sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A “classe-que-vive-do-trabalho”: e o que a AJP tem a ver com isso?

Frequentemente é utilizado neste blogue o termo “classe-que-vive-do-trabalho”, em geral para designar uma determinada parcela da sociedade, com a qual a AJP se identifica politicamente e busca atuar no sentido de sua libertação. Mas o que é, quem vem a ser especificamente essa classe? Como ela se conforma no Brasil de hoje? E até que ponto essa categoria efetivamente é importante na práxis dos assessores jurídicos populares, universitários ou não?

O espaço é curto, então tentemos apenas apontar alguns elementos introdutórios a cada uma dessas questões, uma de cada vez.

Primeiro. O termo “classe-que-vive-do-trabalho” foi formulado pelo sociólogo brasileiro Ricardo Antunes no livro “Adeus ao trabalho?”, e se contrapõe diretamente ao termo, cunhado pelo filósofo austro-francês André Gorz, da “não-classe do não-trabalho” em seu famoso livro “Adeus ao proletariado”. Esta obra, publicada em 1980, representou um marco de ruptura de Gorz com o marxismo (ainda que na sua vertente existencialista à la Sartre) e de aproximação do pensamento pós-moderno, movimento que foi igualmente realizado por uma série de intelectuais até então envolvidos nas lutas do movimento operário europeu e dos movimentos de libertação nacional nos países neocoloniais (como Antonio Negri, Alain Touraine, dentre outros).

A tese de Gorz era de que transitava-se para uma sociedade pós-industrial na qual o trabalho teria perdido a centralidade que dispunha até então, o que significaria, por consequencia, que também o movimento operário teria perdido grande parte de seu potencial contestador e revolucionário. Na verdade, uma tese eurocêntrica e mergulhada apenas nas “aparências” (e não na “essência”) do movimento dos capitais especialmente a partir da crise econômica de 1969-1974, que fez com que uma série de empresas transferissem parques industriais completos para países do Terceiro Mundo, em busca de menores salários e menos encargos sociais, com o intuito de recuperar suas taxas de lucro.









Gorz: a "não-classe do não-trabalho"; Antunes: a "classe-que-vive-do-trabalho"

Tinha que ser, portanto, um intelectual de um país periférico (sem tirar os evidentes méritos de Antunes) a contestar a tese da perda da centralidade do trabalho, dado que, se na Europa houve uma diminuição dos operários fabris e a expansão de setores de caráter tecno-científico (áreas de programação de software, robótica, microeletrônica, biotecnologia etc), na América Latina, Ásia e África houve um intenso movimento de “industrialização recolonizadora” (cf. conceito de Darcy Ribeiro) que produziu enormes impactos sociais, econômicos e culturais sobre estes povos.


Contudo, o conceito da “classe-que-vive-do-trabalho” não é apropriado apenas para os países periféricos (que, por sinal, também sentem nos últimos anos o mesmo processo de redução do operariado fabril), mas pode-se dizer que é “universal”, ao menos onde o modo de produção capitalista é predominante, em tempos da chamada “acumulação flexível” (marcada pela precarização do trabalho, perda de direitos trabalhistas e securitários, desmonte e cooptação dos instrumentos de organização dos trabalhadores etc). Os imensos ganhos de produtividade do trabalho obtidos pelo capital nas últimas décadas, a partir da introdução de inovações técnicas, maquinários modernos, gestão científica do trabalho, aplicação combinada de métodos produtivos fordistas e pós-fordistas etc, efetivamente fizeram reduzir a quantidade de trabalhadores necessários na produção de mercadorias, mas de forma alguma fizeram perder a centralidade do “valor-trabalho” como motor do modo de produção capitalista.

Pelo contrário, o aumento da produtividade permitiu um aprofundamento da divisão social e internacional do trabalho, criando ramos cada vez mais específicos e especializados na agregação de valor aos produtos a partir de inovações científicas, na realização mais rápida do capital a partir da venda das mercadorias (pensem nos imensos hipermercados, nas vendas pelas internet etc) e na criação de novos setores de prestação de serviços. Ainda que o número de “trabalhadores produtivos” (ou seja, produtivos para o Capital: produtores de novos valores de uso que são também valores de troca) tenha diminuído, sua produtividade aumentou justamente por causa do incremento dos “trabalhadores improdutivos” (improdutivos, mas necessários para o Capital: não chegam a agregar novos valores de uso à mercadoria, mas fazem com que esta seja vendida e consumida mais rapidamente).
Se eles não produzem mais-valia, por que são tão
indispensáveis às empresas? Por que são tão explorados?


A “classe-que-vive-do-trabalho” corresponde, portanto, a todos estes trabalhadores que vendem sua força de trabalho para sobreviver (são proletários, portanto), justamente por não possuírem qualquer meio de produção que os permita fazê-lo autonomamente. Sejam trabalhadores “produtivos” ou “improdutivos”, todos são igualmente necessários à produção e reprodução do Capital, e, na medida em que fornecem direta ou indiretamente mais-valia ao capitalista, são objetivamente explorados e se configuram, portanto, como os sujeitos históricos centrais do processo de libertação do modo de produção capitalista. O tal “sujeito histórico” não se restringe, portanto, ao clássico operariado fabril, mas tampouco prescinde deste para a construção de um novo projeto de sociedade.


