FURMANN, Ivan. Assessoria jurídicauniversitária popular: da utopia estudantil à ação política. 2003. Monografia
(Graduação em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2003, 111 p.
RESUMO
Na Assessoria Jurídica
Universitária, a extensão universitária em Direito pretende inaugurar um novo
diálogo com comunidades oprimidas pelo sistema social. Para a construção desse
diálogo, propõe-se uma proposta de extensão universitária inovadora pautada nas
teorizações de três grandes autores marxistas. Inauguram-se as reflexões com as
idéias políticas de Antonio Gramsci, em seguida, aprecia-se a pedagogia do
oprimido de Paulo Freire e, por fim, a teoria dialética do Direito de Roberto
Lyra Filho. Essas teorizações fundamentam a cidadania e a participação popular
como base para o desenvolvimento de uma estratégia pedagógica para a consecução
de direitos. Logo, é possível relacionar duas propostas ideais de extensão
universitária, denominadas ‘Assistência jurídica’ (a tradicional) e ‘Assessoria
Jurídica’ (a inovadora). Não bastando a crítica ao modelo tradicional, expõe-se
os princípios da Assessoria Jurídica e as questões relativas ao seu método
educativo. Finalizando, relata-se experiências do SAJUP-UFPR auxiliando a
formação de novos projetos de extensão inovadores em Direito.
Depois de muito tempo
sem escrever neste blogue, retorno trazendo o relato das atividades
que estamos desenvolvendo aqui no Planalto Central, a partir da
Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP) Roberto Lyra
Filho.
Nossa AJUP pode ser
considerada uma feliz convergência, começando por seu nome, que
congrega a sigla da experiência de Pressburguer e Baldez no RJ
(AJUP) com o nome daquele que é talvez a maior referência do
pensamento jurídico crítico no Brasil, Roberto Lyra Filho, prata da
casa, da Universidade de Brasília (UnB).
A AJUP é também a
convergência de um grupo de advoga@s
populares que, desde o final de 2011, passou a se organizar para
atuar voluntária e coletivamente na defesa jurídica de movimentos
sociais no Distrito Federal. Tudo começou com o apoio ao acampamento
Gildo Rocha, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), passou
pelo acampamento 8 de Março do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e também acompanhou casos de despejos na Cidade
Estrutural (região administrativa que cresceu em torno do Lixão de
Brasília) e a luta dos índios Fulniô-Tapuya contra a destruição
do seu Santuário dos Pajés pelo capital imobiliário, em virtude da
construção do chamado “Setor Noroeste”.
No início as
dificuldades foram imensas, tendo em vista por vezes a nossa
inexperiência, mas especialmente a falta de organização. Com o
tempo, foi possível estreitar contatos e atuar de forma preventiva,
antecipando conflitos que se avizinhavam. No entanto, a falta de um
apoio institucional e a falta de contato com os estudantes da UnB
gerava dúvidas sobre a continuidade dos trabalhos. Outro problema
identificado era que a atuação se restringia à advocacia popular,
sem congregar atividades de educação popular, e que ainda por cima
assumia muitas vezes uma perspectiva imediatista, “apagando
os incêndios” dos conflitos cotidianos.
Felizmente, foi posível
congregar um grupo de estudantes da Faculdade de Direito da UnB e de
outros cursos jurídicos de Brasília, e, com o apoio do professor
José Geraldo de Sousa Júnior, coordenador da AJUP, foi possível a
sua formalização no Decanato de Extensão da UnB como Projeto de
Extensão de Ação Contínua (PEAC). Com isso foi possível obter
apoios na forma de bolsas e fomentos, impulsionados ainda pelo apoio
do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ), no qual o projeto possui
atualmente um espaço para sua organização.
A assessoria jurídica
popular era até então relativamente desconhecida na FD-UnB, cuja
trajetória é forte na construção de projetos de extensão que
atuam na educação popular em direitos humanos, sempre sob a
perspectiva do Direito Achado na Rua, mas sem maior experiência no
campo da advocacia popular (a maior experiência nesse sentido havia ocorrido no caso da Vila Telebrasília, no início dos anos 1990). A AJUP veio portanto para se somar às
iniciativas de extensão popular, com o diferencial de buscar
articular 3 eixos de atuação: (i) advocacia popular; (ii) educação
popular; e (iii) fortalecimento político dos movimentos populares.
A advocacia popular é
entendida não apenas como a atuação jurídica perante o Poder
Judiciário, mas também como assessoria técnica aos movimentos
populares nas negociações que ocorrem cotidianamente com o Poder
Executivo, no acompanhamento de projetos de lei em tramitação no
Poder Legislativo, na promoção de debates com outros agentes do
sistema de justiça (Defensoria Pública, Ministério Público etc),
e muitas outras atividades que surgem no cotidiano da atuação.
