sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Teresina indignada exige passagem

O povo teresinense protesta na capital do Piauí, ocupando a avenida Frei Serafim e as ruas da cidade. Faz lembrar uma famosa música de Teresina que diz "quando eu chegar na Frei Serafim/ laços de fita, meu bem, acene para mim". Mas ao contrário da letra de Vavá Ribeiro que se chama "Calmaria", o que vige agora é o clima caloroso de movimentação. Advogados e estudantes, inclusive de direito, têm participado das manifestações e, em seguida, reproduzimos um texto que expressa essa "juridicidade de combate", escrito na segunda-feira, dia 9 de janeiro de 2012, por Álvaro Feitosa e Lucas Vieira. Importante testemunho histórico - pois vivo - da assessoria jurídica popular!



Teresina indignada exige passagem

A CAUSA

No fim do mês de dezembro, o Prefeito de Teresina Elmano Ferrer (PTB) assinou decreto elevando a tarifa de ônibus de R$ 1,90 para R$ 2,10. Esse tipo de aumento, comum nas prefeituras em todo o país, se efetivaria no primeiro dia útil do ano (2012), visivelmente como forma de desmobilizar as manifestações contra o aumento, marcada pela forte organização e presença estudantil nos protestos.

Ocorre que no final de agosto e começo de setembro de 2011, já havia ocorrido uma grande movimentação em Teresina: 05 dias de longos e intensos protestos no centro da cidade fizeram que o prefeito recuasse sua primeira tentativa de aumentar o valor da tarifa para R$ 2,10.

Não obstante o aumento da tarifa, o prefeito de Teresina anunciou que o sistema de transporte agora contaria com a Integração - pauta antiga de reivindicação da população. Ocorre que, na prática, a integração mostrou que não integra quase nada: uma falsa integração.

A integração, que na maioria das capitais é feita através de um terminal, em Teresina seria meramente temporal, se limitaria a diminuir pela metade o valor de uma 2ª passagem. Entretanto, essa 2ª passagem só poderia ser minorada caso o usuário fizesse a 2ª viagem 01 hora após ter embarcado no 1º ônibus. E mais: a integração 'começaria', segundo a própria STRANS (Superintendência de Transportes e Trânsito), apenas em 35% das linhas, e cada linha só poderia "integrar" com outras linhas pré-determinadas pela prefeitura. Somado a isso, a Prefeitura resolveu remover alguns pontos de ônibus, bastante importantes, de uma das principais avenidas da cidade (Av. Frei Serafim), aumentando ainda mais o tempo em que o usuário permaneceria no ônibus - e, reduzindo, as chances de o cidadão usufruir da dita "integração".

Se a intenção da Prefeitura era desmobilizar a população, a realidade mostrou-se de outra forma, a farsa da integração só fez fomentar a indignação popular e o movimento ressurgiu fortalecido. No momento de escrito desse texto, já ocorreram 05 dias de manifestações e um 6º ato está acontecendo. Se tudo continuar no mesmo ritmo, o movimento somente cessará quando a tarifa realmente diminuir.

O CONTEXTO DO TRANSPORTE PÚBLICO EM TERESINA

O Sistema de transporte público em Teresina é completamente ilegal e, principalmente, incostitucional, as primeiras concessões de linhas foram outorgadas há mais de 30 anos e seguem, desde então, sem licitação - em que pese a imposição constitucional de tal certame.  Tal sistema é exercido através de empresas concessionárias. Essas concessionárias estão 'organizadas' no SETUT (Sindicato das Empresas de Transporte de Teresina), que sempre apareceu para a população como o verdadeiro órgão 'público' responsável pelo transporte.

É de se reafirmar que NUNCA houve licitação para a concessão de transporte público em Teresina. Por meio da lei municipal nº 3.946, prorrogou-se por mais quinze anos os contratos de concessão vigentes. Ou seja, essa Lei Municipal de 2009, descaradamente, quis passar por cima da Constituição. (Existe uma ação civil pública tramitando, interposta pelo MPF, suscitando a inconstitucionalidade da lei).

Todos as administrações anteriores foram convenientes com a política do SETUT. Aliás, conveniente é eufemismo para falar do conluio entre o SETUT e a Prefeitura Municipal Teresina: o aparato institucional da Prefeitura sempre serviu para que a lucratividade do SETUT não só permanecesse como aumentasse, como ocorreu quando da implantação sistema de bilhetagem eletrônica que deveria ser supervisionado e coordenado pelo STRANS, porém o sistema, em todo o seu processo, é conduzido pelo SETUT.

Nem as gestões anteriores (todas do PSDB), muito menos partidos de oposição com chances de chegar ao governo, se pronunciaram em enfrentar ou, ao menos, regularizar, dentro dos marcos legais, a relação com o SETUT. 

Para completar o rol de ilegalidades, o cartão magnético que permitira a integração é ou foi confeccionado pela empresa CRED SHOP, administradora de cartões de crédito, pertencentes ao Grupo Claudino, cujo um dos donos é João Vicente Claudino, Senador da República pelo mesmo partido do atual prefeito da cidade. Acrescente-se que tal cartão também funciona como um cartão de crédito, induzido, forçosamente, o/a trabalhador/a, ao endividamento.

Assim, fica fácil perceber também de como a mídia local (em especial, a televisiva) também acaba sendo refém (ou cúmplice) dessa relação SETUT-PMT, veiculando, quase sempre, informações que seguem o interesse de tais grupos políticos e empresariais.

