domingo, 22 de agosto de 2010

O ENEDEx e os Desafios da Extensão Universitária do Direito. p.2


Atenta às demandas do trabalho popular, a pedagoga Ligia Klein por ocasião do Curso de Formação (2009, Curitiba) nos trouxe a discussão sobre três tipos de extensão popular. Tentaremos aqui reproduzir um pouco desta sua explicação.


Conforme a pedagoga, o modelo Tradicional é o mais clássico, tenta-se prestar um serviço (assistencialismo intelectual), cujo principal objetivo dos seus assessores é reconfortar sua consciência social. Capta superficialmente a questão da desigualdade, mas não a integra na sua atuação porque acha que sua condição de classe dominada decorre da ignorância, miséria ou preguiça do povo. Assim sua atuação é para superar uma dessas “atitudes” do povo.

Por sua vez, no modelo de extensionismo Judaico-cristão, de certa forma o assessor usa-a como forma de expiar sua culpa por ser privilegiado. A aproximação do assessor é sempre como crítico: quer obter conhecimentos da comunidade e não irá estender conhecimentos. Como KLEIN explica, neste tipo de extensão se critica aquilo que é manifestação do sistema e não do sistema em si. De fato, opera na exaltação da pobreza, não sendo uma perspectiva extensionista que combaterá a pobreza. Pelo contrário explica a pobreza pela maldade do capitalismo (que chama de moderno). Metodologicamente faz a luta dentro do quadro abstrato das promessas constitucionais do art. 5º cidadania, liberdade religiosa, liberdade de manifestação, etc., sendo que no âmbito dos direitos sociais, até tem um carinho por eles, mas não o insere na luta concreta com o povo, toma esses direitos como fonte de lutas tópicas. Devido a essas dificuldades esse tipo de extensionismo acaba sendo reacionário, pois sedimenta uma luta no interior do sistema.

Em terceiro lugar, o modelo político-revolucionário se funda na cooperação objetiva para a organização contra o sistema, portanto esse extensionista não acha que tem um saber superior, pelo contrário faz a critica do caráter abstrato do seu conhecimento, que poderá ter ou não correspondência com as condições concretas. Assim, tem também um saber necessário e o trabalhador tem um saber que ele não tem, portanto deve complementar esses saberes através de um processo de cooperação intensivo numa cooperação conjunta de um processo contra o sistema. Não se prende à realização e encontro de soluções tópicos para problemas tópicos, parte da compreensão que há divisão de classes que decorre de um fato concreto que é a propriedade privada e esta deve ser abolida. Reconhece que desconhece as condições concretas do povo e se propõe a aprender os limites do povo, as condições concretas da população. Orienta essa extensão para as lutas populares. Em suma, esse extensionista assume a condição de povo em luta, há uma identificação subjetiva, se identifica pela unidade da luta, recebendo e promovendo teoria e prática. A condição para esse extensionismo é trabalhar em duas frentes: na universidade e na comunidade.

O diálogo com Ligia Klein foi pessoalmente revelador. Como se observa a classificação apresentada pela pedagoga se diferencia da clássica distinção entre assistencialismo e assessoria, pois seu foco não é somente na forma, mas também no conteúdo. Buscou expandir o horizonte da discussão a pontos nevrálgicos que estão implícitos nas discussões de assistência e assessoria, mas que tem grande dificuldade de ser explicitadas. Em síntese, teve a sensibilidade política de captar a profunda essência conflituosa da discussão que hoje os projetos de assessoria vivem – e também, creio eu, a RENAJU.

Se a perspectiva assistencialista é de um conservadorismo na extensão popular, por outro lado, a assessoria não sabe que rumos futuros tomar. Quem sabe tentar expandir o trabalho de extensão (assessoria) político-revolucionário às nossas práticas, às nossas universidades, comunidades, estados etc? É necessário alçar bandeira a novas perspectivas, arejar velhas discussões e, mais importante, fazê-lo engajado com o povo. Já é hora de engajar nossos projetos de extensão em um projeto popular.

Temos como tarefa que engajar os nossos núcleos numa Assessoria realmente revolucionária. Isso se ao menos desejamos realmente por em prática uma das propostas aprovadas no ENED:

- Lutar pela popularização do Direito;

4 comentários:

  1. Olá Vitor

    Como já havíamos conversado, gostei muito da proposta da professora Ligia, mas tenho algumas questões para discussão.
    Primeiro é em relação a esta divisão assistencialismo, "judaico-cristão" e revolucionário.
    Ora, unir judaísmo com cristianismo, querendo referir-se ao catolicismo, é sempre um problema. Afinal de contas, alguns setores do judaismo tem sérias críticas as catolicismo e o próprio culto a Jesus Cristo.
    Ainda me parece ruim atrelar toda a experiência de educação popular ligadas a religiosidade como algo assistencialista e como estratégia de expiação de culpa.
    E o Movimento de Educação Popular de Paulo Freire? E o Movimento Educação de Base, das CEBs?
    Achei a classificação dela reducionista. Pois, para mim, a experiência de Paulo Freire é revolucionária.
    Conforme conversamos no último curso do SAJUP-PR proponho uma comparação entre a divisão assessoria-assistência da educação popular com a dos serviços jurídicos inovadores. Algo necessário e urgente no campo da assessoria estudantil. Pretendo escrever uma postagem sobre isto logo.
    Por último, democratizar o direito, para mim, é extingui-lo, enquanto estrutura de poder própria do modo de produção capitalista. Mas claro, concebemos um novo direito, o direito insurgente, que já surge dentro do velho, mas que lança sementes para o por-vir, o devir.
    Abraço companheiro, continuamos o debate, mesmo que virtual.