Cabe ressaltar ainda que dentro deste conceito da “classe-que-vive-do-trabalho” não se inclui o campesinato, mas apenas o proletariado rural (assalariados agrícolas) e camponeses sem-terra que trabalham como parceiros, meeiros ou semi-assalariados rurais. O que não significa que a classe-que-vive-do-trabalho não possa e não deva construir alianças (e alianças só ocorrem entre classes distintas) com o campesinato e mesmo com a pequena-burguesia.

S
egundo. Discutir a conformação da classe-que-vive-do-trabalho no Brasil de hoje é tarefa bastante complexa, que exige a análise de dados estatísticos com metodologias adequadas (o que nem sempre ocorre, dado que o IBGE se utiliza ora de conceitos keynesianos, ora neoclássicos – o que prova que os números nunca são neutros!), e que, especialmente quanto aos últimos anos, ainda não estão disponíveis (possivelmente a divulgação do Censo 2010 nos ajudará nessa tarefa). De qualquer forma, a partir de alguns dados resumidos tomados de um estudo do PNAD 2002 realizado pelo IPEA, já é possível verificar as alterações produzidas no mundo do trabalho em comparação a 1985.
Tarsila, quem é a classe-que-vive-do-trabalho hoje no Brasil?!
Estimou-se que em 2002 a PEA (População Economicamente Ativa) no Brasil era de 80 milhões de pessoas, distribuídas da seguinte forma:
  • 21.703.298 eram empregados com carteira assinada (4.921.282 operários industriais, 4.326.200 empregados no comércio, 2.734.804 no setor administrativo, 2.221.483 em serviços de limpeza e zeladores, 1.860.882 servidores públicos, 396.849 assalariados agrícolas, 3.975.166 em outras categorias);
  • 12.218.039 eram trabalhadores sem carteira assinada;
  • 6.000.000 eram trabalhadores domésticos;
  • 8.000.000 de camponeses;
  • 6.000.000 de camponeses sem-terra ou semi-proletarizados;
  • 2.470.000 proletários rurais; e
  • 18.804.414 desempregados (sendo destes, 8 milhões entre 16 e 24 anos).
Obs.: Havia ainda 6.772.162 na condição de pequenos e médios proprietários urbanos ou atuando como profissionais liberais.

Estes são dados a partir dos quais é possível iniciar uma análise da classe-que-do-trabalho no Brasil de hoje, mas sabendo que a sua disposição sofreu sensíveis variações nos últimos anos, em virtude dos programas sociais e de transferência de renda, da política neodesenvolvimentista voltada à geração de empregos (muitos com carteira assinada, mas em geral com baixos salários e pouca qualificação), o aquecimento da economia e do mercado de consumo interno. A redução do desemprego, o gradual aumento da massa salarial e o maior número de trabalhadores com carteira assinada têm feito inclusive com que a classe se disponha com menos temor a formas coletivas de luta, a ponto de o número de greves ter crescido nos últimos 3 anos. Certamente ainda é cedo para se falar em um novo ascenso das lutas de massas, mas não é infundada essa esperança, desde que combinada com uma agirança!

Terceiro. E por falar em agirança: de que forma a AJP tem se relacionado com a classe-que-vive-do-trabalho? Não é correto dizer que não há relação, mas também não é errado dizer que as assessorias universitárias e as organizações de apoio não têm se relacionado com a classe com base nessa perspectiva da classe como um todo, nem mesmo no que faz dela uma classe: a questão do trabalho. O fato é que recaiu-se, desde meados da década de 1990 a meu ver, nas formas de organização e de luta de caráter pós-moderno, aceitando a fragmentação das lutas e das demandas que, por muitas que sejam, pertencem a uma única e mesma classe (ou a potenciais aliados de classe, como o campesinato sem-terra e – por que não? - as chamadas “populações tradicionais”).

Quantos projetos da RENAJU atuam hoje com trabalhadores, para além de sem-tetos, sem-terras, sem-escolas, sem-dignidades, sem-direitos? Quantos advogados populares na RENAP têm aproximação com sindicatos e associações profissionais? Não se trata de abandonar ou menosprezar o trabalho que já se faz, mas de compreender a totalidade das relações sociais e atuar de forma mais abrangente, contribuindo na formação da classe para si. O sem-terra, o sem-teto, o desempregado, o oprimido também é trabalhador, e provavelmente tem (ou deveria ter) um sindicato e um partido que atenda aos seus interesses de classe.

"Antes de sermos sem-terra, somos trabalhadores!"

