sábado, 3 de julho de 2010

Imbituba: crônica de um mandado de despejo



Leitores do blogue Assessoria Jurídica Popular,

Gostaria de compartilhar com todos vocês os episódios que vêm ocorrendo no litoral catarinense, município de Imbituba, em que camponeses de uma comunidade tradicional vêm sofrendo com as ameaças de despejo das terras onde moram e trabalham. Estas ameaças vêm acompanhadas do sinistro sabor da criminalização dos movimentos populares, do que já foi palco Imbituba com a prisão de alguns militantes da ACORDI (Associação Comunitária Rural de Imbituba) e de movimentos apoiadores - algo que já foi divulgado aqui neste espaço virtual.

Eu estive neste último final de semana em Imbituba, durante a realização da 7ª Feira da Mandioca de Imbituba/SC. Conheci seu Antero, dona Aurina e todos os demais agricultores empenhados em resistir no local onde produzem suas vidas. Comi bijajica, bolo e pão de mandioca, pinhão e quentão. É difícil entender como podem os interesses econômicos falar mais alto que as necessidades humanas.


Seu Antero, nas terras de Imbituba.


Para melhor relatar o clima que se está vivendo naqueles areais catarinetas, prefiro repoduzir um depoimento de testemunhas oculares da história:


Crônica de um Mandado de Despejo
Por Pepe Pereira dos Santos, Leandro Monteiro Dal Bó e o grupo de solidariedade às comunidades tradicionais de Imbituba

Tarde de uma quinta-feira, véspera de jogo do Brasil na copa da África. Em Imbituba, sul de Santa Catarina, sul do Brasil, o que está em campo no sítio do Sr. Antero Francisco Cardoso na Volta da Taboa, nos Areais da Ribanceira, entrada da cidade, é outra escalação. Peru,
cabras, bois, cavalos, galinhas, jegues, cachorros, universitários, sindicalistas, amigos, parentes, ativistas do MST, todos contra o dilúvio de uma ordem de despejo requerida pela [juíza Tal da vara Tal].

A ordem judicial é contra agricultores tradicionais de uma área de 240 hectares. Aqui existe a ACORDI, Associação Comunitária Rural de Imbituba. Essa verdadeira Arca de Noé, que é a pequena propriedade do Seu Antero, de 3 hectares, já sobreviveu a outra tentativa de despejo 4 anos atrás, quando a família teve a casa queimada por jagunços do que se dizia proprietário destas terras [Fulano de Tal]. Terras há décadas cultivadas por cerca de 50 famílias que têm como principal atividade, o plantio e o beneficiamento da mandioca.

Portanto, a resistência a esta nova tentativa de despejo faz com que a Dona Aurina Abreu, esposa de Seu Antero, esteja com os nervos bastante abalados. Temerosa dos desfechos dos acontecimentos, ela saúda e cumprimenta com certo alívio a chegada de cada um que vem para se somar ao pequeno grupo de solidariedade. Entre estes está Rui, ex-sindicalista, militante da brigada urbana Mitico do MST, morador da região. Preso arbitrariamente enquanto ajudava na organização da ACORDI, juntamente com a atual presidente da associação Marlene Borges e o advogado e agricultor Altair Lavratti, membro da direção estadual do MST.

Foram presos e algemados acusados de formação de quadrilha e de estarem organizando invasão das terras que já são ocupadas por esses moradores há décadas. Essa prisão, na época, foi contestada por todos, inclusive por setores da própria polícia de SC e Federal em notas oficiais, publicadas nos veículos de comunicação, com repercussão nacional e mobilizações de várias organizações em defesa do direito dos presos e da comunidade tradicional local. Depois a justiça veio a questionar as prisões. Hoje todos os presos abriram processos contra o Estado, pedindo reparação. Vale frisar que Marlene, a presidente da ACORDI, está grávida; gravidez de risco, sabidamente. Foi presa em sua residência às 5 da madrugada em uma operação de guerra montada pela polícia que cercou sua casa acompanhada por uma equipe da RBS.

Difícil reparar os traumas de um evento dessa natureza, magnitude e violência. Os presos ficaram incomunicáveis durante 12 horas em locais não sabidos pelos familiares e advogados, violando flagrantemente as leis criminais e a própria Constituição.

É, portanto, explicável a expectativa desse pequeno grupo que se reúne em solidariedade ao Seu Antero nessa véspera de dia de jogo da Seleção de futebol Brasileira na copa do mundo. Aqui o jogo dos adversários é duro. E pelos comentários, está prestes a acontecer.

O mandado de despejo já foi expedido. Os moradores temem que tais mandados sejam executados após a Sétima Feira da Mandioca realizada em Imbituba na sede da ACORDI nos dias 24 a 27 de junho de 2010, no fim de semana último. Evento que reuniu milhares de visitantes vindos da região de Imbituba, de outros municípios, de outros estados e até de outros países. Autoridades estaduais e federais. Não vieram as autoridades locais. Parece que estas estão no time dos adversários. A elite local pretende que no espaço onde vivem os agricultores, que dali tiram seu sustento, seja construída uma fábrica de cimento da Votorantim. Além de empreendimentos imobiliários de alto padrão.

