Por
Erica Cristina Bispo
No documentário “A última abolição” (2018), dirigido por
Alice Gomes, um dos entrevistados explica que nosso código penal mais se
preocupa em proteger a propriedade privada do que as pessoas. Ele exemplifica
comparando as penas de roubo com abandono de incapaz. Diante disso,
perguntamo-nos: quem ou o que é protegido? Ou ainda, os instrumentos do Direito
servem a quem?
Apesar de uma série de leis garantirem e promoverem direitos
fundamentais, fato é que a sociedade se estabelece com hierarquias bem marcadas
e que são espelhadas nas normas que vigem no país. Isso não é característica
exclusiva do Brasil, tampouco da contemporaneidade.
Michel Foucault, em A ordem do discurso (2008), declara que
“em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada,
selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que
têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento
aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade” (FOUCAULT, 2008, p.
8-9). Walter Benjamin, por sua vez, postula que “a empatia com o vencedor
beneficia sempre, portanto, esses dominados” (BENJAMIN, 1994, p. 225).
Abordando temáticas diferentes, filósofos e sociólogos
diversos repetem basicamente a mesma ideia: forças estabelecidas previamente colaboram
para que permaneça uma hierarquia que impede um determinado grupo de ter voz/
discurso, direitos, poder ou espaço. Mesmo as mudanças paradigmáticas de poder
estão fadadas ao mesmo processo de reprodução, uma vez que os novos vencedores,
como diz Benjamin, são herdeiros dos anteriores.
Nessa lógica, observa-se que o Direito, em certo grau, se
configura como uma das engrenagens de manutenção dos poderes estabelecidos e das
opressões que os sustentam. Além do próprio direito positivo que, por vezes, garante
maior proteção aos bens e à propriedade do que às pessoas, o meio de acesso aos
direitos também se revela excludente, ao declarar que ninguém se escusa da lei,
alegando desconhecimento (cf. LINDB, art. 3º). O processo de exclusão se
completa com a pouca divulgação de direitos e a “criminalização”[1] dos sindicatos – espaço onde o
trabalhador encontra acolhimento entre os pares.
Sendo assim, o direito serve, infelizmente, para a
perpetuação do poder de uns e opressão de outros. Sempre os mesmos sujeitos e
objetos ocupando os mesmos lugares.
REFERÊNCIAS:
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios
sobre a literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 7.
ed. São Paulo: Ed. brasiliense, 1994.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura
Sampaio. 16 ed. São Paulo: Loyola, 2008.
[1]
Os sindicatos não são ilegais, contudo, o discurso midiático e do senso comum
colaboram para a rejeição desses espaços enquanto instituições legítimas.
Este foi o terceiro texto publicado de nosso curso de assessoria jurídica popular na UERJ
Este foi o terceiro texto publicado de nosso curso de assessoria jurídica popular na UERJ
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