Início de ano é sempre um período um tanto turbulento, mas de extrema importância para as AJUPs e outros projetos de extensão nas universidades. Além da (infelizmente inevitável) saída de alguns integrantes e a necessária renovação do grupo (que passa por trabalhosas reuniões de planejamento da divulgação do projeto, inserção de novos integrantes, sensibilização, formação etc), é ainda um momento geralmente propício para um balanço das atividades realizadas até então, com vistas ao planejamento das atividades futuras.
Já se discutiu anteriormente aqui no blogue sobre alguns elementos essenciais para a formação de uma AJUP, o que certamente precisamos seguir aprofundando cada vez mais. Meu intuito, agora, é mais de fazer uma pro-vocação (o mais propositiva possível), tanto para projetos novos como para grupos mais antigos e consolidados, no sentido de (re)discutir o direcionamento das atividades de AJUP e as suas formas organizativas correspondentes.
Está sendo desenvolvida pela RENAJU uma proposta de mapa dos conflitos nos quais os projetos da Rede estão inseridos, iniciativa que não só contribui para um maior conhecimento dos projetos entre si, como também nos possibilita avançar no debate sobre as práticas concretas dos grupos, no sentido de aprimorar sua organização interna e sua proposta metodológica de atuação.
Me parece interessante, para adentrar nesse debate, partirmos do fundamento de que a AJUP representa uma forma de uso alternativo da universidade, que não tem a mera função de conceder horas complementares ao estudante ou ser uma forma de expiação do "complexo de culpa" que acomete alguns por estudar "de graça" num país de pobres e miseráveis. Pelo contrário, as AJUPs tanto têm um papel de intervenção na realidade concreta no sentido de sua transformação (o que faz avançar as lutas populares nos seus diversos âmbitos), como de formar juristas que compreendam a dialética social do Direito e atuem, onde estiverem, na defesa dos explorados e dos oprimidos de nossa sociedade.
O problema, no entanto, é que nem sempre nossos projetos conseguem intervir como poderiam no sentido de contribuir para as lutas dessas classes e grupos sociais, seja por deficiências na formação política (e é nesse sentido que se encontra a importância dos Cursos de Formação Política, Projetos Político-Pedagógicos etc), seja por limitações em nossas metodologias e formas organizativas internas (que não deixam de ser reflexo das limitações políticas, ou seja, há uma relação dialética entre todos estes fatores).
Para além do debate sobre o caráter dessa formação política (o que está sendo discutido atualmente pelos estudantes, não apenas na RENAJU mas também na FENED), penso que a principal carência atual dos projetos em termos metodológicos e organizativos está na ausência de uma melhor "dialética de escalas" ao se compreender e intervir no processo da luta de classes. Quero dizer com isso que ora os projetos possuem uma boa análise do processo geral mas não dos contextos das lutas nos locais específicos (ex.: a forma organizativa do projeto permite o acompanhamento da atuação geral do movimento, mas não possui contato direto com suas áreas específicas); ora possuem uma análise profunda da comunidade onde atuam mas não conseguem relacionar com o processo geral (ex.: os problemas da juventude numa dada escola pública são encontrados em muitas outras escolas, mas como não há uma visão em escala mais ampla, não conseguimos pensar em ações que transcendam aquele local onde atuamos).
Como disse, essa limitação tem origem em determinadas concepções políticas, e é necessário rediscuti-las e reelabora-las, para que, de forma criativa, possamos inclusive reestruturar a organização e as metodologias de nossos projetos. Nesse sentido, a categoria da Totalidade (tão citada neste blogue) me parece essencial, pois precisamos pensar a realidade na qual atuamos como "partes" de um "Todo estruturado".
Haveria então alguma sugestão em termos de formato organizativo, dentro dessa perspectiva totalizante? Não há resposta pronta, mas é sim possível fazer apontamentos, que apenas a praxis pode confirmar ou corrigir em cada contexto. Penso que uma possível saída organizativa para abarcar essa "dialética de escalas" seria estruturar, quando possível, núcleos dentro dos projetos vinculados não a temas, mas a setores da classe trabalhadora e dos grupos sociais oprimidos, estejam eles organizados ou não. Nada impede que o grupo siga atuando em sua comunidade específica, mas sua perspectiva é de buscar mapear outras comunidades que constituam a mesma classe e/ou grupo social, motivo pelo qual vislumbramos potenciais alianças estratégicas no sentido de impulsionar as lutas cotidianas.
Nesse sentido, me parece que o referido mapa de conflitos pode contribuir bastante nesse debate metodológico e organizativo. Seria interessante se os integrantes das AJUPs Brasil afora deixassem aqui sua contribuição, relato, concordâncias/discordâncias. Dialoguemos sobre nossa praxis!
Diego
ResponderExcluirEntendo que esta iniciativa de mapeamento é um grande passo que o movimento estudantil está dando.
Neste sentido, quero comunicar aos leitores deste blogue que, conforme ideia do Vladimir Luz, vamos colaborar nos mapeamentos nacionais.
Vladimir sugeriu que adicionemos como página fixa o título "quem somos", e façamos um esforço coletivo para apresentar alguns dados mínimos das assessores de todos Brasil. Isto para que o público geral possa nos conhecer melhor e contatar o pessoal por região. Além da visão em escala dos grupos de assessoria, que tu reivindicas, Diego.
Sobre o teu texto, quero dizer que teremos esta articulação macro quando avançarmos no debate de apoio aos movimentos sociais (algo pendente há anos), e também quando amadurecermos nossa visão sobre os partidos, e também sobre o próprio conceito de partido (não estou propondo o atrelamento a nenhum partido).
Por fim, digo que também vejo a aproximação temática da Renaju e Fened.
Grande Diehl... Ótima contribuição. Conseguiu provocar, haha!