S
abemos que nem a RENAJU e nem a RENAP têm ou devem ter o caráter de organizações partidárias ou de representação da classe-que-vive-do-trabalho, mas, se a luta não se resume a uma pauta de pequenas reformas e algumas concessões de direitos, mas à construção de uma nova sociedade sem exploração e sem opressão, então a aproximação e o apoio (técnico e político) à classe e às suas ferramentas organizativas é uma questão de primeira ordem, que deve estar no centro das discussões nos encontros, congressos e grupos de discussões da AJP.

Luiz Otávio Ribas e a assessoria estudantil no Brasil

Monografia de Luiz Otávio Ribas, Professor e assessor universitário, intitulada "Assessoria jurídica popular universitária e direitos humanos: o diálogo emancipatório entre estudantes e movimentos sociais (1988-2008)", do curso de Especialização em Direitos Humanos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Resumo:
Analisam-se práticas de assessoria jurídica popular universitária quanto ao envolvimento com os movimentos sociais e causas populares, para propor-se alternativas para potencializá-las como libertadoras e realizados de direitos humanos. Parte-se do estudo das atividades de dois grupos, o Saju UFRGS e o Caju Sepé Tiaraju, assim como do relato de experiências de estudantes de todo Brasil. São observadas duas ocupações urbanas onde são realizadas atividades: a do Chapéu do Sol, em Porto Alegre, período out. 2006/abr. 2007, e a ocupação do bairro Záchia, em Passo Fundo, período de ago./dez. 2005. A metodologia para a coleta dos dados é a observação participante nas comunidades, enfatizando num grupo a observação e, em outro, a participação. A  análise qualitativa envolve as técnicas de dinâmicas de grupos; participação em reuniões de preparação e de avaliação; aplicação de formulários e entrevistas. Na segunda etapa da pesquisa revisaram-se trabalhos acadêmicos, publicações na internet, revistas especializadas, entre outros. Seguiu-se um estudo teórico que contribui para fundamentar a prática, envolvendo principalmente conceitos de práticas jurídicas insurgentes, assessoria jurídica popular e direitos humanos.

Palavras Chave: Direitos humanos, movimentos sociais, educação popular, assessoria jurídica popular universitária.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Novidades sobre a biblioteca digital da AJP

Em 8 de maio de 2010 inauguramos nossa seção da "Biblioteca digital da assessoria jurídica popular".
Em muitos momentos divulgamos o seu conteúdo em postagens, resenhas e indicações de leitura.

Você pode acessar a biblioteca diretamente, clicando logo abaixo do letreiro, ao lado da seção "O que é assessoria jurídica popular.

Queremos com esta seção dar ampla divulgação aos textos dos assessores populares, principalmente para contribuir com as atividades de formação de todo movimento de assessoria jurídica popular.

Também é uma forma de homenagear o Instituto Apoio Jurídico Popular, que nas décadas de 1980 e 1990 realizou trabalho de divulgação nacional de textos de/para/com assessores populares, com as coleções "Seminários", "Socializando o conhecimento", "Boletim Juristas Populares" e "Aconteceu na justiça".

Desde a última semana iniciamos a divulgação de alguns dos textos que já estão disponíveis na biblioteca, com a referência sobre o autor, o resumo e as palavras-chave. Os objetivos são:
- ampliar a visibilidade e melhorar a divulgação dos textos;
- indicar, semanalmente, um texto para leitura;
- cadastrar os textos como postagens para indexação e facilitar a busca na internete;
- estimular os leitores do blogue a enviarem seus próprios textos, para que sejam indicados na coluna semanal.

Aproveito para divulgar que já estamos com a coleção completa dos textos do Instituto Apoio Jurídico Popular. Também encontramos originais inéditos de Miguel Baldéz e Thomaz Miguel Pressburger. Em breve vamos disponibilizar todos por aqui.

Agradeçemos a tod@s autor@s que disponibilizaram seus textos e desejamos a tod@s uma boa leitura.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Amílcar Cabral, as formas da resistência e o suicídio de classe

Muito está por ser lembrado e apropriado, para uma nova práxis, do que vem da continental luta de libertação dos africanos no segundo meado do século XX. Inclusive ao nível teórico. Ouvimos falar dos argelinos e dos sul-africanos: dentre os primeiros, Fanon (Frantz Fanon) e Memi (Albert Memmi), difundidos pela força do pensamento sartriano; quanto aos segundos, Bico (Steve Biko) e Mandela (Nelson Mandela), pela potencialidade da comunicação anglo-saxã. No entanto, o colonialismo português - para além de o francês e o inglês - também fez germinar, em suas colônias africanas (hoje, 5 países: Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe), grandes líderes e referências para as recentes discussões descolonizadoras do poder e do saber.

Há quase quarenta anos, morria assassinado Amílicar Cabral, expoente da luta de libertação nacional em Guiné-Bissau e Cabo Verde. O dia 20 de janeiro é feriado nacional nestes dois países e muito pouco se fala disto e de tal personagem histórica (ver, como exceção que confirma a regra, a notícia Clone de Amílcar Cabral na memória, 38 anos depois).