As terras, que são originalmente da União, foram negociadas de formas suspeitas. Localizam-se entre o mar e a BR-101. O que atiça a cobiça e a pressão legal e ilegal para que os moradores e agricultores abandonem suas terras.

Final de tarde, quase noite. A expectativa continua no grupo de solidariedade. A noite vai ser longa na casa do Seu Antero. Muitos convidados ficarão para dormir.

O temor é que o despejo ocorra enquanto todos estão com a atenção voltada para a copa. Amanhã às 11 horas, horário local, a Seleção Brasileira entra em campo. Aqui nas Areias da Ribanceira, Seu Antero já está há muito tempo neste campo, neste jogo e para ele e a Dona Aurina, essa é mais uma jogada, mas a expectativa é grande. A diferença é que ela traz o medo da perda do seu espaço de vida.

Enquanto todos os olhares do mundo se voltam para a copa do mundo na África do Sul, em Imbituba, Santa Catarina, sul do Brasil, o mundo de dezenas de famílias pode acabar. Aqui o resultado do jogo é mais arriscado. É tudo ou nada. Como final de campeonato, para uma linda região, uma comunidade tradicional, expulsa do campo, fica fora de jogo como milhões de excluídos da terra. A terra sem estes guardiões tem o seu meio ambiente ameaçado. O cartão do juiz não é o vermelho. Parece mais o verde dos dólares que move os interesses nesta região portuária. A “arca de noé” de Seu Antero é todo um modo de vida que pode ser levado pelo dilúvio dos interesses do mercado.

O grupo está na expectativa de que o caso se resolva em favor da maioria comunitária não dos interesses da minoria especulativa. A Seleção Brasileira foi derrotada e volta para casa, mas o povo continua em luta e permanece em resistência.

Eu sou Pepe Pereira dos Santos juntamente com Leandro Monteiro Dal Bó e o grupo de solidariedade em mais uma partida decisiva para as comunidades tradicionais de agricultores do sul de Santa Catarina e do Brasil.




Ainda, convido a todos para acessarem o blogue Imbituba-Urgente que traz informações mais detalhadas sobre este "atentado contra a história do povo catarinense".

4 comentários:

  1. Olá
    Bom saber notícias do povo catarinense da Brigada Mitico!
    Apesar de que o clima não está nada bom.
    Esperamos que desta vez não ocorra nova arbitrariedade por parte do Estado brasileiro, que não se cansa de ser parcial.
    Vamos unir forças na comunicação desta ação, para que possamos contribuir com uma rede popular (a exemplo do que ocorreu da outra vez, com a carta de apoio ao MST de SC) a favor daqueles que usam a terra para trabalhar e produzir a vida.
    Que acham? Como podemos contribuir?

    ResponderExcluir
  2. Essa questão tem que ser acompanhada de muito perto... É bastante preocupante este relato, Pazello.

    Há alguma chance da comunidade continuar ocupando o lugar que, pelo que entendi, sempre lhes pertenceu?

    Não posso deixar de dizer que é um absurdo isso! Despejar famílias que vivem da agricultura, para dar lugar a uma empresa de cimento(!)? Depois nossos representantes ficam apregoando Brasil à fora justiça social e preocupação ambiental. Neste caso não consigo vislumbrar nem uma coisa, nem outra.

    ...

    ResponderExcluir
  3. oque está acontecendo com seu Atéro virá acontecer com mais de 50 falilias que morão ali pérto, na comunidade da divinéia ou portélinha como chamam os moradores, que acupão a area a mais ou menos 2 anos.Ouvi estes dias atras na rádio local de imbituba que após conseguirem tirar o seu Antéro e outras pessoas das térras do areial da ribanceira, eles irão tirar éstas 50 familias que ocupao parte do bairro divinéia.
    Na portélinha o que ocórre é que éstas pessoas que estao ocupando este lugar sao pessoas que trabalham maioria no porto de imbituba e que mórao atraz das casas de seus pais ou familiares e quérem ter sua própria térra, pois éstas pessoas tem esposa tem filhos e nao podem passar a vida toda morando em um ''puxadinho'' atrás da casa de seus pais, pq quérem construir uma empresa de cimento que vai poluir toda a cidade sendo e a cidade mesmo sendo a séde do wct(world champion tour)Brasil o esgoto da cidade escórre todo na praia, e a perguntá é: Onde irá parar o esgoto désta empresa?.

    ResponderExcluir
  4. ola!
    A solidariedade a esta luta continua!
    gostaria de saber noticias da situação ai na acordi.
    A luta continua!!! podem ter certeza!!somos todos companheiros e esta luta e nossa!!
    bjos a todos!! Diana e Iouguedez
    meu contato:diana.melo70@yahoo.com.br

    ResponderExcluir