Já a educação
popular é vista como o meio para a construção do diálogo com o
movimento popular, desde as lideranças até as suas bases, buscando
socializar as informações geralmente “codificadas” pela
linguagem jurídica e por todos os seus aspectos técnicos. Trata-se
de um trabalho de tradução, além de uma atividade de
pesquisa-ação, já que, na interação com a comunidade, é
possível extrair, junto com ela, os principais problemas enfrentados
no cotidiano da luta política e social.
O fortalecimento dos
movimentos populares é promovido pelas atividades de advocacia e de
educação popular, compreendendo que o papel d@
assessor@ jurídic@ popular não é o de liderar ou organizar @s trabalhador@s,
mas contribuir para processos autônomos de organização popular,
fortalecendo os movimentos já organizados, inclusive com a inserção
de novas pessoas e de novas comunidades nessas organizações. Não
há, portanto, uma dicotomia entre atuação na comunidade e atuação
no movimento social, mas uma necessária articulação entre ambos os
aspectos.
Talvez um dos maiores
desafios enfrentados atualmente pela AJUP seja a construção de um
equilíbrio dialético entre seus 3 pilares, já que não há na
verdade uma separação estanque entre eles. Na prática, foi
possível compreender o quão pedagógica pode ser uma luta política,
motivo pelo qual a atividade de advocacia popular, quando impulsiona
essa luta, pode ser considerada também uma atividade pedagógica (exemplo disso pode ser encontrado no video abaixo).
Por outro lado, a advocacia permite a construção de laços de
confiança com os movimentos populares, tornando os contatos e as
atividades de educação popular mais propícias ao debate franco
entretrabalhador@s
e integrantes do projeto.
Atualmente, a AJUP está
organizada em 3 frentes de atuação. Uma frente atua com o MTST;
outra com os movimentos que compõem a Via Campesina; e a terceira com @s catador@s
de materiais recicláveis da Cidade Estrutural e também com o
Movimento Popular por uma Ceilândia Melhor (MOPOCEM). Não há
portanto uma organização interna do projeto com base nos chamados
“ramos jurídicos”, mas sim a partir dos movimentos sociais
concretos com os quais o grupo se propôs a atuar. Assim, @s
integrantes de cada frente buscam construir relações orgânicas de
confiança com as organizações populares, propondo-se a
assessorá-las nos temas considerados problemáticos e sobre os quais
a AJUP pode dar contribuições efetivas.
O fato de ter em todas
as frentes a congregação de advogad@s
e estudantes, não apenas do Direito mas de diversos outros cursos
(Psicologia, Comunicação Social, Ciência Política etc), faz com
que a AJUP tenha uma atuação diferenciada. Não seria exagero dizer
que o projeto é pioneiro nesse sentido, considerando o modo de
atuação dos demais projetos e programas de AJP atualmente
existentes no país, pois supera na prática a velha dicotomia entre "assessoria X assistência". Não à toa, em menos de 5 meses de criação, a
AJUP já havia se tornado uma importante referência junto aos
movimentos populares do DF.
Os desafios colocados
para a AJUP hoje são inúmeros e imensos. Construir novos estatutos
jurídicos de forma democrática e dialogada com @s catador@s
de material reciclável, enfrentando o interesse de atravessadores
locais e das grandes empresas do setor; pressionar junto com o movimento sem-teto o Poder
Legislativo distrital pela aprovação de projeto de lei que
impulsione a construção de moradias populares; pressionar o Poder
Executivo distrital e federal a destravar a reforma agrária junto com a Via Campesina; ampliar
o número de estudantes, sobretudo de outros cursos, nas frentes do
projeto; construir novas frentes de atuação que dêem conta de
outras demandas atualmente não contempladas (como nas áreas de
saúde, educação, transporte, trabalho etc); construir uma política
de comunicação interna no projeto e de divulgação mais efetiva
aos eventuais interessados...
Essas são apenas
algumas das tarefas e dos desafios colocados para o próximo período,
que devem estar necessariamente vinculados à atividade de
pesquisa-ação, para a qual a construção do Instituto de Pesquisa,Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS) poderá prestar uma
contribuição fundamental.
Estivesse vivo hoje,
Roberto certamente estaria feliz e empolgado com o futuro da AJUP que
leva seu nome. Vida longa à AJUP Roberto Lyra Filho!
