segunda-feira, 12 de abril de 2010

Quem constrói a ponte não conhece o lado de lá


Segue um pequeno e breve relato sobre a experiência CORAJE (Corpo de Assessoria Jurídica Estudantil) na Vila São Francisco, Teresina. O Coraje, núcleo de AJUP que surgiu em 2007, tocados por estudantes da UESPI (Universidade Estadual do Piauí), iniciou o trabalho na comunidade, há mais de um ano, inicialmente se articulando com líderes comunitários e associação de morades e agora inicia um novo trabalho: Um ciclo de oficinas sobre mobilização, participação popular e Direitos Humanos com um grupo de jovens da Comunidade.
O relato, feito por Jorge André, integrante do projeto, é sobre a primeira oficina desse ciclo.

Quem constrói a ponte não conhece o lado de lá
Jorge André

A primeira vez é sempre complicada. Nervosismo dos dois lados, cada um querendo mostrar o melhor de si. Será que eu vou agradar? Será que eu vou fazer a minha parte direito? O que será que o outro está achando? Essas perguntas certamente povoam a mente de ambos.

No começo, acanhamento; um novo horizonte se apresenta para cada parte. A apresentação, um pouco desajeitada, um pouco pulando etapas, é reflexo da empolgação por iniciar uma nova jornada, e a vontade de que tudo dê certo. Uma criação de vínculos que há muito – pelo menos pelo projeto CORAJE – era esperada.

Um a um, os nomes vão se revelando; é complicado fixar quem são todos, pois uns acabam se destacando mais do que outros. Quem se propõe a construir ideias junto com uma comunidade, no entanto, tem que valorizar não só os que são mais explícitos, mas também os que não se manifestam, o porquê de eles não falarem. Coisas que o tempo ensina.

A falante e espevitada Bianca, o articulado Damião, o nervoso Hélio – mas cuja vontade de agir faz superar essa limitação – têm tanta importância quanto os que não falaram – talvez por isso seja difícil fixar-lhes os nomes, e dar-lhes a atenção devida.

Logo após, a dinâmica do quebra-cabeças, e dois grupos se formam com o objetivo de mostrar as dificuldades de se construir coletivamente (e o desejo de montar a figura, que não deixa perceber que faltam algumas peças, adquiridas no contato com o outro grupo).

Demora muito para que se faça algo de efetivo, mas os participantes têm a possibilidade de entender como vale a atuação de cada um para montar a figura (bem como para “montar” a realidade em que estão inseridos).

Ao final, uma oração, reflexo de se trabalhar com um grupo de jovens ligado à Igreja Católica. Ainda que o CORAJE não se pretenda atuar “com fins religiosos”, deve ter em mente que o respeito à realidade deles passa pelo respeito à crença deles.

Por meio da comunhão dessas vivências, espera-se, um novo saber há de emergir nos/pelos dois grupos, que, no final das contas, fazem parte de um todo maior: a sociedade.


8 comentários:

  1. Ô, Jovem!!! Salve, Lucas!

    Ótima contribuição sua para um relato regional das experiências nacionais que envolvem a assessoria jurídica popular (seja ela universitária ou não). É bom saber do engajamento de vocês aí pelas bandas de Teresina. Também, excelente relato do Sr. Dr. Jorge André (vulgo "Jijandré"), dando uma lição histórica de como devemos construir nossos relatos: de forma leve, arejada e não burocrática (como sói acontecer com os relatórios oficiais das instituições de ensino, pesquisa e fomento de nosso país). Precisamos, urgentemente, desenvolver este belo hábito de escrevermos sobre nossas experiências com a linguagem da educação popular. Viva o CORAJE!

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  2. Eu estava na maior expectativa por essa postagem!

    Bom, acho que sou muito suspeita para falar...Mas aí vou eu:

    Me considero uma privilegiada por ter participado dessa primeira oficina do CORAJE na Vila São Francisco e queria muito agradecer ao Jorge por ter feito o registro dessa experiência em palavras tão singelas, fruto de uma arguta sensibilidade. Me senti bastante contemplada por seus escritos, amigo. Por esse e pelos seguintes, ainda inéditos no blogue*.

    Lembro que sai dessa oficina com um comentário do Damião na cabeça: "Eu acredito que nossas vidas vão mudar, alguma coisa melhor vai acontecer a partir desse encontro." Confesso que senti, como nunca, o peso do mundo inteiro nas costas. Um estranho formigamento no canto dos olhos, por sinal. Naquele instante, comecei a compreender melhor a imensa responsabilidade que esses meninos e meninas assessores populares assumem ao decidir se engajar numa causa. São vidas, são expectativas, são sonhos que são expostos ali. De ambas as partes: assessores e comunidade. É o ser humano em toda a sua fragilidade existencial e é a partir daí, do alcance dessa exposição (nada fácil!), que se inicia o trabalho de assessoria.

    Eu acredito que conseguiram, naquele momento, alcançar muito do que a pedagogia freireana preconiza. Inclusive no que diz respeito aos participantes convidados...

    Muito obrigada por tudo. Eu só estava querendo uma oportunidade pública para agradecer, vocês notaram? Mas calma. Fortes emoções ainda virão.hehehe!

    Um grande, grande abraço da amiga Nayara em todas e todos!


    *Sim, Jorge André( o jovem)!Foi mal intecionada essa minha menção ao seu texto seguinte. =)


    Ps. Espero que como o CORAJE, outras assessorias se manifestem para compartilhar suas experiências locais. Foi sobre isso que tentei falar, quando, incentivada pela Gabi do SAJU-BA, mencionei o blogue no XII ERENAJU.