Das festas co-memorativas de sua morte, surge um importante dever a todos nós: o resgate da ação-pensamento de um importante combatente contra o imperialismo, em prol da libertação nacional africana e do socialismo. Tendo se formado como engenheiro agrônomo na metrópole lusitana, voltou a sua terra natal para trabalhar na assessoria das atividades do campo e acabou fazendo parte da equipe que recenseou a região rural da Guiné-Bissau, o que lhe daria instrumentais fortíssimos para desenvolver sua luta política que já despontara desde os estudos superiores.

Da atividade técnica, passou à organização política, fundando o Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), engrossando o caldo de organizações a favor da libertação nacional das colônias africanas, e em especial das portuguesas. Apesar de divergências teóricas e prática, a força intelectual e política de Fanon e Cabral são marcos essenciais para a compreensão desse período histórico, bem como testemunhos ativos da exigência revolucionária na periferia do mundo. Assim como Fanon, Cabral morre antes de ver a independência total de seu país reconhecida, mas, como aquele, também participaria dos movimentos insurgentes desde a década de 1950.

Junto ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e ao Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP), o PAIGC é o exemplo histórico que nos arrasta à discussão da organização política; dentro dela, à análise conjuntural de uma determinada formação social. Dentre os principais líderes destas organizações revolucionárias e libertadoras - tais como Agostinho Neto (MPLA), Eduardo Mondlane ou Marcelino dos Santos (FRELIMO), Pinto da Costa (MLSTP) - Amílcar Cabral (PAIGC) certamente é um dos que nos legou um conjunto dos melhores, com reflexões dotadas de radicalidade e argúcia na compreensão da realidade, bem como de capacidade de sistematização.

Dois focos de suas análises merecem nossa atenção. De um lado, a insistente aposta nas formas de resistência; de outro, a interpretação de sua realidade, que o leva a sedimentar a concepção de "suicídio de classe".

Quanto às formas de resistência, há um seu depoimento histórico bastante interessante, gravado por ocasião do Seminário de Quadros, do PAIGC, de 1969. Publicado com o título "Análise de alguns tipos de resistência", concentra-se na depuração dos modos de resistir a partir de suas qualificações como "política", "econômica", "cultural" e "armada". Partindo do pressuposto de que toda dominação gera resistência, propõe que antes de mais vem a resistência política. Esta é que dá o tom da organização popular contra as formas do colonialismo, ensejada pelo desenvolvimento da consciência. A partir dela, reflete sobre as demais formas, com especial relevo para a resistência cultural. Poeta que fora, Cabral foi considerado como o "pai da nacionalidade" em Cabo Verde e seus versos bem o demonstram (lembrando que nasceu ele em Guiné - terra da mãe - e aos oitos anos foi viver em Cabo Verde - solo do pai):

Ilha

Tu vives — mãe adormecida —

nua e esquecida,

seca,

fustigada pelos ventos,

ao som de músicas sem música

das águas que nos prendem…

Ilha:

teus montes e teus vales

não sentiram passar os tempos

e ficaram no mundo dos teus sonhos

os sonhos dos teus filhos

a clamar aos ventos que passam,

e às aves que voam, livres,

as tuas ânsias!

Ilha:

colina sem fim de terra vermelha

terra dura

rochas escarpadas tapando os horizontes,

mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!

Como é sabido, Paulo Freire viria a desenvolver sua pedagogia em vários países africanos pós-libertação nacional, como a Tanzânia e São Tomé e Príncipe, mas também Guiné-Bissau e Cabo Verde. Apesar de não terem trabalhado juntos, devido à prematura morte de Cabral, apresentam afinidade teórica sensível. Se Paulo Freire propõe uma dialética de denúncia-anúncio para uma sociedade nova (denunciar a opressão e anunciar a liberdade), Amílcar Cabral afirma que a resistência é "destruir alguma coisa, para construir outra coisa". Na singeleza de suas palavras, o potencial descolonial de seu pensar. E, acima de tudo, a importância da resistência para a mobilização das classes populares.

A resistência, porém, é exercida concretamente - e não na abstração das teorias. Em seu texto clássico "A arma da teoria: fundamentos e objetivos da libertação nacional em relação com a estrutura social" (na verdade, um discurso realizado em Havana, por ocasião da 1ª Conferência de Solidariedade dos Povos da África, da Ásia e da América Latina, em 1966) - há uma versão virtual do texto dentro da coletânea "Amílcar Cabral: livro", com o título "Fundamentos e objetivos" -, Cabral consigna a necessidade da luta armada, em seu contexto (um apelo a uma "violência libertadora" que faria qualquer benjaminiano simpatizar-se com ele) e faz uma avaliação da situação de classes dentro do colonialismo, cuja marca é a dominação direta pelo imperialismo, distingundo-se, portanto, do neocolonialismo, no qual haveria dominação imperialista indireta. Assim sendo, o líder do PAIGC enfatiza a centralidade das forças produtivas livres, assumindo o critério do "nível das forças produtivas" como o motor da história (já que as classes sociais não eram universais, pois não teriam havido antes da apropriação privada dos meios de produção nem subsistiriam às fases superiores das sociedades socialistas nascentes), e chega a desenhar um esboço da situação das classes na África, notadamente a lusitana.

