Uma crítica a um
editorial de Zero Hora contra as/os sem-terra
Por Jacques Távora
Alfonsin, de Porto Alegre
Na Zero
Hora de quinta-feira passada, 19 de abril, justamente quando se celebra o dia pan-americano do índio, a Zero Hora publicou um editorial sob o título “Espírito de depredação”, criticando o MST pelos atos de protesto que esse movimento realizou aqui no Estado cobrando promessas antigas do Poder Público relacionadas com a execução da
reforma agrária e não cumpridas.
Aquela
opinião terminava assim: “O equívoco do movimento dos sem-terra, nesta e em
manifestações habituais, é o de primeiro partir para o confronto e só depois
tentar negociar. Esta, porém, será sempre uma alternativa inadmissível enquanto
as instituições se mantiverem a disposição para receber e encaminhar soluções
para demandas da sociedade.”
Sendo fato notório o de que a maioria das legítimas defesas do direito á vida, à liberdade, à dignidade própria e à cidadania dessa multidão de gente trabalhadora e pobre que integra o MST, quando ocupa latifúndios e prédios públicos se baseia, justamente, no fato de já ter esgotado todas as alternativas “institucionais” invocadas pela referido editorial, é impossível entender de qual “disposição” das instituições ele está falando e de quantas “negociações” ele pretende sejam re-reiniciadas.
Serão aquelas que, como o dia do índio deveria avisar ao jornal do dia 19, relembram o massacre multitudinário de todo um povo que vivia e
agora mal sobrevive aqui, oprimido pelas instituições, fazendo o mesmo que as/os suas/seus irmãs/os sem-terra fazem, ocupando os latifúndios da terra que lhes foi subtraída, como está ocorrendo no sul da Bahia?
Sendo fato notório o de que a maioria das legítimas defesas do direito á vida, à liberdade, à dignidade própria e à cidadania dessa multidão de gente trabalhadora e pobre que integra o MST, quando ocupa latifúndios e prédios públicos se baseia, justamente, no fato de já ter esgotado todas as alternativas “institucionais” invocadas pela referido editorial, é impossível entender de qual “disposição” das instituições ele está falando e de quantas “negociações” ele pretende sejam re-reiniciadas.
Serão aquelas que, como o dia do índio deveria avisar ao jornal do dia 19, relembram o massacre multitudinário de todo um povo que vivia e
agora mal sobrevive aqui, oprimido pelas instituições, fazendo o mesmo que as/os suas/seus irmãs/os sem-terra fazem, ocupando os latifúndios da terra que lhes foi subtraída, como está ocorrendo no sul da Bahia?
Serão
aquelas que fingem pretender a reforma agrária, como a ditadura militar fez
quando promulgou o Estatuto da Terra? É útil lembrar ao editorial de ZH,
também, ter sido uma via institucional proposta por Jango em 1964, justamente para, entre outras coisas, realizar uma efetiva reforma agrária, um dos motivos invocados pelo poder militar de então para acabar com a democracia brasileira por mais de duas décadas. As “instituições” só devem valer e ser respeitadas, então, quando não ameacem os estamentos de poder que oprimem a população pobre?
Serão
aquelas que mantêm os pobres do campo brasileiro aguardando sem nenhuma
resposta concreta, ou resultado efetivo, acentuado desde o século XIX, quando
foi promulgada a lei de terras? Se forem essas, o editorial prima por
ignorância histórica ou está filiado à perversa tese de que gente pobre tem
mesmo é que esperar (mesmo contra toda a esperança) e ter paciência, pois, de
lá para cá, contam-se às/aos milhares as/os mortas/os que foram assassinadas
esperando...
Se forem
aquelas da chamada “progressividade” sob a qual a sociedade civil e o
Poder Público se obrigam a não permitir retrocesso no respeito devido aos direitos humanos fundamentais sociais, convém recordar ao editorial da ZH, ainda outra vez, fatos muito mais graves do que os denunciados
por ele como “depredação”, originados precisamente em organizações e pessoas
que mais atacam as/os sem terra:
A
entidade máxima dos latifundiários brasileiros (CNA, Confederação Nacional da
Agricultura) está tão interessada nessa “progressividade” dos direitos
sociais, que moveu uma ação judicial pretendendo barrar os efeitos
jurídicos da chamada “ficha suja” de empresas ou empresários rurais que
exploram trabalho escravo. Felizmente, acaba de sofrer uma vexatória derrota no
Supremo Tribunal Federal.
Ela não visava “depredar”, (palavra utilizada pelo editorial) os direitos mais elementares dos trabalhadores rurais às suas próprias vidas e liberdades?
Ela não visava “depredar”, (palavra utilizada pelo editorial) os direitos mais elementares dos trabalhadores rurais às suas próprias vidas e liberdades?
A bancada
ruralista no Congresso Nacional, por sua vez, não “depreda” toda a consciência
ético-política da nação, usando todo o peso do seu poder anti-social para
impedir a votação da proposta de emenda constitucional sobre trabalho escravo,
que pena, há anos, sua tramitação na chamada Casa do Povo?
Essas
depredações não são muito maiores e mais escandalosas do que aquelas que o
editorial impinge como predatória?
“Progressividade”,
portanto, para a CNA e a bancada ruralista no
Congresso Nacional, note-se bem isso, pelo menos a vista desses sinais, é manter impunes os escravocratas. O país deve ignorar a abolição do trabalho escravo conquistada há quase dois séculos.
Congresso Nacional, note-se bem isso, pelo menos a vista desses sinais, é manter impunes os escravocratas. O país deve ignorar a abolição do trabalho escravo conquistada há quase dois séculos.
Em vez de
“espírito de depredação”, como refere o
infeliz editorial de ZH no dia do índio, é hora de se questionar se ele
não promove uma “depredação do espírito”, tão visível se mostra a sua
ignorância histórica, a sua insensibilidade social, mal disfarçando a sua
submissão rasteira ao que de pior inspira o atraso da elite latifundiária do
Estado e do país, contra a reforma agrária e em favor da morte da terra transformada
em pura mercadoria. Que sirva de testemunha disso, também, as pressões dessa
elite no que concerne às modificações do Código Florestal.
Assim,
devolvendo as advertências que o editorial faz contra as/os sem-terra, a sua
conclusão poderia ser redigida em sentido bem diferente mas usando as próprias
palavras dele: “ O erro do editorial de ZH do dia 19, nessa e em outras
de suas “manifestações habituais” contra as/os pobres sem-terra e o MST é o de,
primeiro, esconder as verdadeiras causas das históricas injustiças contra as quais
essa gente se rebela e, depois, “tentar negociar” com as/ os suas/seus
leitoras/os, de forma “inadmissível”, o fato notório de manter cerrada posição
de preconceituoso ataque contra ela, fazendo passar por crime tudo quanto ela
faz em favor da reforma agrária, uma política pública prevista na Constituição
Federal “para receber e encaminhar soluções para as demandas da sociedade.”
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