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domingo, 30 de outubro de 2011

Mulheres encarceradas pelo tráfico: a modernização do arcaico.

O tráfico de drogas vem se constituindo, na visão de estudiosos do tema, como uma economia criminal urbana, gerando, longe do alcance da lei, a comercialização de mercadorias e serviços às trevas da clandestinidade e das regras de “mercado”. Nessa dinâmica, o Estado desenvolve função dúbia, quando por um lado realiza atos coercitivos amparado por seus instrumentos legais penais e por outro, recolhe lucros de práticas de extorsão, corrupção e retenção de excedentes advindos dos vultosos investimentos na segurança dos negócios (como contrabando de armas, por exemplo). Verifica-se que o Estado Brasileiro, em sua ambigüidade funcional, quando do enquadramento de substâncias psicotrópicas à ilegalidade, pune grupos seletos envolvidos com a atividade criminosa e obtém lucro ilícito por meio desses “mercados negros”, mostrando claros interesses da máquina burocrática na manutenção dessa “ordem”.

No tocante a esses grupos a quem a punição é direcionada, a despeito das cifras indizíveis que fomentam esta economia, importante observar que tal atividade, vestida pelo manto da ilegalidade, é conduzida por indivíduos que vem a ser alvo da repressão estabelecida pelas ingerências estatais. Quem são esses indivíduos? Porque se envolvem/envolveram com o tráfico de drogas?

Trata-se de indivíduos pobres, principalmente mulheres - duplamente vulneráveis - que se converteram na principal mão de obra destes procedimentos ilegais. Nos últimos anos, houve intenso recrutamento de mulheres, jovens, a maioria de mães solteiras, para o desempenho de atividades de baixo-escalão na cadeia do tráfico de drogas. Nessa dinâmica, as mulheres raramente ocupam um papel administrativo, concentrando-se nos pólos mais atingíveis, encarregando-se de tarefas mecânicas como embrulhar e armazenar, estabelecendo-se em ambientes mais privados ou assumindo o papel de “mula”, personagem incumbida do transporte de drogas para dentro de presídios ou outros lugares.

Embora a lei de drogas (Nº 11.343/06) estabeleça em seu artigo 33 uma série de atos tipificados como criminosos, são os setores de ação na cadeia do tráfico ocupados por pessoas pobres e, mais diretamente, por mulheres - colocadas na ponta dessas atividades, como reflexo de sua fragilidade econômica e social – os que mais sofrem os efeitos da coerção estatal. Denota-se, assim, que o recrutamento para o tráfico e o encarceramento de mulheres encontram suas convergências sociais, materializando-se em expressão das forças econômicas e das relações patriarcais vigentes em nossos dias.

Importa ressaltar que as situações de vulnerabilidade econômica e social a que as mulheres historicamente estão submetidas são reproduzidas na micro-realidade do tráfico de drogas. A lógica aí desenvolvida é verdadeira vitrine das relações sociais postas, baseadas na centralidade do poder masculino. Não há coincidência no aumento significativo do aprisionamento de mulheres com a intensificação da repressão às drogas, mas uma resultante da divisão sexual do trabalho que reverencia o homem e sua posição social privilegiada e que obriga milhares de mulheres à sujeição a atividades precárias, degradantes e repreensíveis, inclusive do ponto de vista penal.

Isso porque a categorização de uma conduta como crime é uma decisão política, fundamentada pelos interesses dos grupos investidos de poder para tal decisão, visando o extermínio de determinadas pessoas do convívio social. Assim, direito e sistema penais, como instrumentos de controle social, são a materialização dessas decisões políticas, revestindo-se de legitimidade a barbárie derivada do jus puniendi estatal. Frise-se que, ideologicamente, o Estado garantidor da ordem e da paz social precisa dar resultados eficazes da sua atuação. Assim, por meio da polícia, intensifica a repressão às substâncias ilícitas agindo com maior incidência no momento de maior exposição do tráfico: o transporte. Ter-se-ia, assim, respostas concretas e positivas à política de combate às drogas, a “garota-propaganda” da efetividade estatal.