O MOVIMENTO

Sempre que há um aumento de passagem, movimentos populares, em especial entidades estudantis, convocam atos em Teresina. Alguns tiveram bastante força, outros com pouca repercussão. Assim foram os últimos atos (anteriores a 2012) em Teresina, com pouca visibilidade, embora organizados, pensados e planejados. Vez ou outra, também se viam estudantes sendo agredidos por policias. Porém, agora em 2012, assistimos à ascendência de um movimento nunca antes visto, nas ruas de Teresina, pelo tamanho da força, pelo poder de agregação e persuasão, pela beleza de ver as ruas pintadas de povo, recusando-se contentar migalhas oferecidas pelas elites, que expropriam, diariamente nossa dignidade.

Somada à criação recente do Fórum Estadual em Defesa do Transporte Público, que já vinha promovendo estudos, debates e atos públicos em defesa da mobilidade urbana, a articulação via redes sociais foi fundamental para esse processo. Assim que, em 26 de agosto de 2011, o prefeito anunciou que a passagem aumentaria para R$ 2,10, a revolta da população em saber que pagaria tão caro por um serviço tão precário foi canalizada pelas redes sociais, como twitter e facebook. Espontaneamente, articulou-se um movimento para o primeiro dia de implantação do novo valor da passagem. Para uma manifestação chamada às pressas, sem grande planejamento, o primeiro dia de manifestação já surpreendera, pelo número de gente e pela capacidade de mobilização e resistência. No mesmo dia já houve repressão forte da polícia, com suas já conhecidas armas ditas não-letais.

Contrariando algumas previsões, no outro dia o movimento continuou nas ruas com um número de pessoas bem maior, dia em que o Prefeito após se reunir com uma comissão de negociação, informou que o preço da tarifa continuaria o mesmo. Durante todos esses dias, a repressão policial fora truculenta, a criminalização por parte da mídia foi intensa, acrescida da ação ilegal do SETUT (em que tirava os ônibus de circulação, para que a população pensasse que a culpa é dos estudantes), e a conveniência da Prefeitura e do Governo (que, comanda a Polícia Militar, frise-se).

Na sexta-feira, 02 de setembro, o prefeito revogou o decreto que aumentou a tarifa, que permaneceria por 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias, enquanto durasse a auditoria da planilha apresentada pelo SETUT. Formou-se uma comissão para a referida auditoria, composta por várias entidades da sociedade civil. Ocorreu que, tal auditoria se deu nos marcos da metodologia adotada pelo próprio SETUT, metodologia que utiliza índices de referências datadas de 1993. Assim, ao fim da auditoria, não foi surpresa que a mesma ratificou o aumento proposto pelo SETUT. 

Assim, como já dito, no final do ano aumentou-se novamente a tarifa para R$ 2,10, reacendendo a chama da indignação. Nos 05 dias de manifestações, entre os dias 02 e 06 do presente mês, o que vimos foi uma repetição mais cruel da criminalização de um movimento legítimo, democrático e popular. As cenas que vimos de violência policial recrudesceram-se na última semana na tentativa o sufocar o movimento, antes que tomasse a mesma forma do #contraoaumento de agosto/setembro.

Cada vez mais, o cerco se fecha em torno dos manifestantes, em ação conjunta da Prefeitura, Governo e Mídia Local, que abafou todas as cenas de violências amplamente divulgadas pela Internet. O movimento, contudo, ganha mais força e adesão popular, justamente por entender a violência que é o transporte público de Teresina (Precisaria de um outro longo texto para descrever as inúmeras deficiências de tal sistema).

Neste momento, ao passo que lutamos, aguardamos pelos desdobramentos do movimento #contraoaumento, por um lado, receosos quanto à atuação da Polícia Militar e, por outro, esperançosos que o sentimento de indignação e união permanençam e nos conduzam a uma verdadeira vitória popular.  Somos inspirados e inspiramos, também, as movimentações para transformar a mesma realidade, em outras cidades, cujas prefeituras continuam tratando nossos direito à mobilidade como mercadoria.  Aqui, se respira luta, sabendo que essa luta não é pontual, ela está dentro de toda uma luta para transformação de nossa realidade opressora. Que consigamos respirar lutas por todos os cantos, e aspirar liberdade e justiça para todos os povos. A luta continua, apenas começamos...

Alvaro Dias Feitosa
Estudante de Direito da UFPI

Lucas Vieira
Advogado


Ver mais:

- Blogue do movimento #contraoaumento;
- Histórico resumido das manifestações no portal 180 graus - Veja o resumo das manifestações #contraoaumento da semana;
- Postagem no blogue do Rovai - Estudantes são massacrados nas ruas de Teresina.

3 comentários:

  1. E tudo isso antes da truculência que aconteceu poucos dias depois (10.01.2012), com imagens veiculadas inclusive na grande mídia televisiva. Manifestantes presos e encaminhados com incrível celeridade aos PRESÍDIOS!!!A soltura só ocorreria com o pagamento da absurda quantia de 10 salários mínimos para cada manifestante, mas de 6 mil reais. Contudo, através do esforço das advogadas e advogados do fórum organizado pelos manifestantes para discutir a questão do transporte( ex-membros de AJUPs, como Adonyara, Lucas, Glaucia, Ana, Laís- me perdoem se estou esquecendo alguém), conseguiram reduzir o valor da fiança. Depois de muito esforço, as advogadas e advogados, com o apoio da população, conseguiram levantar o dinheiro ( a maioria ainda emprestado) e realizar todos os trâmites legais para, então, libertar as manifestantes.

    Uma série de absurdos sem tamanho, nem consigo escrever mais e imagino que as meninas e meninos que estão à frente disto teriam muito mais o que falar.

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  2. Falou a realidade!
    Texto lindo, parabéns!

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  3. Ola
    Estou acompanhando o lindo trabalho d@s corajos@s assessor@s piauienses!
    Estamos a disposição para fazer a cobertura.
    Abracos

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