No último dia 28 de Julho, na faculdade Zumbi dos Palmares em São Paulo, em momento reservado ao ENEDEX (Encontro Nacional dos Estudantes de Direito Extensionistas) foi possível compartilhar com diversos companheiros algumas idéias sobre extensão universitária em Direito. Do painel participaram a professora Raquel Santana da Unesp, a extensionista Mariana do SAJU da USP e essa pessoa que vós escreve (Ivan de Curitiba)
Os companheiros potiguares abrem espaço, em sua 1ª Semana Jurídica da UFERSA, para debater a educação jurídica em vários de suas dimensões: função, práxis, direitos humanos e extensão popular. Ótima iniciativa que contará com a presença, dentre outros, dos assessores jurídicos populares Daniel Araújo Valença e Hugo Belarmino de Morais, que além de tudo são grandes nomes da resistência crítica do direito no país. Um abraço, companheiros!
A convite do SAJU-SP, ontem participei de atividade junto com o professor Marcus Orione e a assessora estudantil Amanda. Mais dezenas de calouros e veteranos que lotaram a sala dos estudantes - território livre da faculdade de direito da USP. Agradeço muito o convite e ao colega Prof. Ivan Furmann, pela parceria de sempre. Abaixo segue o texto de minha apresentação:
"É difícil encontrar motivos para estar na universidade, para ficar, para não ficar, para abandonar, retornar e ser expulso.
Calourada do SAJU-SP: Luiz Otávio, Amanda e Marcus Orione.
Resumo:
Fazemos aqui uma reflexão de uma prática social denominada Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP). Das nossas próprias práticas ajupianas, naquilo que as falas dos seus membros explicitam sobre sua característica principal: sua capacidade crítica e emancipatória do direito, da universidade e da sociedade. Resgatamos seu marco teórico na experiência histórica dos movimentos teórico-práticos críticos do direito da década de 1980 e 1990. Mas no contexto da universidade em que se realiza hoje, falamos da prática enquanto uma extensão universitária e, marca de sua intencionalidade política transformadora, a identificamos com o movimento da extensão popular. Caracterização que, como uma práxis, ressalta a exigência de produção de conhecimentos socialmente útil na extensão. Esta caracterização enfatiza a educação popular como metodologia, mas na pluralidade de sentidos que o termo abrange hoje torna necessário perceber nos momentos metodológicos de implementação dessa práxis nossa real aproximação da unidade teórico-prática. Nesse sentido, as experiências sistematizadas nos mostram por um lado, o esboço de um modo próprio de fazer extensão popular em direito: um fazer com uma maior inserção comunitária, em que a investigação não é uma prévia, senão, parte mesma da ação, e que reconhece sociabilidades jurídicasoutras, além das oficiais. Mas mostram-nos também, por outro lado, nossas dificuldades ainda nesse exercício dialógico com o povo, nesse trabalho orientado por um sentido ético libertador. Pensar nas práticas em sentido ético é reconhecer que toda prática social traz consigo uma teria (como modo de ser, estar e conhecer), e produz conhecimento e transformação (ainda que conservadora) na reflexividade desses modos de se relacionar no mundo e com o mundo. Ou seja, nossas práticas, assim como o conhecimento que produzimos neslas, estão intimamente relacionadas a um modelo civilizatório. É aqui que falar em AJUP como extensão popular em direito, e da necessária produção de conhecimento útil nesta prática, retoma o debate do valor no conhecimento. As experiências demonstram um conhecimento útil, produzido na prática social, de modo relacional nas situações existenciais da vida. E é reconhecendo racionalidades diversas da racionalidade da ciência moderna que a extensão popular questiona profundamente a universidade. A compreensão das nossas dificuldades está no reconhecimento de que nossas práticas reproduzem muitas vezes a ética dominante e dominadora que tanto criticamos, especialmente quando não refletimos sobre os condicionados culturais em que também estamos imersos. No nosso caso da AJUP, é importante reconhecer os limites do nosso "olhar do direito", e tmabém, do olhar do "nosso direito". Nesse snetido, uma prática em sentido ético-libertador significa mais uma postura de questionamento constrante de nós próprios e nossas relações com o mundo, que da reprodução de qualquer modelo de prática "emancipatória". É no fundo um exercício de profunda autocrítica, de nós mesmos e de nossas práticas, que nos orienta para diminuir as distâncias entre nosso dizer e nosso fazer, para a realização concreta de uma prática libertadora e em Assessoria Jurídica Popular Universitária.
Palavras-chave: Assessoria Jurídica Universitária Popular; Extensão Popular; Produção de Conhecimento; Metodologia