Diante da estreita relação entre machismo/patriarcado e criminalização da pobreza através da ilegalidade atribuída às drogas, visíveis são as raízes criminológicas, históricas e sociais que explicam a natureza de grande porcentagem das mulheres presas, fundadas no machismo reinante e na promiscuidade estatal de comprometimento com o capital sócio-cultural hegemônico.

imagem: muher presa na Penintenciária Feminina de Santana, São Paulo.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Oração ignominiosa de uma habitante da escuridão






No início deste ano, um desafio foi proposto por uma professora aos alunos de uma especialização em direito público: escrever um artigo em primeira pessoa do singular. A proposta foi ostensivamente rejeitada, pelo menos de início, por um número considerável deles e delas. A professora insistiu um pouco mais e ao fim de alguns minutos de discussão sobre ABNT e regras da academia, a proposta terminou tendo alguma aceitação de parte da turma.

Durante a escolha do tema do artigo, muitos decidiram por abordar o ensino jurídico, aproveitando alguns questionamentos levantados no decorrer da disciplina. Na realização da pesquisa necessária, lendo as páginas virtuais de uma dissertação de mestrado sobre esta temática, um trecho de um parágrafo chamou a atenção de uma das alunas:

“aluno ( entendido como um ser desprovido de luz, de acordo com a origem etimológica da palavra.)”

Ficou com aquilo na cabeça. Apesar de, tempos atrás, já ter atentado para o sentido etimológico do termo, o contexto pós-curso de direito provocou uma sensação com uma intensidade diferente... Intensamente ruim.

Tentando expelir aquilo de si de alguma forma, pegou um papel e foi rabiscando umas palavras soltas:

“Aluno /Desprovido de luz/Na ânsia do saber/escuridão/as amarras/o vazio/ o não-olhar/brinquedo de auto-afirmação/papel que se esforça em cumprir/negação de seu próprio ser/o julgamento: o júbilo do sim e o abismo do não/o caminho a seguir/ a vida a seguir/ o caminho a desistir/a vida a desistir/A luz que cega/A luz que é escuridão.”

“Aluno/palavra que fere/palavra do não ser/ Palavra possuída/Palavra aliciada/Substantivo inquestionável/Substantivo sem substância/O oco a ser eternamente preenchido/o oco estéril de ecos./ O oco sinônimo de nada.”

Vendo que a inspiração não tomava forma, que a poesia que pretendia não nascia, decidiu, então, apelar para a divindade mais próxima:



Oração ignominiosa de uma habitante da escuridão


Absolva-me, ó Ser Provido de Luz, da culpa que pende sobre mim! Culpa de não saber. Culpa de não ser. Dá-me um pouco da dádiva que a ti foi concedida com a mesma intensidade que ma foi negada!

Aceita como oferenda minha mente que jaz vazia. Se não for possível, se a culpa for maior que a expiação, em sacrifício me ofereço, eu que sou nada.

Que o sangue escorra da pedra, ou da tua mesa de trabalho. Que macule os papéis em que está escrita a Verdade. Entre eles estará, talvez, o papel que não consegui desempenhar.

Um dia, quem sabe, eu renascerei. Se este dia acontecer, permita-me um dia apenas ser. Um dia ser. Ou um dia também ser sobre o não-ser, para que então eu possa sentir-me divina como tu és. Ó, Ser Provido de Luz!

Amém.




Dissertação de onde foi colhida a citação:

http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2637

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Novidades da semana: para ler e comemorar

Esta semana foi de grandes conquistas e comunicações. Seguem alguns relatos destas novidades todas.

