quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Sistema penal, concentração fundiária e ônibus que pegam fogo em Floripa-SC




Se eu contar que assisti um ônibus pegando fogo da sacada da minha casa, nos Ingleses em Floripa-SC, vocês acreditam?

Mas não chamo isso de "atentado, terrorismo, violência sistemática" ou "crime organizado", como vem pintando a grande mídia. Nem acredito que esteja relacionada com "migrações de criminosos" do Rio de Janeiro e de São Paulo para o Sul do Brasil (confiram a notícia e a opinião de um professor de sociologia da UFSC aqui ). Prefiro pensar que se trata de uma "reação suspeitada". Muito provavelmente ligada a uma manifestação por conta das terríveis situações dos presídios em todo Brasil e, obviamente, também em Santa Catarina e Floripa.

Se até o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, são capazes de expressar na grande mídia, sem cinismo ou ironia, que preferem ir para o inferno ou morrer do que serem perseguidos, neutralizados, capturados, processados, presos e por fim triturados no medieval sistema penal brasileiro, é sinal de que as coisas podem estar implicadas.

Lembrei dos ataques do Primeiro Comando da Capital em São Paulo, em maio de 2006. Estima-se que 23 policiais civis e militares foram mortos. Estima-se, também, que 403 jovens negros e mestiços, pobres e moradores de favela, na Grande São Paulo e na baixada santista, foram mortos. Para quem quiser pesquisar, a revista Caros Amigos realizou uma cobertura completa desse processo genocida, trazendo "notícias de uma guerra particular" que se repete cotidianamente no Brasil.

Entre assistir um ônibus queimando ontem, na varanda da minha casa em Floripa-SC, e lembrar das retaliações do PCC em SP, em 2006, consigo encaixar uma série de filmes, documentários, notícias de jornal e fatos históricos que relatam o trituramento físico-cultural-subjetivo do sistema penal formal e informal, instrumentalizado pelos interesses multinacionais das grandes corporações, da mídia e do mercado agrofinanceiro oligárquico-liberal aqui no Brasil.     

Posso relatar: 

a) o massacre do "Carandiru", seja em livro (Estação Carandiru), seja em filme;
b) "Ônibus 174", chacina da candelária; 
c) inúmeros relatam a chacina em Eldorado dos Carajás, o que motivou a ação estratégica do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) denominada "abril vermelho";
d) "Cidade de Deus" e os "Tropa de Elite", para uma contextualização antropológica e socioeconômica dos estigmas;
e) "Cabra marcado pra morrer" e "Esse homem vai morrer - um faroeste caboclo", sobre as ameaças e mortes que os trabalhadores rurais enfrentam quando resistem às opressões do sistema capitalista tupiniquim ou agrofinanceiro;
f) "Notícias de uma guerra particular" para uma microhistória do tráfico de drogas;
g) "Histórias do Poder", projeto do sesc em livros, documentários e entrevistas sobre as celebridades do cenário político institucional e para-institucional;
h) "Justiça", sobre dia-a-dia de dois juízes;
i) Os livros de José Arbex Jr. "O poder da tv" e "Narcotráfico: um jogo de poder nas américas", junto de uma vasta bibliografia de criminologia na América Latina, cujo expoente máximo acredito ser "Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal", do argentino Eugênio Raul Zaffaroni, ministro da Suprema Corte;
j) "O veneno está na mesa" e "The Corporation", sobre a célebre multinacional do agronegócio "Monsanto";

A lista é infinita...

No Brasil, a propriedade privada se tornou um totem. E a concentração fundiária, seu respectivo tabu. Enquanto a propriedade privada é ornada, a concentração fundiária torna-se ordinária, desloca-se para nosso subconsciente como um mito fundante e, tendente a uma naturalização, permite que se invente todo um modelo civilizatório a partir dela. O Brasil não é o único exemplo, com seu Maranhão, estado com maior concentração fundiária da nação e quintal ornamental da família Sarney: também o Paraguai e, a partir desses exemplos, arrisco uma hipótese geral - todos os países que sofreram colonialismo, desde a América, passando pela Ásia até chegarmos na África, possuem, eventualmente, algum resquício dessa concentração da propriedade da terra na mão de uns poucos. Ou algum produto desta mazela histórica, como é o caso do nosso sistema penal brasileiro e, talvez, latinoamericano em geral.

O sistema penal é um produto desse Totem e Tabu. Se parecer uma anomalia, um monstro, um anátema a mera existência de um sistema penal genocida como é o nosso, não se assuste, nem se engane: ele é reflexo de nosso modelo civilizatório tupiniquim, de capitalismo agrofinanceiro oligárquico-liberal, onde vale tudo, desde que o primeiro ponto de pauta da agenda política seja a discussão-manutenção dos interesses e privilégios de uma elite que a cada ano aumenta sua influência econômico-política, seus aparatos tecnológicos de perseguição, neutralização, repressão e estigmatização e, não obstante, desenha na grande mídia a literatura hipócrita que vai constar como registro histórico na consciência de inúmeras pessoas.

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