É aí que aterrissa a questão do "suicídio de classe", que viria a ser incorporado pelo pensamento freiriano. Lutar contra o imperialismo e a favor da libertação nacional exigia, segundo ele, a organização política, que se apresentava como sendo uma vanguarda revolucionária capaz de praticar a conscientização com as massas populares. Isto até o ponto de se formar uma vanguarda popular, formada e encabeçada pela classe trabalhadora do campo e cidade. Mas este esquema ideal - que, é certo, justificava as trilhas seguidas pelas revoluções africanas - não podia prescindir de uma importante mediação de transição: a pequena-burguesia.

Para Cabral, "a única camada social capaz, tanto de consciencializar em primeiro lugar a realidade da dominação imperialista, como de manipular o aparelho do Estado, herdado dessa dominação, é a pequena-burguesia nativa". Mas, atenção, não se trata de uma frase ingênua ou mesmo astuta. Trata-se, isto sim, de uma análise concreta de sua realidade. Apesar de não dotada de universalidade, ela nos traz uma importante reflexão, já que oriunda da análise objetiva dos movimentos de independência africanos. Tanto é que é ele mesmo que nos diz que há um dilema subjacente à verificação deste fenômeno, o de que há dois caminhos a serem seguidos por tal pequena burguesia: "essa alternativa - trair a revolução ou suicidar-se como classe - constitui o dilema da pequena burguesia no quadro geral da luta de libertação nacional". E é exatamente a este ponto que gostaríamos de chegar: como podem os assessores populares agir revolucionariamente? Sem dúvida nenhuma - a não ser para os que consideram anacrônica tal expressão "revolução" -, esta ação pressupõe a luta de classes e o protagonismo das classes subalternas, que na América Latina chamamos de classes populares trabalhadoras. O que os universitários das camadas médias do modo de produção capitalista periférico podem fazer nesse contexto? Parece que o suicídio de classe, apontado por Amílcar Cabral, é o nosso grande exercício histórico, confirmando a totalidade objetivo-subjetiva da pertença de classe.

Que fique a reflexão, meio incial e um tanto polêmica, como sinal da vitalidade e criatividade do pensamento de tão importante figura do socialismo do século XX, chamado Amílcar Cabral.

Ver ainda:

- textos de Amílcar Cabral (inclusive o citado "Fundamentos e objetivos"), na página da Associação Guiné-Bissau Contributo;

- página da Fundação Amílcar Cabral;

- página do CIDAC - Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral;

- texto "Alguns princípios do partido".

sábado, 29 de janeiro de 2011

Carla Miranda e a práxis da assessoria jurídica universitária popular

Dissertação de Carla Miranda, intitulada "Na práxis da Assessoria Jurídica Universitária Popular: extensão e produção de conhecimento", no mestrado em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba, em 2010.


Resumo:
Fazemos aqui uma reflexão de uma prática social denominada Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP). Das nossas próprias práticas ajupianas, naquilo que as falas dos seus membros explicitam sobre sua característica principal: sua capacidade crítica e emancipatória do direito, da universidade e da sociedade. Resgatamos seu marco teórico na experiência histórica dos movimentos teórico-práticos críticos do direito da década de 1980 e 1990. Mas no contexto da universidade em que se realiza hoje, falamos da prática enquanto uma extensão universitária e, marca de sua intencionalidade política transformadora, a identificamos com o movimento da extensão popular. Caracterização que, como uma práxis, ressalta a exigência de produção de conhecimentos socialmente útil na extensão. Esta caracterização enfatiza a educação popular como metodologia, mas na pluralidade de sentidos que o termo abrange hoje torna necessário perceber nos momentos metodológicos de implementação dessa práxis nossa real aproximação da unidade teórico-prática. Nesse sentido, as experiências sistematizadas nos mostram por um lado, o esboço de um modo próprio de fazer extensão popular em direito: um fazer com uma maior inserção comunitária, em que a investigação não é uma prévia, senão, parte mesma da ação, e que reconhece sociabilidades jurídicasoutras, além das oficiais. Mas mostram-nos também, por outro lado, nossas dificuldades ainda nesse exercício dialógico com o povo, nesse trabalho orientado por um sentido ético libertador. Pensar nas práticas em sentido ético é reconhecer que toda prática social traz consigo uma teria (como modo de ser, estar e conhecer), e produz conhecimento e transformação (ainda que conservadora) na reflexividade desses modos de se relacionar no mundo e com o mundo. Ou seja, nossas práticas, assim como o conhecimento que produzimos neslas, estão intimamente relacionadas a um modelo civilizatório. É aqui que falar em AJUP como extensão popular em direito, e da necessária produção de conhecimento útil nesta prática, retoma o debate do valor no conhecimento. As experiências demonstram um conhecimento útil, produzido na prática social, de modo relacional nas situações existenciais da vida. E é reconhecendo racionalidades diversas da racionalidade da ciência moderna que a extensão popular questiona profundamente a universidade. A compreensão das nossas dificuldades está no reconhecimento de que nossas práticas reproduzem muitas vezes a ética dominante e dominadora que tanto criticamos, especialmente quando não refletimos sobre os condicionados culturais em que também estamos imersos. No nosso caso da AJUP, é importante reconhecer os limites do nosso "olhar do direito", e tmabém, do olhar do "nosso direito". Nesse snetido, uma prática em sentido ético-libertador significa mais uma postura de questionamento constrante de nós próprios e nossas relações com o mundo, que da reprodução de qualquer modelo de prática "emancipatória". É no fundo um exercício de profunda autocrítica, de nós mesmos e de nossas práticas, que nos orienta para diminuir as distâncias entre nosso dizer e nosso fazer, para a realização concreta de uma prática libertadora e em Assessoria Jurídica Popular Universitária.