Tivemos a felicidade da primeira coluna de nosso companheiro Jacques Alfonsin na Agência Carta Maior e no blogue "RS Urgente". Vamos comemorar a aliança de nosso maior colunista com blogues e páginas do mais alto calibre da comunicação alternativa!
Jacques Alfonsin: nosso blogueiro de plantão em ação!

Em breve, teremos a contribuição de nosso mais novo colunista, Adriano Oliveira, militante do movimento Resistência Popular e do Movimento de Ocupação 28 de maio, do bairro Záchia, em Passo Fundo-RS.

Tivemos acesso a pesquisa da Carla Miranda, intitulada "Na práxis da Assessoria Jurídica Universitária Popular: extensão e produção de conhecimento", no mestrado em direito da Universidade Federal da Paraíba, de 2010.

Recebemos o trabalho da professora da UFTO, Shirley Silveira Andrade, sua dissertação de mestrado em direito na Universidade Federal de Pernambuco, intitulada "Movimento popular como sujeito criador de direitos", de 2003.

Ambas pesquisas já adicionadas em nossa Biblioteca Digital da Assessoria Jurídica Popular.

Concluí, neste domingo e segunda-feira, junto com o Ricardo Pazello, a segunda edição do minicurso "Crítica da crítica crítica: a sagrada família jurídica", com os companheiros do Fórum de Extensão da UFPR (SAJUP, PET Extensão e "Direito e Cidadania"), e com a participação especialíssima de estudantes da Unicuritiba, UFPI e USP. Houve, como no curso de formação em São Paulo, a contribuição da Luisa Paiva, facilitando o momento Teatro Fórum. Quero agradecer imensamente o convite e a participação de todas e todos! Em breve vamos relatar esta atividade por aqui.

Por fim, gostaria de convidar todas e todos para comporem o projeto de pesquisa-ação "Assessoria popular em Curitiba", que será iniciado em 2011. Convidar, especialmente, o coletivo de advogados populares, Fórum de extensão da UFPR e Terra de Direitos. O projeto é proposto também pelos professores Ricardo Pazello e Ivan Furmann.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Há um ano, em Teresina...


Dois forasteiros aportaram por estas paragens. Umas barbas estranhas, um sotaque diferente... O que será que eles queriam?

Relutante e desconfiada, decidi me aproximar. Como pano de fundo, um mini-curso com um título que mais parecia um eco: “a crítica da crítica crítica...” ( “a sagrada família jurídica”).

Confesso que não estava muito predisposta para o evento. A cabeça dolorida pelo dente que havia arrancado no dia anterior por conta do bendito aparelho, o mau humor por não estar assistindo ao ” Fórum Íbero-Américano de Direito” que acontecia simultaneamente e que prometia ser um evento de debates e novas idéias. Tudo culpa do Macell que praticamente me obrigou a ir ao mini-curso!

Retornei à UESPI onde havia me formado um ano antes- sem poucos traumas. Foi lá que o mini-curso aconteceu.

Então eles começaram: Kant, Hegel, Marx... Até aí tudo bem. O primeiro ano da graduação havia sido razoavelmente bem aproveitado. Depois a coisa toda começou a tomar um rumo muito estranho: Stucka, Pachukanis, Boaventura, Sidekum, Alfonsim, Freire, Warat, Lyra Filho e até mesmo Saramago? Pensei comigo: “Peraí, cadê o bom e velho direito dogmático, ou sua crítica bem alinhada, cortês, de riso desdenhoso?”. Onde eu havia me metido?

Mantive-me um pouco afastada dos facilitadores, ainda que trocasse uma ou duas palavras a partir do segundo dia. Eu precisava de distância para pensar...

Percebi, então, que ali eu estava adentrando numa das mais profundas, conscientes, sensíveis e avassaladoras críticas às nossas instituições e aí também, obviamente, ao direito. Um “pré-ssentimento” de um porvir...