ResponderExcluirSão "caricaturas", demasiadamente dicotômicas, mas que, com os devidos cuidados, acho que podem nos ajudar a pensar. Por um lado, a "totalização deslocalizada", um arribismo que não consegue tomar forma concreta, que pode também, por proximidade, repercutir num vanguardismo, numa prática política que não consegue respeitar tempos, realidades, processos; não constrói e não dialoga. Por outro, um "localismo destotalizado", um trabalho sem a elaboração consciente a partir de um critério político, desprovido de uma estratégia, próximo ao basismo. Muitas vezes uma ilha pós-moderna que atomiza os conflitos.
Um modelo parece apenas tomar em conta a estratégia; o outro, parece considerar apenas a dimensão tática, tomando-a como a própria estratégia. E a questão fundamental é mesmo, como tu dizes: o impacto político produzido.
Nós meio que utilizamos (ou "eu meio que utilizei") termos duros, mas isso tudo vem carinhosamente, haha!, vem pelas caricaturas, já que nos dirigimos (ou "me dirijo") a nós mesmos, nós que estamos nessa luta, nós que estamos todos nessa corda bamba o tempo todo. E não há dúvida de que é necessária uma síntese e de que ela está sempre sendo produzida. Aliás, considero que há muitos avanços nisso, se lançarmos um olhar histórico sobre o problema. A questão se complica um tanto (sempre acaba se complicando um tanto) porque que quem diz onde está um extremo e o outro em cada momento concreto - assim como onde está a síntese, o "equilíbrio" - é a avaliação política que fazemos dele, a partir de nosso próprio lugar político. Esse lugar não existe objetivamente, é uma construção e também uma disputa. Acho que aqui a formação política vem com tudo. Se conseguimos desenvolvê-la, conseguimos, também, tornar esta escolha - sobre como se comportar diante dessa dicotomia, o que é uma escolha - o mais consciente possível. E aqui é que entra o que tu fala sobre cada prática ser fruto de uma determinada concepção política. A formação política, contribuindo para que essa concepção possa ser tomada de forma progressivamente consciente, contribui também para que a postura diante da questão - fruto dessa concepção - também o seja. A questão é mesmo, então, de formação política e também de concepção.
E, em uma abordagem geral, o que é possível e ao mesmo tempo importantíssimo dizer é que há mesmo a necessidade de perceber essa relação dialética, que é preciso articular estratégia e tática, que é preciso ver as partes e o todo. Perceber-se na corda bamba é um enorme passo.
É interessante notar também que, por mais que um "localismo destotalizado" pareça mais ligado, em tese, à carência de formação política do que uma "politização deslocalizada", isso nem sempre é verdade.
Valeu, Diehl, acho que tu colocou a questão em termos muito apropriados e que isso rende um
debate da moléstia nos vários espaços da AJP, que pode e deve repercutir aqui.
abraços,
(e elogiar a idéia do Mapa de Conflitos, tem um potencial muito interessante mesmo)
ResponderExcluirConcordo com todos os proncunciamentos: dialética de escalas (Diego), posição sobre movimentos e partidos das classes populares (Luiz), totalização deslocalizada-localismo destotalizado (Tiago).
ResponderExcluirQuanto ao mapeamento, só teria a dizer que não pode ele se restringir a anunciar os louros da resistência dos movimentos sociais e populares, mas também denunciar, e com veemência, os abusos do capital. Portanto, fica colocado o problema da construção de um mapa sem a aparição dos conflitos sem as classes populares organizadas. E a pergunta que continua repercutindo é: "sem povo organizado, as AJUPs não podem/devem agir?" ou "as AJUPs só podem/devem agir junto a movimentos organizados?". A meu ver, isto continua sendo uma pedra no caminho de nosso-vasto-mundo-Raimundo.
Abraços e esperemos mais opiniões e depoimentos!
Muito satisfeito com os comentários, creio que complementaram e enriqueceram bastante o debate, apesar de ainda faltar o povo dos projetos da RENAJU relatando suas experiências por aqui (como o João, de Santarém, fez hoje por sinal).
ResponderExcluirClaro que quando me refiro a essa "dialética de escalas" e relacionando com o mapa de conflitos, não quero dizer que basta sabermos a disposição geral das AJUPs e as especificidades de cada trabalho realizado (e nem isso temos, até o momento!). Me refiro sim a entender que as lutas de classes ocorrem cotidianamente em todos os rincões onde haja divisão classista, e a "conjuntura geral" (que é o que geralmente se aborda nas análises de conjuntura) produz e ao mesmo tempo é produto das "conjunturas específicas".
O "mapa de conflitos" vem então indicar aonde, dentre as múltiplas lutas que ocorrem, as AJUPs estão efetivamente inseridas, o que permitirá, numa análise de conjunto, entender melhor de que forma a RENAJU como um todo intervém hoje, e pode intervir melhor amanhã para o avanço das forças populares. Se esse debate, junto com os PPPs, for realizado nos encontros da Rede, encaminhando deliberações concretas e práticas, creio que o avanço em sua organicidade será real (e provavelmente mais efetivo que uma Coordenação, como há tempos se discute).
Concordo que temos de nos aproximar e conhecer melhor os partidos, mas não apenas estes. Ouso dizer que hoje as AJUPs carecem mais de teoria da organização política (estudo das principais formas de organização do povo, em partidos, sindicatos, movimentos, associações etc) que de qualquer outra coisa. Aí sim creio que vamos conseguir entender melhor o papel das AJUPs em comunidades "desorganizadas" ou "organizadas", sua relação com as organizações populares etc.
E se for realmente disso que as AJUPs mais carecem hoje, creio que temos de nos debruçar melhor sobre esse tema aqui no blogue. Não acham?