sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Artigo sobre Direitos Humanos.

Olá, povo.

Como já expus aqui, temos escrito alguns artigos para a seção "Direitos Humanos" de um jornal aqui da Paraíba. São textos curtos - em geral, em torno de uma página, uma página e meia - e com essa especificidade. Socializo um deles abaixo. Inclusive, tivemos um debate interessante sobre Direitos Humanos em Fortaleza na última sexta-feira com a turma da AJP e militantes de outras áreas, outros movimentos. Algo dessa elaboração coletiva deve estar presente no textinho.

Abraços a todxs.


O beco tem saída

Thiago Arruda*

Crise, crise, crise: crise de quê? Não é, a rigor, mentirosa a afirmação de que temos uma crise da economia, uma crise econômica. É, no entanto, desonesto permitir que essa expressão –“crise econômica” – oculte que o momento se caracteriza pela crise de um dado modo – um modo dentre vários – de organizar a economia, o capitalismo. Desonesto, porém recorrente, especialmente sob certa forma de produzir notícia, que tem por costume separar o fato noticiado dos fatores que lhe produzem, enfim, de seu próprio contexto.

A “crise econômica” nos sugere que a economia simplesmente entraria em pane, por razões objetivas, num percurso completamente sem controle e, mais do que isso, essencialmente incontrolável. Assim como a neve, ou uma tempestade, surgiriam as tais crises – fenômenos talvez de previsão mais difícil que aqueles, naturais. Não haveria, portanto, o que fazer diante dessa fatalidade, a não ser torcer para que os estragos causados pelos raios da depressão sejam dos menores.

Essa construção argumentativa não é nova. Os primeiros economistas defensores do capitalismo já sustentavam com unhas e dentes que esse modelo era natural, imutável. Desse modo, nesse beco sem saída, economia e capitalismo se confundem, assim como os efeitos de um determinado modo de produção – um modo dentre vários – elevam-se ao status de efeitos do próprio ato de produzir economicamente. Espécie e gênero são misturados, gerando-se uma completa incapacidade de se enxergar para além do que há de mais estupidamente imediato. Funciona como tocar uma mesa, chamá-la de madeira e proclamar que somente mesas são madeira – todos os outros objetos feitos de madeira que se virem.

O sentido desse discurso é exatamente eliminar as alternativas; e é exatamente por elas, as alternativas, existirem, que se afirma que não existem. É o risco que a sua existência oferece que impulsiona sua negação. Sua negação, enquanto medida política, torna-se ainda mais premente à medida que o modo vigente – um modo dentre vários – evidencia sua incapacidade de oferecer soluções reais, sua irracionalidade destrutiva, por, simplesmente, não ter mais condições de escondê-las, em razão de sua própria lógica de funcionamento.

Em um mundo que agora conta com 7 bilhôes de habitantes humanos, temos 1 bilhão de famintos e 212 milhões de desempregados. Os 15% mais ricos do planeta detêm 80% de toda a riqueza mundial; os 500 mais ricos somam rendimentos superiores aos dos 416 milhões mais pobres; e um executivo de uma grande empresa estadunidense (de qualquer das 15 maiores empresas dos EUA) ganha 520 vezes mais do que um trabalhador médio. Como o capital apenas pode sustentar-se a partir de sua reprodução contínua, as guerras surgem (e surgem, e surgem) como elementos impulsionadores da indústria (bélica, da construção civil etc.) e não como tragédia humana. Da mesma forma, não há limites para a destruição da natureza sob o imperativo da produção e do consumo ilimitados. Há, assim, um abismo entre os direitos humanos, as necessidades humanas – e do planeta como um todo – e a forma como se organiza a economia globalmente.

Sob um momento de crise – crises essas que são cíclicas, ou seja, intrínsecas ao capitalismo –, esse abismo apenas se aprofunda. Os direitos conquistados pelos povos, como saúde, educação, assistência social, tem sua efetividade ainda mais precarizada, para que o dinheiro público seja diretamente injetado nos bancos, salvando-os da falência – falência essa que seria provocada pela insanidade do sistema no qual eles mesmos jogam o papel central. Insisto que, se lêssemos sobre isso, sobre o hoje, em livros de História, certamente nosso estranhamento seria maior do que ao ouvirmos sobre esses fatos nos telejornais. Nossa proximidade em relação ao presente parece, por vezes, distanciar-nos dele, é verdade.

Mas, afinal, quem define como produzimos e distribuímos? Poderíamos organizar de forma diferente a economia e lidar de outra forma com tamanha capacidade produtiva já alcançada? Estão nos suicidando, pode ser, mas a crise, dizia Gramsci, se caracteriza justamente por ser o momento em que o velho, ainda, está morrendo e em que o novo, ainda, não pode nascer. O capitalismo, sob cuja batuta milhões e milhões e bilhões foram e são mortos, pela fome, por suas guerras, por suas ditaduras, escrachadas ou travestidas, passa por sua mais grave crise. E a crise, agora, é civilizatória, está para além dos índices econômicos, pondo em risco a espécie humana enquanto tal. É por isso que, sobretudo a essa altura, o capitalismo não suporta os direitos humanos, não pode mais compatibilizar-se com eles – a não ser como retórica oca. Esse choque aprofunda-se à medida que o capitalismo avança e à medida que novas demandas são agregadas ao conjunto dos direitos humanos, a partir da luta popular.

Que venham os movimentos populares, no Brasil, em Wall Street, na Grécia, no mundo, então; que venham as alternativas, pois o beco tem saída.

*Thiago Arruda é graduado em Direito e mestrando em Direitos Humanos junto à UFPB.

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