domingo, 31 de julho de 2011

Para um histórico da advocacia popular no Brasil

Como parte do relato da atividade realizada pelo Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola, no Rio de Janeiro, nos dias 27 e 28 de junho, na sede da Fundação Ford, apresento um pequeníssimo esboço de "histórico da advocacia popular no Brasil".

Por Luiz Otávio Ribas

Mariana Trotta apresenta os objetivos do encontro.
A advocacia pode ser dividida, abstratamente, em pública, privada e popular. A advocacia pública está situada em nossa Constituição Federal como os advogados do Estado brasileiro, como os procuradores dos estados, das fundações, como a FUNAI, e das autarquias, como o INCRA. Os membros do Ministério Público e da Defensoria Pública são vistos como auxiliares da justiça, mas também exercem funções típicas da advocacia, embora os promotores estejam proibidos de exercê-la, por lei, esta se refere somente à advocacia privada. Os defensores públicos são funcionários públicos pagos pelo Estado para advogarem para pessoas sem condições financeiras de arcar com os custos do processo judicial. A advocacia privada reúne todos os inscritos na OAB que se dedicam à advocacia tradicional ou à inovadora.  Os advogados e advogadas populares atuam com movimentos sociais no apoio a causas políticas judicializadas, mas também com projetos de formação, educação popular e comunicação. A assessoria jurídica popular inclui a advocacia popular, a assessoria universitária e a assessoria militante.
No Brasil, advogados e advogadas populares atuaram e atuam, na “redemocratização”, no apoio às práticas jurídicas insurgentes, por meio de serviços jurídicos alternativos.
Destacam-se os grupos de advocacia popular no Brasil, entre outros:
Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), de Recife, Pernambuco, fundada em 1981;
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais do Estado da Bahia (AATR), de Salvador, Bahia, fundada em 1982;
Instituto Apoio Jurídico Popular (AJUP), do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, que trabalhou de 1986 a 2002;
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP), atua em todo o território nacional, fundada em 1995;
Acesso – cidadania e direitos humanos, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, fundada em 1996;
Terra de Direitos, com trabalhadores em Curitiba-Paraná, Recife-Pernambuco, Santarém-Pará, e Brasília-Distrito Federal, fundada em 2002;
Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola, do Rio de Janeiro-Rio de Janeiro, fundada em 2007.
A experiência na resistência à ditadura encaminhou diferentes concepções de advocacia:
- advocacia pública nas procuradorias dos Estados, autarquias e fundações – como os exemplos de Miguel Baldez, que foi Procurador do Estado do Rio de Janeiro; Jacques Alfonsin, Procurador do Estado do Rio Grande do Sul; Carlos Frederico Marés, que foi procurador do INCRA e da FUNAI;
- advocacia tradicional com movimentos sociais – ligada principalmente aos movimentos sindicais, na defesa coletiva de categorias profissionais, como Tarso Genro. Mas também advogados de grandes escritórios que atuam na defesa de militantes, como Nilo Batista;
- advocacia inovadora com movimentos sociais e sindicatos – estão reunidas várias propostas como advocacy, advocacia por uma causa, litigância internacional, entre outras – como a Conectas e a Justiça Global;
- advocacia popular – com movimentos sociais, seja na militância direta ou com autonomia em relação aos movimentos assessorados, com participação na formação e com atividades de educação popular – como a Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares;
- advocacia de juristas leigos – militantes de movimentos que atuam na defesa processual ou com atividades de formação e educação popular. Estão como exemplos inúmeros militantes de movimentos de luta pela terra, por moradia, do movimento indígena, movimento quilombola, movimentos de mulheres, entre outros – como os projetos de educação jurídica popular da AATR e da Themis;
- advocacia de estudantes – os projetos de assessoria universitária, os escritórios modelos, entre outros – como a Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária, o programa Pólos de Cidadania, da UFMG, e o Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos, da UnB.
Duas questões podem ser usadas para problematizar esta classificação. Quais destes grupos estão identificados com a assessoria jurídica popular? Também, quais destes grupos de assessores estão preocupados com a insurgência?

5 comentários:

  1. Ótimo sumário, Luiz!

    Dá muito pano pra manga essa proposição classificatória. Já se encontra bastante complexa e está caindo de madura uma articulação nacional de pesquisa-ação que nos permita compreender este quadro.

    Ainda que eu continue tendo dúvidas quanto às sobreposições entre as assessorias jurídicas e as advocacias, creio que você caminha a passos largos para apresentar um retrato de nosso tempo, ainda lacunoso, acerca do trabalho jurídico com demandas populares.

    Como muitas podem ser as perspectivas ou enfoques para esta pesquisa-ação, concordo com sua sugestão: a insurgência é o ponto central deste debate, noção/prática sem a qual todo o resto desmorona, seja sobre a fragilidade do assessorismo, seja sobre o monturo de dólares.

    Abraços parabenizantes!

