domingo, 9 de março de 2014

O manifestante, o “crime” e a “pena”: uma punição pelo direito de manifestar-se

Cláudio Silva (CE)*



Recebi uma ligação de um jovem, 22, que fora preso durante as manifestações ocorridas no período da Copa das Confederações. No dia seguinte seria ouvido em algum Juizado Especial Criminal. Confuso, sem orientação jurídica, não sabia a origem da “intimação”, apenas que sua mãe recebera uma ligação pela manhã, comunicando que seu filho deveria comparecer “na justiça”, no dia seguinte.

Acusação: incitação ao crime (3 a 6 meses de detenção). Fato: o rapaz, sem qualquer antecedente criminal ou qualquer conduta que signifique qualquer coisa próxima de um delito, estava sentado, na manifestação, quando foi preso, juntamente com dezenas de outras manifestantes.

Manifestar-se não é crime. Crime é impedir que alguém se manifeste.

No dia seguinte, o jovem compareceu – sem acompanhamento de advogado, por circunstâncias que inviabilizaram que sua família constituísse um assessor – ao Juizado Especial Criminal onde ouviu do representante do Ministério Público o oferecimento da transação criminal ("acordo"). A proposta, em síntese simplificada: o jovem manifestante paga um valor de 1 salário mínio e meio (algo mais de R$ 1.000,00) e não sofrerá o constrangimento, gastos (de dinheiro e tempo) e o “peso” de um procedimento em juizado criminal.

O jovem me diz ao telefone, confuso e constrangido, que sua mãe pagará o valor para encerrar a questão.

Caso encerrado!

Pergunta-se: quais as consequências dessa situação para uma suposta diminuição das condutas criminosas e efetivação da justiça? Qual o efeito desse procedimento para o avanço do Direito e aprimoramento da Democracia? Nenhum, quase nenhum ou mesmo um grande retrocesso.

Pergunta-se, agora, dissimuladamente: e quais as consequências dessa situação para o jovem manifestante, para sua família e para qualquer grupo em que ele porventura esteja organizado? Como se sente um jovem estudante, 22 anos, que talvez participasse de suas primeiras manifestações?

Esse caso é específico, mas não é pontual ou isolado. Antes disso, ilustra uma grave situação no Brasil.

Precisamos discutir com a sociedade – da forma mais ampla possível – a necessidade de recolocar as manifestações, protestos, reivindicações etc. como uma ação democrática, popular, legítima e legal. Qualquer pessoa pode e deve se manifestar contra algo injusto. Quando isso ocorrer de forma organizada, mais ainda deve ser defendido.

As acusações, corriqueiras, infelizmente, dos últimos meses, de “incitação ao crime”, a quem está se manifestando, devem ser completamente repudiadas, sob pena de criarmos um “clima” que inviabilize qualquer manifestação.

Manifestar-se é ato mais completo e objetivo de exercício de democracia!

Nessa luta – pelo direito a exercer o direito de manifestar-se – precisamos aglutinar o maior número de pessoas, setores sociais e interesses populares (vou falar apenas do Sistema de Justiça e da Comunicação):

- O Ministério Público não deve ser instrumento de criminalização casuística, infundada e ilegítima. Deve realizar sua função: Promotor de Justiça;
- O Judiciário não deve sofrer pressão dos meios de comunicação empresariais, voltados para o lucro da publicidade e interesses comerciais, e não a efetivação dos Direitos Humanos e da solução dos problemas do povo brasileiro;
- Devemos fortalecer a Defensoria Pública como instrumento de acesso à justiça “justa”, pelos mais pobres;
- A grande parcela dos servidores da polícia civil e militar são jovens trabalhadores mal remunerados, que realizam um ofício difícil e degradante. As greves e protestos realizados pelas polícias (militar, civil e federal) têm demonstrado várias de suas pautas trabalhistas, sindicais e legítimos interesses;
- Necessitamos de meios de comunicação populares, ao contrário das poucas empresas que controlam o sistema de comunicação social do Brasil.

Enfim, precisamos construir uma ampla aliança em torno das pautas populares no Brasil. Sem essa aliança, por mais fundamentadas que sejam nossas teses jurídicas e argumentos políticos, não conseguiremos vencer. E, nossa vitória, é a efetivação dos direitos do povo brasileiro.


*Cláudio Silva, advogado popular, defensor de Direitos Humanos e militante da Consulta Popular

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