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  3. Olá

    Que beleza hein Lucas e Jorge André!
    A primeira oficina a gente nunca esquece.

    A abordagem do público jovem é sempre um desafio enorme, admiro a coragem de vocês em ousar na linguagem para aproximar-se deles. Como no caso da oração.
    Me digam uma coisa: todos os jovens participantes da oficina participaram deste momento? Os jovens são ligados a alguma organização religiosa?
    A religião e a educação popular tem uma ligação em vários momentos da história da assessoria jurídica popular. Com nosso educador Paulo Freire, assim como com o advogado popular Jacques Alfonsin.
    Já refleti muito sobre esta ligação e ainda não cheguei a nenhum conclusão.
    Assim, gostaria de provocá-los com a seguinte pergunta: as metáforas religiosas contribuem com a educação popular para manter acesa a chama da indignação ética com a realidade?

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  4. Primeiramente, muito bom ler essas palavras de retorno à postagem. São contatos como estes que nos estimulam a seguir com o projeto, não somente na comunidade, mas em vários espaços.

    Agora, interagindo com a provocação do Ribas: o nosso trabalho com estes jovens na comunidade não tinha sido previamente pensado, como já dito, inicialmente nos articulávamos com os líderes comunitários, seja da associação de moradores ou não, e nas reuniões locais surgiu a proposta de trabalharmos com os jovens da comunidade, várias vezes idéias dos próprios moradores.

    Alguns jovens que conhecemos em assembleia, por sua vez, nos levaram até a os grupos de jovens da Igreja Católica, aconselhando que seria um bom local pra iniciar o trabalho. Assim, fizemos o contato, e percebemos um bom espaço dentro da vila, já que o grupo é aberto, disposto, e não necessariamente teríamos que trabalhar somente com jovens da Igreja. Assim, vislumbramos mais pra frente, para que o contato com esta juventude possa não ser isolado, um trabalho em que se possibilite uma articulação com a(s) juventude(s) da cidade, do campo e de movimentos sociais - o que, sabemos, requer muito trabalho.

    Quanto à questão da religião, foi algo que nós não nos preparamos antes, também foi algo do momento, como os jovens são da Igreja eles que puxaram a oração, e como Jorge disse, não poderíamos nos recusar, ainda que não fosse nossa "praia", hehe.

    Também fico na mesma indagação de como trabalhar educação popular e religião, principalmente quando se parte de um grupo (no caso, o coraje) que não tem absolutamente nenhum viés religioso, apesar de algumas pessoas, em particular, terem suas crenças (ou não). Chegamos a ventilar em reunião que poderíamos discutir a nova campanha da Fraternidade, que questiona muito o sistema econômico em que estamos inserido, mas achamos melhor que, por ora não, sob o risco de parecer uma espécie oportunismo nosso ou forcação de barra - embora não tenhamos descartado por total a idéia.

    quanto a última pergunta, eu, pelo menos, careço de elementos pra tentar responder.

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  5. Olá Lucas
    Que legal o projeto de vocês! Maravilha!
    Então, minha provocação foi no sentido de saber como é que vocês estão pensando em dialogar com eles, inclusive a partir dos elementos que eles trazem, como a religiosidade.
    Por isso, achei ótima a idéia de debater a campanha da fraternidade, é um elo de ligação importantíssimo.
    Agora, não é necessário precipitar-se e sair levantando bandeira contra ou a favor da campanha ou da própria Igreja Católica.
    O distanciamento crítico é possível para facilitar o dialogo amoroso da educação popular.
    Achei a postura de vocês super madura, parabéns!

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  6. Eu acho interessante a discussão sobre o papel da religião na assessoria jurídica popular, mas também considero que ela não deve abafar o tema central das oficinas piauienses.

    Em todo caso, creio seja um ótimo tema gerador a campanha da fraternidade, que tem como problema esse ano a seguinte questão: "Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro" (Mt 6, 24). Querem algo mais problematizador e rebelde que isso? Com este tema, pode-se resgatar a crítica latino-americana (filosofia da libertação, interculturalidade, educação popular, direito alternativo - todos movimentos oriundos dessa matriz), a discussão econômica (crítica ao capitalismo, dependência, marxismo...), bem como a mobilização popular (movimentos sociais e populares, papel dos agentes externos etc.).

    Um abraço fraternal a todos!

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  7. Adorei a postagem e parabenizo o núcleo pela "coraje" (hehe) e desejo toda sorte e força pra continuar essa caminhada que apenas se iniciou. Muito boa a dinâmica que vocês usaram, eu não conhecia (sou novo nessa área, afinal...), vou levá-la ao Negro Cosme para trabalharmos nela também. Deve ter sido um momento muito emocionante!

    E fico muito feliz por vocês terem esse canal com os jovens. Essa tem sido uma das grandes dificuldades no atual projeto do Negro: não estamos conseguindo levar os jovens para as oficinas; temos trabalhado sobretudo com idosos, pessoas que já lutaram e trabalharam e se decepcionaram demais com grupos como o nosso e já não tem mais a mesma vontade de lutar ou mudar algo... tem sido realmente difícil pra nós não sentir essa motivação neles e nem termos conseguido até agora provocá-la. Acreditamos que ajudaria muito se conseguíssemos levar os jovens a participar do debate, mas até agora não tivemos sucesso expressivo nessa questão.

    Mais um problema o que eu coloco pra vocês, então, hehe.

    Parabéns ao CORAJE novamente! Fiquei muito feliz, de verdade, por vocês!

    Abraços,
    Carlos José

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  8. Um monte de questões a serem refletidas, heim, corajosos?srsr!

    Carlos!Bem-vindo ao blogue!

    :)

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