segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Aulaço popular em Vigário Geral

No dia 29 de agosto de 1993, 21 pessoas foram assassinadas por policiais na chacina de Vigário Geral. Neste bairro, 19 anos depois, estávamos reunidos para debater o Direito, na assembléia da Associação de Moradores e Amigos de Vigário Geral - AMAVIG. O presidente João Ricardo, o JR, convocou vários lutadores e lutadoras do povo que relataram inúmeras outras atrocidades protagonizadas pelo Estado brasileiro. O mesmo JR, que junto com Antonio Ernesto, produziu o documentário "Não quero falar de chacina" (2005) para lembrar que nem só de tragédias é feita a história do bairro.

O depoimento da viúva Ângela sensibilizou professores, estudantes e moradores que lá estavam presentes. Ela contextualizou que era a primeira vez que relatava em público, no seu bairro, este fato doloroso que prefere esquecer. Disse que se agarrava no sucesso da filha para continuar vivendo. Então, fez a ressalva: "Minha filha escolheu uma dessas profissões que não tem muito valor: ela é professora".

Em meio a maior greve dos professores das universidades federais que o Brasil já teve, os grevistas que estavam presentes ficaram estarrecidos com a verdade que incomoda tal qual pedra no sapato. Como professor, sei que nosso valor para a sociedade não é devidamente reconhecido, e que nossa profissão está sendo a cada dia precarizada, quando deveria ser o contrário. Por isto estamos na rua para dizer do nosso valor e mudar esta história.
Manifestação de apoio à greve reuniu professores, funcionários e estudantes, em João Pessoa, durante o 33º ENED.
Ângela continuou seu relato contando que quando foi fotografada na formatura da filha sentiu-se envergonhada, porque não seria bonita, nem fotogênica. Uma das feministas presentes disse em seguida: "você é linda, porque bonitas são as mulheres que lutam!". Ela ressaltou que estava diante de uma mulher que não mediu esforços para lutar contra o Estado e responsabilizar os autores da chacina.

Por fim, Ângela, que sabe que em seu país professores não têm o devido valor, e que o Estado não se compromete seriamente pela educação e pela justiça, arrematou: "Quando me disseram que eu poderia recorrer da última decisão do juíz que deixou impunes os autores da chacina, eu disse não".

Depois de anos de brigas judiciais, Ângela disse não.

Mas a reunião não terminou assim, uma das moradoras relatou que estava aposentada e que passava os seus dias na associação, o que despertava o ciúmes de seu marido. Disse que ele muitas vezes queria impedi-la de sair de casa. Mas com a sabedoria das mulheres que lutam, disse: "Hoje ele diz que eu não posso sair e eu me faço de surda. Coitado, ele ainda não percebeu que não manda mais em mim". Pra completar, falou sobre a política da associação: "Aqui pode entrar qualquer um, ninguém vai perguntar se é homem, se é mulher, a preferência sexual, não tem isso não. Prefiro estar aqui, pois sozinha em casa eu fico pensando bobagem".

Naquela tarde aprendi mais sobre o Direito e o Estado do que em muitos anos de faculdade. 

2 comentários:

  1. http://ondeoventofazacurvalagoinha.blogspot.com.br/2012/08/sobrevivente-de-vigario-geral-encontra.html

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  2. Sérgio

    Esta tragédia marcou a sua vida definitivamente. Espero que encontres neste caminho da comunicação um alento para sua dor.

    Saudações!

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