Ao final do mini-curso, que foi muito intenso, eu sabia que algo havia acontecido. E era dentro de mim. Uma voz que havia quase emudecido por conta de desilusões acadêmicas. Eu podia ouvir as cadeias rompendo e tudo o que eu havia reprimido por conta do curso de direito (por motivos que não cabem nesta postagem), simplesmente desaguando, águas rolando como no poema do Rosa ( Águas da Serra).

Não me senti revolucionária como os outros participantes- para mim eles eram revolucionários! Eles me pareciam bem mais maduros quanto a isso e acho que eu teria ainda muito o que resolver antes de me reconhecer como tal, mas a sensibilidade, o desejo de transformação, a perspectiva do plural, a dialogicidade, a ludicidade ( a literatura!), o sonho... Tudo estava de volta! E eu mal cabia em mim de contentamento.

E, bom, eles foram embora. Aqueles barbados de sotaque diferente. Soube que logo depois se tornaram professores e que hoje são vozes chaves do “u-tópico”, que aqui interpreto como o lugar que ainda pode ser...

Foram embora, mas deixaram um importante legado dentro desta que vos escreve.

....................................................................................................................................................................

Trecho de Águas da Serra ( João Guimarães Rosa- Magma)

“(...)

E então, do semi-sono dos paraísos

perfeitos,

os diques se romperam,

forças livres rolaram,

e veio a ânsia que redobra ao se fartar,

e os pensamentos que ninguém pode deter,

e novos amores em busca de caminhos,

as águas e as lágrimas sempre correndo,

e Deus talvez ainda dormindo.”



quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Crítica ao direito e movimento estudantil

Por Luiz Otávio Ribas


O movimento estudantil brasileiro, especialmente os estudantes de direito, compartilharam das discussões sobre algumas das teorias críticas do direito, nas décadas de 1980 e 1990: direito achado na rua, direito insurgente, direito alternativo e pluralismo jurídico.

Em Estados como Rio de Janeiro e Santa Catarina, por exemplo, ocorreram debates sucessivos a respeito. Cada uma daquelas cativou diferentes grupos estudantis, mas todas em algum momento foram predominantes nos grupos de estudos e de ação direta.

Na década de 2000, uma parte do movimento estudantil universitário - os assessores estudantis (que praticam a assessoria jurídica popular de forma autônoma de seu local de origem, a universidade) -, volta a despertar interesse pelo debate.

Assim, é fundamental aprofundar suas especificidades e ideais comuns, no sentido de reelencar as prioridades na ação direta, assim como fazer avançar o debate teórico, tão necessário na luta popular.

É preciso ressaltar que estas teorias não são unívocas, algumas possuem representantes com idéias bastante distintas. Mas aqui foram abarcadas na mesma corrente de pensamento, para facilitar o entendimento. Este esforço é fundamental para realizar um mapeamento e definir critérios de conceituação do direito, mesmo sabendo do prejuízo com a descrição não detalhista.

Num determinado momento da década de 1990, os diálogos no Movimento de Direito Alternativo (MDA) envolveram estas quatro grandes teorias, que "concorreram" como as teorias críticas do direito brasileiras:

O direito achado na rua
Representado pelo professor Roberto Lyra Filho, para quem o direito autêntico e global não pode ser isolado em campos de concentração legislativa, pois indica princípios e normas libertadoras. Considera a lei um simples acidente no processo jurídico e que pode, ou não, levar a melhores conquistas. A principal vertente encontra-se ainda na Universidade de Brasília, com o Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos (NEP), levado adiante por José Geraldo de Sousa Junior, com projetos de extensão de abrangência nacional na década de 1990 e 2000.

O direito alternativo
Com inspiração europeia, fundamentada em teorias de juízes italianos e espanhóis, que propunham o uso de um referencial alternativo de princípios gerais para fundamentar decisões alternativas em regimes políticos de Estados pós-ditadoriais, com parte do sistema jurídico de exceção ainda vigente. A aplicação brasileira ocorre principalmente por juízes e professores universitários, os primeiros com decisões judiciais que pendem para a garantia de direitos humanos fundamentais de movimentos sociais, os segundos com a fundamentação de um direito que promova a mudança social.