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  2. Então Luiz;
    sigo uma abordagem diferenciada da questão que envolve a advocacia popular fruto de meus estudos em interface com as pesquisas mundiais sobre a temática e que desenvolvi em minha dissertação na pucrj entitulada: advocacia popular, utopia e ação política (2011). Nela procuro pensar a advocacia popular a partir da diferença entre advocacia de causas e advocacia de casos, sendo a advocacia popular como a advocacia de causas de movimentos sociais. Ou seja temos um quadro de:

    De um lado, advogados convencionais (agentes do mainstream profissional) que trabalham reforçando a crença do direito e dos profissionais jurídicos como atores apolíticos a solucionar os conflitos sociais, e se mantendo intocados pelos efeitos dos mesmos ou de suas ações nos mesmos. Uma postura ao mesmo tempo partidária dentro dos ritos autorizados (via processual judicial), defendendo sua clientela de forma partidária e vigorosa; e mantendo certa neutralidade com os objetivos, atividades e identidades da clientela. Ritos autorizados e autorizáveis que são reforçados e institucionalizados por um conjunto de práticas e procedimentos vinculados aos sistemas de regras, tribunais, juízes e com o que é permitido oficialmente pelos setores jurídicos profissionais dominantes. Em síntese, estes profissionais se mostram com uma atuação comprometida com uma responsabilidade profissional primeira – a prestação de serviço de alta qualidade para os indivíduos e organizações, sem se comprometerem substancialmente com os fins de sua clientela – postura esta da grande maioria dos advogados - e que assim sendo, se diferenciam da advocacia de causa colocando-se eticamente em desacordo com esta. Assim poder-se-ia representar a advocacia convencional como uma defesa jurídica disposta a lutar pelo cliente, que não mede esforços para avançar os seus interesses. Uma advocacia enquanto uma atividade técnica e não enquanto uma questão moral e política, em que tanto as crenças dos profissionais, quanto as crenças da clientela são irrelevantes para o trabalho em si (para o profissionalismo). Aqui entram: os advogados liberais registrados na OAB; os advogados públicos que trabalham de forma convencional e nas horas vagas atuam em grandes firmas de advocacia.

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  3. De outro, há uma advocacia de causa que não se define por relações de neutralidade, mas sim por escolher lados, centrando-se assim nos desafios mais amplos do litígio, em detrimento da opção “estreitamente” justificável do conflito ligada à interesses da clientela a ser representada. Isso se dá já que estes profissionais não vêem os casos como fins em si mesmos, mas como forma de progredir nas causas e projetos com os quais estes estão comprometidos. Por isso na esteira pelo avanço de seus objetivos, eles selecionam clientes, casos e carreiras que refletem o posicionamento que melhor condiz com sua postura profissional, com seu ethos de atuação legal diferenciado, e correm os riscos inerentes às suas escolhas, ao que na sua visão significa que “vale a penar lutar”. Aqui entram os advogados de ONGs (terra de direitos, justiça global, etc), de direitos humanos, de causas ambientais, etc...

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  4. No limite, na fronteira entre as colisões e atritos das duas modalidades (isto é, na modulação de ativismos que se iniciam marcados por uma ética que abarca a atuação e que terminam em meio aos conflitos por forçá-la a sua politização) visualiza-se uma forma mais específica de ativismo profissional desta carreira, a advocacia popular ou advocacia de causas de movimentos sociais, procurando de fato, politizar as causas de forma explicita e demarcada. Tal atitude de transcender o jurídico em direção ao político (levando a luta para outro nível) se dá porque esses advogados não apenas escolhem lados e afastam o ideal de neutralidade, mas sim, porque de fato colocam o “politizar a prática legal” como eixo central de seu ativismo. Não se trata mais aqui de escolher um lado compatível com seu referencial ético/político e assim manter-se nos limites do profissionalismo; se trata antes de tudo, de assumir um papel político, um projeto transformativo e conduzir sua trajetória e militância a partir dele. Isto é, um desafio à sociedade e à profissão a partir da fusão entre vida política e prática jurídica e do compromisso com agendas políticas de mudança.
    Não concordo com sua noção de advocacia tradicional junto aos movimentos sociais (podemos discutir esse ponto no futuro). Não concordo com o que vc chama de advocacia pública, pois tal termo também é bastante polêmico em vários aspectos. É difícil no Brasil estabelecer o que, para alguns autores, se chama por “direito de interesse público”, quanto mais o que seria o interesse público, este visto muito mais como um campo de disputas pelo monopólio de seu significado (vide OAB e sua dupla vocação (corporativa X institucional) e carreiras de estado). Temos em alguns casos, (por mais contraditório que seja) alguns defensores públicos e promotores e procuradores (MPF, MPT, MPM) que apesar de estarem imbuídos das prerrogativas de fiscais e defensores da sociedade, na prática atuam de forma convencional. Aqui no RJ há inúmeros casos de ações do poder público na contramão dos direitos humanos, e direitos fundamentais da CF, capitaneadas por estes atores jurídicos no espaço público. Já o que vc chama de advocacia popular, advocacia de juristas leigos, assessoria jurídica popular, educação jurídica popular reconheço como advocacia popular ou advocacia de causas de movimentos sociais. Lembrando que o que vc chama de advocacia inovadora com movimentos sociais e sindicatos ou mesmo, em alguns casos, de alguns advogados ligados a RENAP, reconheço como advocacia de causa. Claro que podemos problematizar ainda mais e entrar em complexidades em torno da assessoria jurídica popular e dividi-las em AJUP. AJUP universitária (onde entra o q vc chama de advocacia de estudantes), educação jurídica popular, educação popular, etc...
    Por fim concordo com a insurgência como um dos pontos nodais de ação para entender este tipo de ativismo jurídico-político no espaço público. Quando falamos de uma advocacia que transcende o jurídico em direção ao político e que por isso traça um caminho sem volta já que ressignifica a profissão e a forja com novos significados a partir do diálogo contínuo com os movimentos sociais, ou seja, a advocacia popular, se não houver insurgência, não será NUNCA advocacia popular. Mas há outros pontos também centrais que podemos dialogar.... Mas fica para uma próxima vez, pois este comentário ficou enorme! : )

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  5. Andre
    Podemos reunir os teus tres comentarios como uma postagem?
    Muito obrigado pelas tuas criticas e o necessario dialogo!
    Abraco
    Luiz Otavio

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