quinta-feira, 21 de maio de 2015

Um caso de criminalização no relato de um advogado popular

Hoje, a coluna AJP na Universidade traz um relato que, infelizmente, é comum entre os movimentos populares do campo, no Brasil. Trata-se de texto do advogado popular pernambucano Edgar Menezes Mota sobre a criminalização que atinge o MST. O relato coincide com a data da greve portentosa dos 100 mil, na Vila Euclides, em 1980, mas também coincide com o mês em que, no Paraná, vários sem-terra foram criminalizados, em dois julgamentos, por terem vivido histórias próximas da contada por Edgar. O texto foi produzido originalmente para a disciplina de “Teorias Críticas do Direito e Assessoria Jurídica Popular”, da Especialização em Direitos Sociais do Campo da UFG, na Cidade de Goiás, ministrada por Ricardo Prestes Pazello.

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TRABALHADORES PRESOS HÁ MAIS DE CINCO ANOS SÃO LEVADOS AO BANCO DOS RÉUS PELO PODER JUDICIÁRIO

Edgar Menezes Mota
Advogado popular em Pernambuco, estudante da Turma de Especialização em Direitos Sociais do Campo - Residência Agrária (UFG)


Vivemos em um Estado bruto, cheio de ideologias das classes dominantes. Todavia o direito emanado destas é um direito parcial e, portanto, injusto.

Quando se trata de direito à terra ou à reforma agrária, a ação dos latifundiários e do Estado torna-se ainda mais enérgica no sentido de coibir aqueles que se insurgem a lutar contra as injustiças sociais e pela conquista da terra.

Conflitos agrários no Brasil são muitos. Se fôssemos elencar todos aqui, passaríamos uma eternidade quantificando-os, pois são incomensuráveis. Por isso, aqui neste texto, vamos nos ater a apenas um que nos chamou bastante atenção. Refiro-me ao conflito ocorrido nos Acampamentos Jabuticaba e Consulta, localizados no município de São Joaquim do Monte, Agreste Pernambucano.

O fato ocorreu no dia 21 de fevereiro de 2009, em um sábado de carnaval, onde quatro pistoleiros foram mortos ao tentarem invadir um dos acampamentos mencionados, com o intuito de assassinar integrantes do MST, em especial o coordenador regional do MST na época.

Neste mesmo dia, os Sem Terra reocuparam a Fazenda Jabuticaba da qual já haviam sido violentamente expulsos na quinta-feira anterior – por força de mandado judicial – e lá permaneceram acampados, sem terem para onde ir. Afinal, já estavam lá há mais de oito anos.

Imediatamente, os integrantes do grupo MST sofreram ameaças e tentativa de massacre pelos pistoleiros contratados pelo Fazendeiro (suposto dono das terras). Eles chegaram de motocicletas, fortemente armados. Neste momento foi solicitado auxílio policial, que conteve momentaneamente o conflito, evitando um massacre das famílias acampadas.

Com a presença da polícia, os pistoleiros recuaram e se refugiaram num vilarejo, por nome “Monte Alegre”, próximo ao Acampamento.

Quando a Polícia se ausentou do local, dois trabalhadores saíram para informar o ocorrido às famílias do Acampamento Consulta que fica próximo ao Jabuticaba. Quando chegaram a Monte Alegre, os quatro pistoleiros, em três motos, passaram a persegui-los.

As famílias do Acampamento Consulta ficaram então em alerta. Pouco tempo depois que os trabalhadores entraram no Acampamento juntamente com o coordenador regional do MST, os pistoleiros em suas motos invadiram o local e, fortemente armados, passaram a agredi-lo com socos e tapas, levando-o ao chão. Quando um dos pistoleiros se preparou para matá-lo, os acampados reagiram em defesa de sua vida, bem como das pessoas que ali estavam, inclusive idosos e crianças.

O conflito resultou em ferimentos à bala em alguns trabalhadores e na morte de quatro pistoleiros.

Em consequência do assunto ocorrido, não somente quatro trabalhadores foram presos como também alguns pais de família tiveram prisão preventiva decretada. E, ainda, o empresário, suposto dono das terras onde aconteceu o conflito, é condenado pela justiça por sonegação de impostos. E quanto a um dos policiais militares que prestava serviço de forma ilegal como segurança das Fazendas – principal motivador do conflito – continua integrando a corporação sem qualquer punição.

Passados mais de cinco anos, os trabalhadores ainda se encontram encarcerados à mercê de uma resposta do poder judiciário, que, por incompetência ou falta de vontade, só ouviu os trabalhadores cinco anos após suas prisões, embora a legislação brasileira determine que tal procedimento (audiência para ouvir testemunhas e acusados) deverá ser realizado em no máximo 90 dias, por se tratar de réu preso, por crime doloso contra a vida.

Os acusados só foram ouvidos pelo juiz porque os trabalhadores ocuparam o Fórum da Comarca de São Joaquim do Monte para pressionar o poder judiciário a marcar a audiência de instrução e julgamento. Mas pouco adiantou, uma vez que a sentença do juiz, no último dia 13 de maio de 2014, foi no sentido de pronunciar todos os trabalhadores acusados, ou seja, foram enviados (para o banco dos réus) a júri popular. Mas, segundo os defensores dos trabalhadores, ainda cabe recurso.

No entanto, com a presença do Ouvidor Agrário Nacional, o Superintendente do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – e de Representantes do Governo do Estado de Pernambuco, foi realizado um acordo que garantia a segurança das famílias acampadas e estabelecia o prazo de 30 dias para a desapropriação de uma área para o assentamento destas famílias.

Atualmente, os trabalhadores continuam embaixo de lona preta e sob ameaça constante, inclusive de policiais militares contratados de forma ilegal pelo fazendeiro. Em total descumprimento das legislações vigentes, bem como do acordo firmado anteriormente com os órgãos públicos, todavia, o INCRA não desapropriou nenhuma área para assentamento das famílias como prometido, nem tampouco o Governo desapropriou a Fazenda Consulta por interesse social, como havia sido acordado.           

Diante de tantas injustiças, parece que esse direito que aí está posto não serve para as classes menos abastadas, pois a legislação oficial apresenta ainda uma expressão clássica de dominação. A prova disso é que as elites dominam as formas econômicas, a mídia forma a opinião pública e, ainda por cima, elege os titulares do poder judiciário. Enquanto isso, o proprietário volta a montar trincheiras com pistoleiros. As famílias ficam sem nenhum amparo, em específico, o do Estado. Assim, os trabalhadores viram presas fáceis à ação dos pistoleiros. Principalmente as famílias dos trabalhadores que continuam presos.


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