Palavras-chave: Assessoria Jurídica Universitária Popular; Extensão Popular; Produção de Conhecimento; Metodologia


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A comunicação e o apoio popular

A militância hoje está se organizando em torno da comunicação. Os assessores populares trabalham diretamente com a produção de informação, campanhas de agitação e propaganda.

Variadas vertentes políticas (anarquistas, socialistas, comunistas) reúnem-se em meios de comunicação alternativos, especialmente blogues e jornais. Neste blogue, por exemplo, reúnem-se professores, estudantes, advogados, trabalhadores, entre outros assessores populares.

O tema geral do direito insurgente remete a necessidade de pensar a comunicação nos mesmos marcos. É preciso utilizar a mesma estratégia fundada na dualidade da assessoria jurídica popular: positivismo de combate e pluralismo jurídico popular e insurgente.

Na comunicação pode ser feita a analogia para um jornalismo de combate e uma comunicação social popular e insurgente. Cabe tanto uma aliança com a classe dos jornalistas, que vem sendo duramente atacada nos últimos anos, como assumir o desafio de fazer comunicação com viés jornalístico.


Assessores populares: olhai para estes ternos olhos em fogo.


O jornalismo de combate significa tanto a proposta do entrismo, de Adelmo Genro Filho, de que é necessária a guerra de posição nos grandes meios das grandes mídias (jornal, rádio, televisão, internete) - além, é claro, de sua valorosíssima contribuição sobre uma teoria marxista do jornalismo, na obra "O segredo da pirâmide"; como o jornalismo de libertação, de Elaine Tavares, de entregar-se de mente e coração aos movimentos sociais e vivenciar junto com estes para ajudar a contar as suas histórias - com sua obra "Porque é preciso romper as cercas" . Este último já se coloca dentro da proposta maior de comunicação popular e insurgente, que significa a criação de novas estratégias, instrumentos, que reúnam a cientificidade, a arte e o conhecimento popular. Bons exemplos neste campo são mesmo o Núcleo Piratininga de Comunicação, Palavras Insurgentes, Centro Teatro do Oprimido, Fazendo Media, Brasil de Fato, entre muitos outros.

Façamos da asessoria jurídica popular um espaço de comunicação, que estrapole os limites dos projetos com rádios comunitárias e até mesmo este blogue - para construirmos a unidade para a luta.

domingo, 23 de janeiro de 2011

A repercussão de uma vitória no judiciário: o caso dos laranjais e a luta pela terra

A alegria que não há nos laranjais do latifúndio (arte naif de Araci)

A luta pela terra, em um país com extremíssima disparidade social em torno da propriedade imóvel rural como o Brasil, sempre foi uma das demandas que melhor conseguiu mobilizar a opinião em pública em favor de uma justa distribuição do uso e poder sobre o solo. Em vista justamente disso, talvez, a maior ofensiva contra a "singela" reforma agrária - reivindicada há tempos por organizações populares, políticos progressistas e estudiosos do assunto - venha dos meios de comunicação, haja visto o "caso Cutrale", como veio a ficar conhecido.

Em setembro de 2009, ocorrida a mobilização do MST nos limites da fazenda da Cutrale, onde se planta laranja, a gradne mídia comercial cumpriu seu papel histórico: o de assumir um lado na luta de classes instaurada no país e em todo o continente. Uma despreocupada pesquisa pelas páginas de busca mostra bem isto (ver notas e reportagens de alguns dos principais jornais comerciais sobre o assunto: MST invade fazenda de laranja em Iaras, MST destrói tratores e instalações antes de desocupar plantação de laranja em SP e Invasão da Cutrale: MP aceita denúncia contra 22 sem-terra). E é uma tomada de lado que simplesmente desconsidera a já decantada distinção entre invasão e ocupação, cristalizada em 1990 por um nome do porte de José Gomes da Silva; para não dizer na aguda denúncia de que as terras da Cutrale foram griladas e eram públicas.

