segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Da forma, exegese e desnumeração


Inspirado pelo general Ribas, vasculhei minha gaveta e encontrei um desbocado poema empoeirado que vem a calhar em nossas conversas, preliminares da novidade que temos de gestar. Escrito entre 2006 e 2007, os versos se me apresentam como as gravuras de Poti Lazaroto, meio ingênuas meio provocadoras... Será que alguém se sente inter-ferido?
Da forma, exegese e desnumeração ou Preliminares

De terno, gravata, soneto e bravata
Há sempre alguma sílaba a sobrar
Soçobrando o poema de alma de lata
Calando a luzidia razão de bazar

Maldito fonema que a boca não mata
Pudico sistema – caduca ao fechar!
Mesuras de néscios, arrotam cascatas
Os leguleios da morte e do azar

De terno, gravata, e mais sonolências
Ambulam canastras do meta-poema
Mas eu – quem não sou? – de grandiloqüências

Estou farto: que escorram estratagemas
Que fujam as tônicas, a sapiência
E com elas as mil rimas exegéticas de quem só sabe interpretar os papéis:
Floema, xilema...
Ciência, condolência.
Ipanema, Borborema...
Ardência, imanência.
Ema, siriema...
Florência, transcendência.

Quem nunca viu a puta que o pariu?
Quem não pariu direito perdeu o espetáculo
Das rimas – trinadas, sobejas, pandectas...
Nada de arte nos freáticos seios da mãe-lei
Nada de sorte no colo da seita “demolei”
E que o grande arquiteto faça restar
Nas bases de seu edifício imaginário
Infra-estruturas vicejadas pelo cardápio romano da perfeição
Frases churchilianas dizem menos que o espasmo de dor daquele que não mora e não come e não dorme e não brinca e não se delicia com os versos de Eliot.
Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
Lancelot não se vê daqui
Só de além-mar
Por cá, apenas a longínqua língua abanheenga a nos embalar

E me perguntariam os poucos sonâmbulos
De certo, mui acordados e mais do que os zumbis
Do corre-corre do carrefur do corredor central da cidade:
- O que me diz, amigo?
Procliticamente,
Lhe digo que as luzes piscam e acendem nosso consumo
Lhe digo que os tímpanos preferem dó-fá-sol
Lhe digo, amigo, o enxofre exala de nossos fundilhos a cada vez que a mais ligeira das refeições nos nina os afazeres das tardes burocráticas
Ainda, que a minha ptialina tarda a encontrar a de Camões
E que a minha pele arrepia ao menor encontrão sem desculpas...
Lhe digo, em fim amigo, que as sentenças ditam e que os sentidos batem continência!
Plá!

Quisera eu ser Cortázar
“Mas não posso cantar como convém”
Quimera, som de Quásar
“Sem querer, sem querer ferir ninguém”
Sou apenas o que sou, a quizomba
As estrias do velho continente
O direito das antigas famílias
E a poesia do lugar nenhum...
Sou a utopia em sua mais germinal feição
Pois só será nascitura quando houver a permuta
Do eu pelo nós, da dor, pela noz
Da perua pela puta
E dos síndetos pelo infinito.

Ah, quem dera continuar e falar de minh’alma
Mas o espanto é breve e o desconforto, contínuo
Nas anchas e antigas memorialidades
Referiam-se a nós, entes a demandar iluminação,
Como emperuados
Chimarrões a serem tosquiados e expulsos do novo
Para nós, o diferente só como novação
Parvoalidades de contratos em espécie de pau-no-cuzismo
Mentalidades de quermesse do imutável
Véspera dos hierarcas, dos petrarcas e do onanismo.

Da biblioteca "Poesia crítica do direito"

7 comentários:

  1. Ai, ai, senhor Ricardo Prestes Pazello... O que dizer? Lembro muito bem do meu próprio desconforto nessa mesma época em que esses versos foram escritos. Eu ficava abismada com a capacidade de alguns colegas deslizarem suavemente pela letra da lei (maneirismos, salamaleques...), enquanto eu, pobre de mim, não conseguia balbuciar sequer uma alínea, um paragrafozinho que fosse. Mas como fazê-lo? Eu olhava aquelas palavras amarradas ( e elas me devolviam um assustador olhar) e sentia que iria acontecer o mesmo comigo e com minhas próprias insignificantes palavras- presas no eterno, imutável, inquestionável. Eu fugi dali, apavorada!Um breve momento de desnorteio... Mas me vi logo amparada nos braços de quem me poderia me humanizar o direito. Na verdade, eles já me acompanhavam há tempos e eu não sabia que eles também poderiam fazer parte do jogo...

    Quem sabe no que isso vai dar?Não faço a menor ideia. Só sei que também estava e estou farta.

    Xero!

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  2. Quando me recuperar do impacto de tantas pesadas letras, certeiros versos que me soterraram, deste desbocado poeta, esboçarei algum comentário...

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  3. Ah, eu tinha esquecido de comentar isso. Passei um tempinho do lado do Aurélio, meditando os versos. hehehe!

    :)

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  4. Pois é, srta. Nayara, o mundo do direito é uma cataquese em que temos de rezar a doutrina do mais-do-mesmo. Infelizmente, há muito pouco espaço para a superação do desconforto. E isso se reflete em nossa articulação pós-faculdade. Por que temos tanta dificuldade em articularmos - ou rearticularmos - um movimento nacional de assessoria jurídica popular? Deve ser um sinal desse desconforto insanado aos tempos da graduação. Depois, é tempo de esquecer e acabou.

    Luiz, estou aguardando comentários...

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  5. Nada de esquecer, Pazello. Da sua parte, pelo menos, eu duvido. hehehe!

    O Ribas tá fazendo um suspense com esse comentário dele...

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  6. Olá
    Quero dizer que me arrepio é com Thiago de Mello. Como ignorar o dó-fá-sol de um Teixeirinha?
    Como articular a AJP nacionalmente? Haja poemas:

    Hino de Durán - Chico Buarque

    Se tu falas muitas palavras sutis
    Se gostas de senhas sussurros ardís
    A lei tem ouvidos pra te delatar
    Nas pedras do teu próprio lar

    Se trazes no bolso a contravenção
    Muambas, baganas e nem um tostão
    A lei te vigia, bandido infeliz
    Com seus olhos de raios X

    Se vives nas sombras freqüentas porões
    Se tramas assaltos ou revoluções
    A lei te procura amanhã de manhã
    Com seu faro de dobermam

    E se definitivamente a sociedade
    só te tem desprezo e horror
    E mesmo nas galeras és nocivo,
    és um estorvo, és um tumor
    A lei fecha o livro, te pregam na cruz
    depois chamam os urubus

    Se pensas que burlas as normas penais
    Insuflas agitas e gritas demais
    A lei logo vai te abraçar infrator
    com seus braços de estivador

    Se pensas que pensas estás redondamente enganado
    E como já disse o Dr Eiras,
    vem chegando aí, junto com o delegado
    pra te levar...

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  7. Chico Buarque... Valeu a espera, Ribas!

    :D

    É meio contraditório...E a lei supostamente é nosso instrumento de trabalho. Vc me fez lembrar um mini-poema que me deixou péssima quando li. Do meu amado Hindemburgo Dobal Teixeira:

    A JUSTIÇA

    A máquina morosa,
    mas implacável,
    tomou as terras
    de João Vieira,
    pobre diabo,
    que só tinha por si
    o direito.

    Engraçado a força das palavras...

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