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  2. Companheiro Luiz,

    Entendo as tuas críticas, mas acredito exatamente o contrário. Atualmente tenho observado uma grande crise em relação a paulo freire, pq por mais que o conteudo critico está ali subjacente, ele não esta explicito. O que faz com que muitos tirem concepções erradas de Paulo Freire.

    Na minha opinião é porque Paulo Freire é um pedagogo, ele tem uma preocupação com o método que deve ser aplicado para educar os trabalhadores, pressupondo uma discussão à fundo. Aqui há o erro comum, se tomamos o método pelo conteúdo, esvaziamos o conteúdo, pq por mais que os dois vão de mãos dadas eles não se confundem.

    Se Paulo Freire tem uma preocupação com método temos que buscar o conteúdo da coisa. O conteúdo não é unânime, e isso é claramente demonstrado pelos grupos da Renaju que tem por fundamento Paulo Freire. Pelo contrário, uma leitura apressada - mas não deixa de ser uma leitura - de Paulo Freire leva à conclusões opostas sobre o porquê do atuar.

    Vou dar um exemplo, na comunidade em que o PET-Extensão pela primeira vez começou a atuar foi numa comunidade chamada Itaqui. Itaqui era uma comunidade que estava ocupando uma reserva ambiental, logicamente tinha carências de tudo. Por isso, Itaqui tinha um grupo de educação freireana, na qual os moradores participavam. Simultaneamente uma empresa chamada Saara estava retirando areia do local e ia cavando a areia. Na medida em que ia cavando começou a atingir as casas e elas corriam o risco de desabar, daí a empresa ia e dava mil reais para a familia toda ir embora de lá.

    Pois bem, apesar do grupo freireano estar lá presente nada foi feito. Pelo contrário, vários moradores insatisfeitos iam perdendo suas casas enquanto que o grupo dizia que não podia atuar e fazer nada, porque não era consenso de TODOS os moradores locais que lá estavam.

    Teve que ser o mov. estudantil que chegou lá reuniu as/os moradores dispostos a se organizar que era uns três para parar as máquinas. Fizemos um ato que foi um sucesso e na seguinte reunião geral da associação de moradores a participação foi imensa e muitos moradores se engajara e hoje são militantes aguerridos aqui na Grande Curitiba.

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  4. (continuação...)

    O que eu quero dizer é... os educadores freireanos tinham a melhor das intenções, não eram contratados pela empresa nem nada disso, mas por falta de visão sobre o real conteúdo de sua ação na comunidade eles não conseguiram agir em favor dela. Se o mov. estudantil não tivesse chegado lá teria sido um desastre e provavelmente muitos outros moradores teriam perdido sua casa e a empresa continuaria lá extraindo areia.

    Por isso é fundamental expor sobre o conteúdo e não só sobre o método. Me parece que a Ligia Klein faz essa explicação de modo muito didático e de forma genial. Isso porque ela mostra que no fundo há duas formas de estar com os oprimidos uma forma é a que vê as coisas apenas de forma interna, sem ver a essência dos problemas. É uma atuação que quer estar ao lado dos pobres, mas não consegue atuar contra o sistema. Ela chama de Judaico-cristão, eu entendo que chama dessa forma porque se trata de uma visão apenas religiosa da coisa. É como se as pessoas que querem estar ao lado dos pobre fazem-no para a expiação dos seus pecados como pessoas que não são oprimidas. Daí a relação entre judaico-cristão e o conteúdos, é que a imagen judaico-cristão se liga de forma muito didática com a imagem da expiação do pecado.

    O terceiro modelo é o que o mov. estudantil começou a fazer lá no local, que num projeto de extensão deve ser uma coisa continuada. Assim deve-se aliar a educação popular com as lutas populares, e essas lutas devem enfrentar o real inimigo que é a propriedade privada dos meios de produção. Essa é a fonte da alienação na nossa sociedade, essa é a fonte da injustiça. Claro, o fato de constatar isto não quer dizer que a educação popular vai ficar repetindo isto de um modo panfletário, mas é necessário um método de diálogo que permita fazer um trabalho progressivo em conjunto com o povo. Aqui está a real aliança entre método e conteúdo revolucionário. É aqui que é possível aliar o método freierano com o conteúdo político revolucionário.

    Ou seja, esta explicação não quer dizer que Paulo Freire não seja possível de ser apropriado, nem que os grupos freireanos sejam todos do modelo judaico-cristão. Pelo contrário, é tentar uma nova aproximação que permita a superação dos possíveis vícios de um tipo de leitura de freire. No fundo se trata de fazer uma re-leitura de freire tentanto aliar essa leitura com o conteúdo a ser feito.

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