Pois bem, após ocorridos os fatos, seguidos de denúncia e prisão preventiva de camponeses sem-terra, vem à tona acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo decidindo sobre o caso, ao apreciar um habeas corpus em prol de mais de vinte integrantes do MST. E a decisão é bastante clara:

"pelo exposto, concede-se a ordem para revogar a prisão preventiva dos pacientes; e, de ofício, concede-se-a também para, declarada a inépcia da denúncia, anular o processo desde o início, ressalvado o direito de ser oferecida nova peça vestibular que preencha, e sem contradição qualquer, todos os requisitos legais."

Mas o que expõe a sucinta decisão colegiada do tribunal paulista? Em primeiro lugar, que a denúncia oferecida não traz os pressupostos mínimos para que possa ter vida nos meandros burocráticos do judiciário, ressaltando-se o fato de que


"a denúncia não descreve referentemente a cada um dos corréus, os fatos com todas as suas circunstâncias (art. 41 do CPP). Imputa-se a todos a prática das condutas nucleares dos tipos mencionados. Em outras palavras, plasmaram-se imputações em blocos, o que implicaria correlativamente absolvição ou condenação também coletiva. Isso é impossível. Imprescindível que se defina qual a conduta imputada a cada um dos acusados. Só assim, no âmbito do devido processo legal, cada réu poderá exercer, à luz do contraditório, o direito de ampla defesa."


Em segundo lugar, o acórdão também rejeita, com certa veemência e espirituosidade, algo que tem sido recorrente nos casos envolvendo os fortes movimentos populares brasileiros, em especial os do campo: a alegação de infringência dos crimes contra segurança nacional, da lei 7.170, de 1983 (atenção para a data!). Com a onda de repressão ao terrorismo que chegou a uma mesma espécie de auge qualitaitivo com o 11 de setembro de 2001, os aparatos de repressão de todo o ocidente têm lançado mão desta definição para enquadrar várias condutas transgressivas e insurgentes. Em território brasileiro, esta importação chegou a sua máxima morbidez com a ação civil pública do Ministério Público do Estado Rio Grande do Sul, propondo a dissolução do MST, caracterizado como "pessoa judiciária" apta a responder em juízo e como entidade terrorista que mereceria punição por crimes contra a segurança nacional. Trocando em miúdos, desencavaram a lei requentada do final da ditadura (e que até foi reeditada com bons propósitos) - conferir artigo de Heleno Fragoso, sobre referida lei, intitulado "A nova lei de segurança nacional".


Cabe-nos, a partir desta vitória na esfera do judiciário, questionar o que ela significa no panorama geral do direito oficial brasileiro, notadamente a partir das reflexões da assessoria jurídica popular. Isto porque trabalhamos nos quadrantes da crítica ao direito estatal e às limitações de seu monismo - ou sua monocultura de saberes, para fazer uso de uma terminologia mais modernosa, o que implica, em alguma medida, adotar uma visão do direito achado na rua, do direito insurgente ou de pluralidade jurídica. O puro e simples garantismo constitucionalista nos deixa refém de uma ordem em que é espinhosa sua defesa sem mais.


Muitos teóricos e assessores jurídicos populares vêm ressaltando esta problemática, no exato sentido que demonstra que as vitórias legislativas ou judiciárias podem ter efeitos perversos. Isto não quer dizer que se deva trabalhar com um instrumental teórico que preconize o fracasso nessas disputas políticas institucionais, mas sim com uma armadura crítica que anteveja que estas vitórias são sempre provisórias e contingentes. Afinal de contas, não são as classes populares que estão no timão desse processo histórico. Em todo caso, fica ressaltado que "as derrotas jurídicas sempre são vitórias políticas" na medida em que organizam os atingidos e dão espaço à conscientização (conforme verbete de Luiz Otávio Ribas sobre o advogado e assessor popular Jacques Alfonsin).


Os absurdos técnico-jurídicos se avolumam (como nos dois casos citados, o dos laranjais e o do MP gaúcho) e dariam, no mínimo, uma tese de doutorado. Por outro lado, a aceitação de novas argumentações jurídico-políticas entram muito penosamente no livre convencimento na classe causídica, pública e privada. Nesse sentido, é preciso dizer que algumas interpretações progressistas também podem ser consideradas "absurdas" e, portanto, esta não é a melhor vereda para seguir na crítica ao direito que emana de nossas instituições jurídicas. Fazê-lo significaria submetermo-nos a seus pressupostos (o jargão amebóide e pouco preciso da democracia, cidadania, sociedade civil e constituição - ainda que esta última tenha considerável dose de objetividade em seu uso).


