grande sacanagem veio a simpática frase "foi um salto triplo carpado hermenêutico" - agora com a benção do STF. Eu, que ouvi muitas vezes que a nossa proposta de constituinte para reforma política era golpista finalmente entendi: "o mundo é dos espertos, dos espertos".

O ginasta e astronauta FHC: "- O PSDB quer uma nova eleição, não um golpe". 

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Islândia: a insurgência da democracia

Em tempos de encruzilhada, que sempre trazem à tona a refundação do sistema política, por via de reformas estruturantes, é fundamental conhecer a experiência de outros povos. Hoje, trazemos um texto, de Mauricio Wosniak Serenato, sobre o processo constituinte na Islândia, após a crise de 2008, que tem repercussões profundas no que diz respeito às possibilidades de mudarmos o tempo presente.

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Islândia: a insurgência da democracia

Mauricio Wosniaki Serenato
estudante do 5º ano em Direito da UFPR,
membro do Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia.

“Nós, o povo da Islândia, queremos criar uma sociedade justa que ofereça as mesmas oportunidades a todos. Nossas diferentes origens são uma riqueza comum e, juntos, somos responsáveis pela herança de gerações”. Assim é o preâmbulo da nova Constituição da Islândia, recentemente promulgada, após um momento de verdadeira catarse política. Essas breves palavras encerram em si mesmas um novo paradigma de constitucionalismo e democracia para o mundo, que se afasta do discurso de balanceamento entre esses dois conceitos para, enfim, amalgamá-los por completo. Diferentemente da Constituição brasileira, por exemplo, que inicia enfatizando em seu preâmbulo a ação dos representantes eleitos, a Constituição islandesa, logo de início, dá pista de como seu deu processo constituinte. Tomada por uma catastrófica crise econômica – para usar os termos do próprio FMI – e por uma conseguinte crise política, o povo islandês compreendeu que o novo país que se pretendia naquele momento não caberia nas categorias tradicionais da representação e da política institucional. Decidiu, portanto, tomar o leme de sua história.

A Islândia, seguindo a tradição nórdica, figurava a lista de países de bem-estar social, com amplo acesso a serviços básicos para toda população e uma economia fortemente atrelada ao Estado. No início do século XXI, no entanto, mormente a partir de 2003, o país instituiu uma política econômica extremamente liberalizante, privatizando suas principais e empresas estatais e seus três bancos (Landsbankinn, Kaupthing e Glitnir). Em um período de 5 anos, esses três bancos, que nunca tinham atuado fora da Islândia, já haviam emprestado mais de 120 bilhões de dólares, isto é, quase dez vezes o tamanho do PIB islandês. Não demorou muito para esse novo sistema ruir. Em 15 de setembro de 2008 o banco Lehman Brothers quebrou, e com ele entrou em colapso toda a economia mundial. A Islândia, acostumada com seus bancos contraindo dívidas em dólar e euro e aplicando em moeda nacional, não resistiu: seus três bancos entraram em bancarrota. Logo após o crash dos bancos islandeses, o desemprego no país triplicou em questão de 6 meses. Os banqueiros da Islândia perderam cerca de 100 bilhões de dólares e muitos islandeses perderam suas poupanças da vida inteira. A dívida da Islândia passou a representar 900% do PIB e a moeda nacional se desvalorizou 80% em relação ao euro. O país caiu em uma profunda recessão, com uma diminuição do PIB em 11% em dois anos.