O pluralismo jurídico
Com inspiração nas pesquisas sobre o "direito dos oprimidos" desenvolvidas em comunidades pobres do Recife e do Rio de Janeiro, por Joaquim Falcão e Boaventura de Sousa Santos. Outro estudiosos é o professor Antonio Carlos Wolkmer, para quem a teoria do pluralismo jurídico propõe o reconhecimento e a manutenção das manifestações jurídicas que estão para além do Estado, principalmente aquelas provindas dos corpos intermediários, como os movimentos sociais, que contribuam para a formação de uma cultura jurídica comunitária e participativa.

O direito insurgente
Defendido por advogados populares como Miguel Pressburger, Miguel Baldéz e Jacques Alfonsin, todos integrantes do Instituto Apoio Jurídico Popular - AJUP. Também por outros grupos de advocacia popular, como a Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais da Bahia- AATR. Miguel Pressburger propõe que, para além do positivismo de combate - ou o embate judicial com os instrumentos jurídicos oficiais -, há um caldo de cultura proveniente dos conflitos sociais, revelado nas estratégias dos sujeitos coletivos organizados. É justamente na invenção de um direito mais justo e eficiente que emerge das lutas sociais o direito insurgente, o qual não se normatiza ou alcança eficácia para toda a sociedade, mas fornece indicativos metodológicos importantes na busca de novas epistemologias.

Hoje, o movimento estudantil brasileiro ainda pauta algumas destas teorias. Especialmente, o movimento estudantil de assessoria universitária. Resgatar o histórico da discussão e voltar a refletir sobre estas propostas é tarefa de nosso tempo!

sábado, 26 de junho de 2010

Direito de resistência e Estado liberal

Qual a importância do direito de resistência no Estado liberal?


Os burgueses franceses, que se apoderaram do resultado do processo revolucionário, construíram o Estado moderno. Este é um ente superior, abstrato e coletivo que simboliza a união ds vontades (Hegel) e o monopólio da violência legítima (Weber). A função deste é a mediação dialética de interesses particulares e coletivos em nome de um interesse comum, a vida em sociedade (Hegel).
A outorga ao Estado de mediação das vontades cria consigo o monismo jurídico. Somente o Estado poderá dizer o que é o Direito. Terá o monopólio da produção jurídica legítima. Fora disto será o não-direito.
A classe burguesa, ao criar o Estado moderno, precaveu-se da possibilidade de que este ente abstrato não se transformasse em um "monstro" totalitário e arbitrário, por meio do que veio a ser conhecido como direito de resistência. Esta classe pode, mais que qualquer outra, lançar mão da força e violência contra as transfigurações de sua criação original - O Estado. No sentido de retomar o momento da fundação de um poder legítimo.
Um exemplo de direito de resistência, no Brasil, está na figura do desforço imediato, presente no Código Civil de 2002. O possuidor da coisa pode lançar mão de violência contra a tentativa ou tomada da coisa, desde que o faça no momento da agressão e de maneira a repelir-la. Este dispositivo não significa uma autorização ao possuidor a força bruta.

Por ser um direito a resistência é uma possibilidade que o possuidor dispõe de realizar o sentido original da fundação do Estado e do direito - garantir a liberdade. Note-se que a norma refere-se ao possuidor. Assim, aquele que está na posse direta da coisa pode lançar mão desta possibilidade contra o proprietário e o Estado. Representa que o direito de resistência do desforço imediato é uma garantia contra as arbitrariedades do Estado e eventuais espectros totalitários.
A ocupação de terra é a própria realização deste direito, frente ao não proprietário e não possuidor - aquele que não exerce a função social da propriedade e da posse - e frente ao Estado - que não realiza a reforma agrária e que defende militarmente os "não-proprietários" e "não possuidores".

