Hoje, a coluna AJP na Universidade traz um relato que,
infelizmente, é comum entre os movimentos populares do campo, no Brasil.
Trata-se de texto do advogado popular pernambucano Edgar Menezes Mota sobre a
criminalização que atinge o MST. O relato coincide com a data da greve
portentosa dos 100 mil, na Vila Euclides, em 1980, mas também coincide com o
mês em que, no Paraná, vários sem-terra foram criminalizados, em dois
julgamentos, por terem vivido histórias próximas da contada por Edgar. O texto
foi produzido originalmente para a disciplina de “Teorias Críticas do Direito e
Assessoria Jurídica Popular”, da Especialização em Direitos Sociais do Campo da
UFG, na Cidade de Goiás, ministrada por Ricardo Prestes Pazello.
TRABALHADORES PRESOS HÁ MAIS DE CINCO ANOS SÃO
LEVADOS AO BANCO DOS RÉUS PELO PODER JUDICIÁRIO
Edgar Menezes Mota
Advogado popular em Pernambuco, estudante da Turma de Especialização em Direitos Sociais do Campo - Residência Agrária (UFG)
Vivemos em um Estado bruto, cheio de ideologias das classes dominantes. Todavia o direito emanado destas é um direito parcial e, portanto, injusto.
Quando se trata de
direito à terra ou à reforma agrária, a ação dos latifundiários e do Estado torna-se
ainda mais enérgica no sentido de coibir aqueles que se insurgem a lutar contra
as injustiças sociais e pela conquista da terra.
Conflitos agrários no
Brasil são muitos. Se fôssemos elencar todos aqui, passaríamos uma eternidade
quantificando-os, pois são incomensuráveis. Por isso, aqui neste texto, vamos
nos ater a apenas um que nos chamou bastante atenção. Refiro-me ao conflito
ocorrido nos Acampamentos Jabuticaba e Consulta, localizados no município de
São Joaquim do Monte, Agreste Pernambucano.
O fato ocorreu no dia 21
de fevereiro de 2009, em um sábado de carnaval, onde quatro pistoleiros foram mortos
ao tentarem invadir um dos acampamentos mencionados, com o intuito de
assassinar integrantes do MST, em especial o coordenador regional do MST na
época.
Neste mesmo dia, os Sem
Terra reocuparam a Fazenda Jabuticaba da qual já haviam sido violentamente expulsos
na quinta-feira anterior – por força de mandado judicial – e lá permaneceram acampados,
sem terem para onde ir. Afinal, já estavam lá há mais de oito anos.
Imediatamente, os
integrantes do grupo MST sofreram ameaças e tentativa de massacre pelos
pistoleiros contratados pelo Fazendeiro (suposto dono das terras). Eles chegaram
de motocicletas, fortemente armados. Neste momento foi solicitado auxílio
policial, que conteve momentaneamente o conflito, evitando um massacre das
famílias acampadas.
Com a presença da
polícia, os pistoleiros recuaram e se refugiaram num vilarejo, por nome “Monte
Alegre”, próximo ao Acampamento.
Quando a Polícia se
ausentou do local, dois trabalhadores saíram para informar o ocorrido às
famílias do Acampamento Consulta que fica próximo ao Jabuticaba. Quando chegaram
a Monte Alegre, os quatro pistoleiros, em três motos, passaram a persegui-los.
As famílias do
Acampamento Consulta ficaram então em alerta. Pouco tempo depois que os
trabalhadores entraram no Acampamento juntamente com o coordenador regional do
MST, os pistoleiros em suas motos invadiram o local e, fortemente armados,
passaram a agredi-lo com socos e tapas, levando-o ao chão. Quando um dos
pistoleiros se preparou para matá-lo, os acampados reagiram em defesa de sua
vida, bem como das pessoas que ali estavam, inclusive idosos e crianças.
O conflito resultou em
ferimentos à bala em alguns trabalhadores e na morte de quatro pistoleiros.
Em consequência
do assunto ocorrido, não somente quatro trabalhadores foram presos como também alguns
pais de família tiveram prisão preventiva decretada. E, ainda, o empresário, suposto
dono das terras onde aconteceu o conflito, é condenado pela justiça por
sonegação de impostos. E quanto a um dos policiais militares que prestava serviço
de forma ilegal como segurança das Fazendas – principal motivador do conflito –
continua integrando a corporação sem qualquer punição.
Passados mais de
cinco anos, os trabalhadores ainda se encontram encarcerados à mercê de uma
resposta do poder judiciário, que, por incompetência ou falta de vontade, só
ouviu os trabalhadores cinco anos após suas prisões, embora a legislação
brasileira determine que tal procedimento (audiência para ouvir testemunhas e
acusados) deverá ser realizado em no máximo 90 dias, por se tratar de réu preso,
por crime doloso contra a vida.
Os acusados só
foram ouvidos pelo juiz porque os trabalhadores ocuparam o Fórum da Comarca de
São Joaquim do Monte para pressionar o poder judiciário a marcar a audiência de
instrução e julgamento. Mas pouco adiantou, uma vez que a sentença do juiz, no
último dia 13 de maio de 2014, foi no sentido de pronunciar todos os
trabalhadores acusados, ou seja, foram enviados (para o banco dos réus) a júri
popular. Mas, segundo os defensores
dos trabalhadores, ainda cabe recurso.
No entanto, com a
presença do Ouvidor Agrário Nacional, o Superintendente do INCRA – Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária – e de Representantes do Governo do
Estado de Pernambuco, foi realizado um acordo que garantia a segurança das
famílias acampadas e estabelecia o prazo de 30 dias para a desapropriação de
uma área para o assentamento destas famílias.
Atualmente, os trabalhadores
continuam embaixo de lona preta e sob ameaça constante, inclusive de policiais militares
contratados de forma ilegal pelo fazendeiro. Em total descumprimento das
legislações vigentes, bem como do acordo firmado anteriormente com os órgãos
públicos, todavia, o INCRA não desapropriou nenhuma área para assentamento das
famílias como prometido, nem tampouco o Governo desapropriou a Fazenda Consulta
por interesse social, como havia sido acordado.
Diante de tantas
injustiças, parece que esse direito que aí está posto não serve para as classes
menos abastadas, pois a legislação oficial apresenta ainda uma expressão
clássica de dominação. A prova disso é que as elites dominam as formas
econômicas, a mídia forma a opinião pública e, ainda por cima, elege os
titulares do poder judiciário. Enquanto isso, o proprietário volta a montar
trincheiras com pistoleiros. As famílias ficam sem nenhum amparo, em
específico, o do Estado. Assim, os trabalhadores viram presas fáceis à ação dos
pistoleiros. Principalmente as famílias dos trabalhadores que continuam presos.
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