quarta-feira, 13 de maio de 2015

Lutando pelos direitos sociais negados pelo Direito

 A coluna AJP naUniversidade de hoje traz o relato do advogado de São João do Piauí (PI) Francisco de Paulo Araújo, sobre o histórico das leis e da resistência dos movimentos populares. Importante fazer esta reflexão no dia que lembramos os 127 anos da Lei Áurea. O texto foi produzido originalmente para a disciplina de “Teorias Críticas do Direito e Assessoria Jurídica Popular”, da Especialização em Direitos Sociais do Campo da UFG, na Cidade de Goiás, ministrada por Ricardo Prestes Pazello.
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Lutando pelos direitos sociais negados pelo Direito


Francisco de Paulo Araújo

O Estado democrático de Direito e o sistema jurídico brasileiro, fundado no direito positivado - em leis criadas para proteger os interesses da elite representado na propriedade privada -, estruturou-se para garantir as regalias da classe dominante que surgiu no Brasil no início do século XVI. Esta apropriou-se de todas as riquezas aqui existentes, inclusive apossando-se das terras doadas pelo reino de Portugal por meio das sesmarias e das capitanias hereditárias. Exatamente a primeira lei de terras foi criada no sentido de impedir o acesso à terra pelos desafortunados, explorados e escravizados pelos latifundiários da época.

Sob forte pressão mundial para pôr fim a escravidão - que no Brasil prolongou-se ao máximo por interesse dos escravocratas -, isto somente ocorreu no ano de 1888 com o advento da lei áurea assinada pela princesa Isabel, em 13 de maio de 1888. Ocorre que antes de “libertar” os homens e mulheres escravizadas, os senhores de escravos articularam-se para impedir que uma vez “livres” não tivessem acesso à terra, pois eram escravos e nada possuíam, a não ser sua própria força de trabalho.


Neste sentido, a lei de terras criada em 18 de setembro de 1850 - 30 anos antes de ocorrer o fim da escravidão legalizada no Brasil -, foi bem clara pois assim decretava em seu art. 1º: “Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra”. Desde então, os sem-terra ousaram lutar para a conquista deste direito mais sagrado de usufruir um bem natural e dele tirar o seu sustento.

Assim foi com os quilombos, em Canudos, Contestado, balaiadas e tantas experiências de levantes contra a ordem posta. Segue lutando o povo sem-terra, resistindo e até conquistando algumas migalhas de “direitos”. Mas quando demostram alguma força política em sua organização - que possa ao mínimo ameaçar o projeto da burguesia agrária hoje travestida de agronegócio -, este setor mais uma vez articula-se  por meio de sua bancada de parlamentares ruralistas no Congresso Nacional criando leis no sentido de barrar este processo de conquistas, criminalizando a luta e seus dirigentes, bem como as organizações populares.


Sendo mais um exemplo entre tantos, há a lei que impede a desapropriação de terras ocupadas pelos sem-terra. Esta que foi uma das formas mais eficientes de luta dos sem-terra nos últimos anos. Mais uma vez o direito positivo é usado como forma de impedir o processo de lutas em curso. Neste sentido foi criada a lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que em seu art. 2º, § 6º determina: “o imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações”.


A história vem se confirmando. O direito do povo vem das ruas, das marchas, daqueles que ousam lutar, estudar e organizar-se ousando insurgir-se contra o sistema posto. Por serem capazes de ir além do discurso combativo, através da prática fazem nascer uma outra forma de organizar-se em sociedade. Cultivando novas relações entre os homens e mulheres, e vivenciado outros valores. É assim que  os movimento sociais do campo vêm se afirmando: por meio das cooperativas de trabalho; escolas dos assentamentos de Reforma Agrária que adotam a pedagogia da terra; camponeses entrando nas universidade para obter o domínio do conhecimento que permite mudar a realidade. Dessa forma, fazem desencadear um processo  de empoderamento dos dominados na esperança de que um dia não tão distante poderemos  afirmar, sem nenhuma demagogia, em voz alta e destemida, que o poder emana do povo e por ele será exercido.

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Leia também:
Caboclos, posseiros, sem terra, Ricardo Pazello, 18 jan 2013

Negros e índios na invenção do Brasil, Luiz Otávio Riba, 4 mai 2011

O direito do campo no campo do direito, Aldinei Sebastião Dias Leão, 12 mar 2015

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