Luiz Otávio Ribas - professor de filosofia do direito e assessor jurídico popular.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Sobre os crimes, a subjetividade e o limite

Qual o crime que deixou de ser praticado porque existe uma lei?


Na prática, ninguém deixa de praticar um crime em função da existência de uma lei. Isto é, os motivos que levam alguém a cometer um crime, na maioria das vezes, ou coloca a lei apenas como um dos elementos a ponderar, ou age por impulso, violenta emoção ou raiva. Os estados alterados da percepção do homem o coloca diante de situações limite, onde fica suscetível aos seus caprichos, desejos e paixões.
A lei é uma das formas de inscrever no sujeito o limite. O homem em sociedade para ser livre necessita do limite. O limite é inscrito pela lei interna (ética), influenciada pelas vivências do sujeito, seu histórico de vida, as repressões sociais, seus traumas etc.

O próprio Estado ao agir de forma ilegal e impune cria as condições para a desordem e o arbítrio. Os agentes pedagógicos (ideológicos) de controle social, como a própria sociedade, o Estado e o sujeito, mesmos instauram a desordem. Isto é irreversível, não existe paz perpétua, assim como não existe desordem perpétua. O homem precisa reconhecer-se como potencialmente criminoso. Sua disposição para a ordem é a mesma da desordem. Na maior parte das vezes é sua disposição para a ordem que instaura a desordem. O homem precisa ter consciência de sua disposição para a desordem.
O direito serve para organizar e administrar conflitos. Na maior parte das vezes para instaurar novos conflitos. Há um sentido dialético no conflito. A intervenção de um ente abstrato superior é necessária, tanto quanto dispensável. Para tanto, precisa tomar consciência o homem de que o conflito precisa ser enfrentado, e não extinto, ou agravado, por outro.

Luiz Otávio Ribas - professor de filosofia do direito e assessor jurídico popular.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Manda pro pessoal no ERENAJU Teresina

Neste feriado acontece em Teresina o XII Encontro da Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária.
Em novembro de 2009 eu e o Ricardo Pazello fomos convidados para um oferecer um minicurso sobre "Crítica do direito", já relatado por aqui.

Tivemos muitos debates intensos naquela ocasião, aproveito a proximidade do ERENAJU para pontuar alguns. Estou escrevendo um artigo maior que é uma reflexão sobre a Carta-programa da rede, em breve divulgo por aqui.

Uma questão fundamental é a contribuição de Marx para o direito. Como disse nosso companheiro lúdico Lucas, do Coraje, "achei que não valia a pena estudar Marx, mais-valia".

Gostaria de relembrar a proposta conjunta apresentada por nós, de que a RENAJU pense a estratégia a partir dos seguintes pontos:
Assessoria jurídica popular - resistência
Cooperativismo popular - trabalho
Movimentos populares e sociais - organização
Universidade e educação popular - formação

A assessoria jurídica popular constitui numa ferramenta de resistência contra as arbitrariedades do Estado e suas omissões em relação à violência com os movimentos sociais. Pensada e praticada de forma isolada dos outros pontos propostos esta perde força. É necessário que seja pensada conforme a estratégia de Miguel Pressburger com o direito insurgente: ao tempo que é resistência ao instituído, é instituinte do novo dentro do velho.
O cooperativismo popular representa uma alternativa de trabalho da classe-que-vive-do-trabalho. A superexploração do trabalho no capitalismo é uma barreira a ser transposta por nossa geração. Quando é que iniciaremos o debate da autogestão e autofinanciamento?
Os movimentos populares e sociais são sujeitos da transformação. Lembrando a diferença proposta pelo Pazello, de que os movimentos populares são espécies de movimentos sociais, com o diferencial de apresentarem uma proposta econômica factível e contraposta ao capitalismo.
A universidade e a educação popular compõem a comunicação de uma educação como prática para a libertação. Não basta pensarmos em projetos de extensão de educação popular na universidade tradicional. É preciso pensar radicalmente o projeto de Paulo Freire em relação a universidade popular, institutos de estudos da América Latina, alfabetização infantil, alfabetização de adultos e a educação popular.