Marx uma vez disse: “a situação desesperadora da época na qual vivo me enche de esperanças”. Talvez essa tenha sido a pulsão que tomou conta do povo islandês frente à barbárie, pois a movimentação posterior ao crash foi muito além do que se poderia imaginar. No final de 2008 tiveram início as massivas manifestações contra o plano de austeridade proposto pelo FMI e contra o governo do primeiro-ministro Geir Haarde, um dos responsáveis pela liberalização da economia. Em todo esse evento político, talvez o momento mais significativo tenha sido a invasão da delegacia para a libertação de um ativista preso. Haukur Hilmarsson era ativista ambientalista e anarquista desde sua adolescência. No início das manifestações ele escalou o prédio do Parlamento e lá içou uma bandeira indicando que o país estava à venda. Duas semanas após a ação de Haukur no Parlamento, estava ele novamente no local de sua subversão, acompanhando uma excursão do colégio. Sabendo-se que no dia seguinte estava marcado novo protesto, a polícia decidiu prendê-lo naquele momento (qualquer semelhança com a atuação da polícia brasileira nos protestos contra o aumento da tarifa não é mera coincidência). Esse foi o ponto de inflexão. No dia seguinte uma multidão foi à delegacia, munida de paus e pedras. O objetivo: libertar Haukur. A reação da polícia foi apagar as luzes da delegacia, como alguém que diz: “não tem ninguém em casa”. Evidentemente não foi efetivo. Haukur foi libertado e a multidão nesse momento teve certeza de sua força. A ação dos manifestantes foi uma boa demonstração de política conforme a definição de Jacques Rancière, ou seja, a ação que foge da política da polícia, atrealada ao status quo, rompendo com ela. Foi o momento do dissenso.

Não demorou muito para o governo cair. Elegeou-se um novo, agora da Esquerda Verde, principal força opositora do ex-primeiro-ministro responsável pela liberalização. Qual não foi a surpresa quando o novo primeiro-ministro, Steingrímur, da esquerda, passou a operar com destreza o plano de austeridade traçado pelo FMI. Não bastasse a decepção com o novo governo, o país entrou em nova efervescência política, agora em função do caso Icesave. O Icesave era um pequeno banco online gerenciado pelo Landsbanki, que tinha por objetivo captar correntistas fora do país, principalmente Grã-Bretanha e Holanda. Quando houve o crash em 2008, o Icesave foi dividido em dois, um banco doméstico, que passou a ser administrado pelo Estado e um estrangeiro, que seria liquidado. Por certo, Holanda e Grã-Bretanha não ficaram contentes com a situação e prometeram barrar qualquer tipo de auxílio financeiro à Islândia. O governo, então, propôs um acordo, passaria a saldar a dívida do Icesave com os credores internacionais a partir de 2017. A lei foi aprovada, faltando apenas a assinatura do Presidente da Islândia (cargo simbólico, de modo que se considerava protocolar a assinatura do presidente para qualquer projeto que viesse do Parlamento). A população islandesa se reorganizou e foi às ruas novamente. Centenas de pessoas marcharam até a frente da casa do Presidente e exigiram que a lei não fosse assinada. O presidente, acuado, não teve outra opção. Automaticamente foi chamado um referendo popular para promulgar ou não a lei. O resultado foi estarrecedor: o acordo proposto pelo Parlamento foi rejeitado por 93% dos eleitores, sendo que apenas 2% foram favoráveis ao pagamento dos credores internacionais. No início de 2011 o Parlamento propôs novo acordo, alegando que já se sabia que o valor da massa falida do banco era maior do que se pensava, de modo que pouco se sacrificaria as reservas islandesas em prol dos credores. Ainda assim, em novo referendo, mais de 60% dos eleitores foram contrários ao pagamento.

A Islândia rompeu com os modelos tradicionais de gestão de crise. Deixou que seus bancos privados quebrassem, deu o calote nos credores internacionais, perseguiu penalmente os responsáveis pela crise, reestatizou as empresas e bancos anterioremnte privatizados, e hoje é um dos países qua apresenta as melhorias mais significativas na economia e no campo social. O ímpeto insurgente do povo islandês, no entanto, não se limitou a todo esse evento político. O povo, já consciente de sua força, decidiu por perenizar os aprendizados de sua insurreição. A crise de representação política, principalmente após a decepção com o governo de esquerda, demosntrou que era preciso garantir a participação efetiva do povo na política. Era preciso uma nova Constituição e ela não se adaptaria aos modelos tradicionais do Parlamento. Era necessário algo novo, inteiramente novo.  