O que importa, por ora, é incorporar a vitória judiciária no rol das bem-aventuranças dos movimentos populares dentro do judiciário (mesmo porque cerca de dez pessoas estavam sofrendo na carne, cruamente, os malefícios da prisão e outras tantas estavam ameaçadas de também participarem dos horrores deste patíbulo) e não continuar criando muitas expectativas de que mais delas venham. Pode haver alguns juristas alternativos, mas eles são a minoria. O único caminho que se pode continuar indicando - ainda que isto não seja novidade para quaiquer movimentos sociais e popular - é o da organização política, no mundo da vida e dos fatos. Porque o mundo dos autos é bastante pobre, ainda que às vezes se sensibilize com uma canção popular como a de Ataulfo Alves, lembrada por uma advogada popular: "laranja madura na beira da estrada/ Tá bichada, Zé, ou tem marimbondo no pé".

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Sobre a tragédia no Rio...

Todo ano a tragédia provocada pelo descaso dos governantes se repete. São inundações, desabamentos, soterramentos e por aí vai. Como sempre o discurso dos governos é culpar o clima ou a natureza, ou então as pessoas que "irresponsavelmente" construíram suas casas em áreas de risco.

A mídia sensacionaliza essa tragédia, dá ênfase ao sofrimento dos atingidos, mas não procura debater o que mais interessa: A falta de planejamento dou uso e ocupação do solo, a especulação imobiliária que expulsa as pessoas mais pobres de aréas mais valorizadas, e de uma estrutura adequada para a prevenção de desastres do gênero.

Numa atitude midiática, a recém empossada presidente do Brasil, Dilma Roussef junto om o governador do RJ, visitaram o local do desastre e anunciaram a liberação de recursos, cerca de 700 milhões de reais para serem gastos em regime de urgência, , sem fiscalização é bem provável que boa parte desses recursos não ajudem a quem verdadeiramente precisa.

Só pra fazer uma comparação : A reforma do maracanã unicamente engolirá a bagatela de R$ 900 milhões. O fato do maracanã já ter passado por uma reforma em 2008 para o Pan-Americano é esquecido, o que se argumenta agora é que é necessário cumprir as exigências da FIFA, para deleite das empreiteiras.

Não há um projeto ou política nacional de habitação que atendam as demandas do povo. Há um projeto nacional de construção de moradias que atendem os interesses da empreiteiras. Além disso o atual Ministro das Cidades, Mário Negromonte é um conhecido empreiteiro da Bahia.

Daqui alguns dias essa tragédia deixa de ser manchete nos principais jornais e tudo segue como dantes no país de abrantes. Até a próxima tragédia se repetir e provocar de novo a verborragia demagógica dos nossos governantes.


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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Algumas linhas sobre assessoria jurídica popular e assistência jurídica

A assistência jurídica está pautada no escritório-modelo de cunho assistencialista e paternalista onde há uma operacionalização do saber dogmático voltado basicamente para lides postas perante o poder judiciário. Num prisma estritamente formal havendo assim uma distanciação de uma discussão sociológica e interdisciplinar, ou seja, o estudo e práticas se concentram mais nas formas processuais de ação do que em uma problematização mais profunda dos problemas da realidade social.

Encontrando-se distanciada das lutas dos trabalhadores e vista, na maioria das vezes, como formas neutras que podem mediar os interesses das camadas sociais sem condições econômicas a assistência jurídica esquece que o direito não é só uma obediência a lei, mas uma interpretação por parte do operador do direito. Acaba deste modo seguindo paradigmas e pressupostos da comunidade jurídica dados a priore sem serem questionados ou refletidos.

Já o campo de atuação da assessoria tem como pressupostos iniciais o pensamento de 3 autores marxistas: Antonio Gramsci, Paulo Freire, e Roberto Lyra Filho, evidenciando é claro a grande importância de outros autores críticos dentro do processo de construção como: Agostinho Ramalho Marques Neto, Antonio Carlos Wolkmer, Boaventura de Sousa Santos, Roberto Aguiar, entre outros.

A assessoria utiliza o viés de uma sociologia jurídica crítica e do pluralismo jurídico. Por que entende que o operador do direito tem um papel importante na luta contra a desigualdade de acesso a justiça, na luta a favor da efetivação dos direitos fundamentais, na luta pela emancipação social, entre outros.

Parte então da visão do fenômeno jurídico através de uma ótica de reflexão marxista por isso há alguns pontos importantes que supõe ser de fundamental importância nos seus estudos e ações:

*A crítica da ideologia como discurso mistificador da realidade;

*Compromisso com atitudes não dogmáticas; e

*Emancipação dos oprimidos e transformação da realidade.

Vê o direito como um campo contraditório, pois hora serve como emancipador hora como dominador, percebe então ser precioso o entendimento de 3 âmbitos de atuação:

*O da realidade sonegada: que busca agir pelas normas já incorporadas ao ordenamento jurídico, porém carente de efetivação;

*O da legalidade relida: que busca uma construção por dentro do sistema de uma hermenêutica capaz de denunciar o modelo legal tradicional.

*Legalidade sonegada: que se afirmação das práticas jurídicas insurgentes, não formais, de afirmação do pluralismo jurídico.

Para concluir pode-se dizer que: a assistência jurídica é atomizada e forense enquanto a assessoria prima pelo coletivo e por ações de caráter formativo e político em uma luta engajada.