segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Quem tensionou foi o governo: resposta a Elio Gaspari

Em resposta ao texto “Pinheirinho, a estratégia da tensão”, de Elio Gaspari, publicado pela Folha de São Paulo, a 25 de janeiro de 2012, o advogado popular Bruno Meirinho escreve para o blogue da Assessoria Jurídica Popular, mostrando o outro lado jurídico-político dessa história.



Quem tensionou foi o governo

por Bruno Meirinho, advogado popular

Compartilho da questão colocada por Elio Gaspari, mas não da resposta sugerida pelo colunista. Desde o agravamento do problema no Pinheirinho, me pergunto: o que poderia ter sido feito para que essa violência não acontecesse? Uma resposta possível é concluir que esses absurdos sempre vão acontecer, afinal, é capitalismo, e nada poderia ter sido feito. Assim, partimos da premissa de que a forma como os fatos se desenvolveram é a única possível. Por outro lado, como advogados populares, penso no que podemos fazer em um litígio que dura 8 anos. Devemos negociar uma alternativa pacífica? A forma como negociamos interfere na repressão do Estado? Não é fácil ter a resposta, mas devemos tentar respondê-la. Eu estou longe de saber a resposta, porque presenciei poucas situações de fato, e nos casos que conheci não consegui achar uma solução realmente pacífica. A violência veio com essa mesma força e esse protagonismo do judiciário que vimos no Pinheirinho. Elio Gaspari diz que os moradores apostaram na tensão, eu discordo. Não conheço de perto, mas acho que as pessoas em geral, e as do Pinheirinho devem ser assim também, não são adeptas da guerra. Quem tensionou foi o governo. Acho que o governo Alckmin é culpado. E acho que a questão do Pinheirinho revela os limites de algumas alternativas. 

O terreno tem 1,3 milhão de metros quadrados, em área muito valorizada de São José dos Campos. Uma desapropriação da área custaria centenas de milhões de reais (ou bilhões). Sem referências precisas, eu posso chutar que a compra do terreno poderia custar até 400 mil reais por família. Imaginem que o mercado imobiliário cogita construir prédios no local. Uma construção assim eleva o preço do terreno a níveis absurdos. Como desapropriar uma área desta (como pagar a indenização)? Uma possibilidade é a demarcação de uma ZEIS - zonas especiais de interesse social, que grave a área para a regularização de interesse social e baixe o preço da terra, tornando viável a desapropriação, já que o governo federal costuma sugerir gastar apenas 200 reais por morador (só isso mesmo, 200 reais, como já vimos em outras regularizações). Incluindo a compra do terreno, talvez o governo aceitasse alcançar o valor de 20.000 reais por morador, como custo de regularização, no máximo. Penso que isso demonstra o limite da regularização. Quando fazemos usucapião, não entra no custo o preço da terra, mas no Pinheirinho já não seria possível a usucapião, diante da oposição expressa do proprietário. Agora, vamos calcular a diferença: baixar o preço do terreno de 400 mil (preço de mercado) para 20 mil (preço a ser pago na regularização)... 

Há muita oposição do proprietário, que é poderoso. Para ser demarcada a ZEIS, é preciso convencer a Câmara de Vereadores, a Prefeitura, etc. A Terra Nova também não consegue solucionar essa questão. Acredito que a ação da Terra Nova só é viável em áreas periféricas de baixo valor, quando ela faz acordo com o proprietário para a regularização. Também em situações jurídicas específicas, como nos casos em que a posse durou mais de 5 anos sem oposição e os moradores poderiam fazer usucapião, mas a Terra Nova entra para negociar o pagamento de uma terra que já poderia ser adquirida sem pagamento. Não é o caso do Pinheirinho, e o Elio Gaspari mostra desconhecimento da causa ao sugerir que essa seria uma solução. O acordo não é possível nos subúrbios finos apropriados pelos condomínios. Diante da falta de alternativas, os possíveis beneficiados do negócio milionário devem ter pre$$ionado as autoridades, o judiciário, a Prefeitura e o governo a acabar com o impasse, por meio de um despejo. Outra alternativa seria expropriar a massa falida sem indenização. Arrancar a propriedade do patrimônio da empresa, uma vez que aparentemente ela foi obtida pelo Naji Nahas de maneira fraudulenta (como se lê pela história da família que morava nas terras e foi misteriosamente assassinada nos anos 60). Nem é preciso tanto, com ou sem fraude, a massa falida não deveria ser o empecilho para a moradia de milhares de famílias. Regulariza-se a área sem indenização ao proprietário, e garante-se o direito à moradia. Será que é viável? 

Mais uma coisa: será que Elio Gaspari é tão ingênuo assim e fala sem conhecimento de causa? Vejamos, ele não dá nenhuma prova de que foi oferecido o referido acordo aos moradores (pagar 6 mil reais pelos terrenos). Como ele diz: "Em Pinheirinho, o lote poderia valer entre R$ 3 mil e R$ 6 mil". "Poderia" é hipótese, não é fato. Tudo é possível, mas quanto é que o mercado imobiliário paga pelo terreno? Quanto a especulação espera ganhar? Eu duvido que tenha sido feito o referido acordo. O movimento deve aceitar uma proposta aventureira oferecida por uma empresa que se oferece para intermediar um acordo claramente inviável? Se é que a Terra Nova realmente ofereceu algo. O Gaspari fala na proposta de pagar por 10 anos uma prestação de 100 reais. Até parece que isso existiu, as famílias teriam aceitado isso ontem! O Elio Gaspari está falando sério? No mundo onde ele vive o mercado imobiliário é assim? 24 mil reais por um terreno? Agora, a estratégia rasteira da Folha foi inventar um culpado. Dentre tantos culpados, veja só!, a solução é simples: a culpa é do PSTU. Piada.

O movimento que atua no Pinheirinho chama-se Movimento Urbano dos Sem-Teto/Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto - MUST/MTST e articula-se na organização nacional chamada Resistência Urbana, alguns militantes são do PSTU, como o Marrom, que é um militante muito dedicado no trabalho do movimento. Eu reconheço o esforço contínuo deles em negociar uma saída. Tenho informe de que foram realizadas reuniões com o comando da PM, com a juíza, com a própria massa falida. Conversei com Chrysantho Sholl Figueiredo, militante do PSOL de Curitiba, que estava em São Paulo na semana do dia 13/01, quando saiu aquela foto na Folha (do exército brancaleone do Pinheirinho). Durante aquela semana acontecia uma série de reuniões de núcleos do MTST, e ele estava participando dessas reuniões. Ele também presenciou a preocupação de todos com a iminência do conflito, e como desejavam evitar a violência. O trabalho do advogado do movimento foi muito dedicado nesses 8 anos, levou recursos a todos os tribunais. Está para ser descoberta a mediação que permitiria uma solução sem violência. Acho que existia, mas não está nessa resposta linear e teórica do Gaspari.

Para saber mais:

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