A população nas ruas, além de pressionar pela boicote aos credores internacionais e contra o FMI, também queria uma nova Constituição para o país. A Islândia tornou-se independente da Dinamarca em 1944 e basicamente copiou a Constituição dinamarquesa. O povo queria uma Constituição nova, que se amoldasse à nova conjuntura política do país e que desse resposta aos anseios populares por maior participação política, mas sabia que a mudança que pretendia não seria levada a cabo no Parlamento tradicionalista islandês. A pressão fez com que o premiêr Steingrímur convocasse uma Assembleia Nacional Constituinte. No entanto, quem decidiu os moldes da Constituinte foi o povo islandês. Para tanto, 950 pessoas foram sorteadas entre todo o eleitorado do país. Estes 950 traçaram as diretrizes políticas da nova Constituição e definiram de que forma iria se dar o processo constituinte propriamente dito. Definiu-se que seriam  eleitos 25 constituintes, de um universo de 522 adultos não pertencentes a nenhum partido político, mas que tivessem sido indicadas por, no mínimo, 30 pessoas. A idéia era trazer constituintes das mais diversas origens, etnias e regiões do país, para garantir um máximo de representatividade para aquele documento que iria nascer. Todas as reuniões dos constituintes foram transmitidas on-line e abriu-se espaço para que a população enviasse, via internet, sugestões para a nova Constituição islandesa. Mais de 3500 sugestões foram enviadas, todas apreciadas, e muitas incorporadas ao texto constitucional. Os rascunhos da nova Constituição eram postados diariamente na internet para que a população opinasse e revisasse a redação. Ao final, a Constituição Islandesa ainda passou por referendo popular, tendo sido aprovada e promulgada. O resultado foi uma Constituição que ampliou significativamente os mecanismos de participação popular direta, aumentou a transparência e a independência dos três poderes, introduziu mecanismos de controle social dos atos do Poder Público e assegurou direitos humanos em todas as suas dimensões.

O caso islandês inaugura um novo paradigma da temática do Poder Constituinte. Como bem aponta Antonio Negri, no mais das vezes, “a idéia de poder constituinte é juridicamente pré-formada quando se pretendia que ela formasse o direito, é absorvida pela idéia de representação política quando se almejava que ela legitimasse tal conceito”. A Constituinte da Islândia parece romper com essa lógica, na medida em que o Poder Constituído é legitimado não com base na representação política, mas na participação direta da população. Por certo, o evento islandês é tomado de peculiaridades que não são passiveis de repetição. No entanto, e aí está o seu grande mérito, ele ascende a esperança frente o desespero e mostra que outros caminhos são possíveis, seja diante da crise econômica, seja diante da crise política. A única certeza, contudo, é que para se construir novas soluções e romper com o status quo, o povo, todo ele, é imprescindível.



terça-feira, 30 de setembro de 2014

A crise da democracia representativa no Brasil e os mecanismos de participação popular

Luísa Saraiva*

Com a proximidade das eleições presidenciais, princípios constitucionais como democracia e República assumem um papel de protagonistas no discurso cotidiano da população. Em meio à necessidade de debates e aos receios e divergências acerca dos rumos da política brasileira atual, começam os cidadãos a discutir e debater sobre seus partidos e, principalmente, candidatos preferidos ou preteridos.
Há, no entanto, certo consenso em relação à crise das instituições democráticas nos moldes atuais. Nos protestos de junho de 2013, por exemplo, percebeu-se o descontentamento do povo em relação aos partidos políticos e a certas bandeiras de movimentos sociais. Ecoavam pelas ruas os gritos de que as instituições políticas (ou até mesmo representantes eleitos) não representavam aqueles que deveriam ser representados.
Estamos, portanto, vivendo uma crise da democracia representativa. Isso porque há um grande distanciamento entre representantes e representados, não havendo, pois, o reconhecimento dos primeiros em relação aos últimos.

"Ecoavam pelas ruas os gritos de que as instituições políticas (ou até mesmo representantes eleitos) não representavam aqueles que deveriam ser representados"