Gostaria de desejar um excelente encontro a todas e todos!

Belchior já dizia em "velha roupa colorida":
"Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
E o que há algum tempo era jovem novo
Hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer"

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Revista Captura Críptica - nova edição


A revista Captura Críptica: direito, política, atualidade lançou seu volume referente ao 2º semestre de 2009.

É a revista dos discentes do Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, que acolhe contribuições de estudantes de graduação e pós-graduação, bem como profissionais, militantes de movimentos populares e interessados em geral no problema da crítica jurídica.

A atual edição traz trabalhos interessantes de diversos matizes, com destaque para o tema de nosso blogue, no artigo:

Limites e perspectivas da Extensão Universitária: um olhar a partir da Assessoria Jurídica Popular, por Rosa Maria Zaia Borges Abrão, Christine Rondon Teixeira, Giovani Tavares Bruscato, Joana Cavedon Ripoll e Luciana Araújo de Paula

Também, as contribuições dos blogueiros:

Saudade e revolução, por Ricardo Prestes Pazello



Entrevista: O logos peregrino da interculturalidade na filosofia da libertação latino-americana, Antonio Sidekum, entrevistado por Luiz Otávio Ribas, Liliam Litsuko Huzioka e Ricardo Prestes Pazello


A ética da libertação no álbum “Carioca”, de Chico Buarque: um diálogo filosófico-musical, por Ricardo Prestes Pazello



Ainda, são destaques a publicação de texto inédito de Adelmo Genro Filho (já citado aqui neste blogue) e a tradução de uma conferência de Enrique Dussel em Florianópolis, promovida pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos-IELA/UFSC:

Violência, política, poder e Estado: reflexões preliminares, por Adelmo Genro Filho


Vivemos uma primavera política, de Enrique Dussel - tradução de Elaine Tavares


Boa leitura a todos!

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Entre dois céus: a tensão congênita ao "jurídico"

Neruda dizia: "nunca recordaremos haber muerto". Benedéti, por sua vez: "yo ya no estoy para dos cielos/ apenas uno y ceniciento".

O debate que costumava acalentar os estudantes rebeldes e motivar os novos trabalhadores do direito, acerca de uma teoria jurídica crítica, parece que se desvaneceu. Nunca, de fato, conseguiu lograr êxitos práticos dignos de recordação, a não ser por ter se constituído em uma possibilidade histórica, com alguns adeptos na academia e outros no judiciário.


Talvez, nunca consigamos lembrar que já morremos. É muito duro para os estudantes comprometidos com uma transformação social, das faculdades de direito, aceitar isto. Mas é preciso ir cavando a cova, pois nossos heróis, apesar de ainda serem os mesmos, já morreram de overdose - podendo-se entender bastante anchamente esta tal "superdose".


Depois de cerca de 20 anos do "movimento de direito alternativo" no Brasil, muito pouco se avançou, a não ser em um apego incontido pela letra constitucional, que não deixa de ser - com bastante infelicidade - um apego justificado, quando pensamos que temos mais de resistir que de superar no âmbito do direito. Digo-o não por mero pessimismo ou causalismo filosófico. Ao contrário. Não podemos, em nome de nosso esforço criativo, apagar com uma borracha a realidade: a assimetria entre o poder do direito que nos obriga a resistir comparado ao direito que nos facultaria uma sua superação é muito grande. O direito dos opressores - para usar uma expressão, "opressor", que não deveria cair em desuso - é muito mais poderoso que o direito dos oprimidos - também envidando antônimo sempre lembrável. E digo "mais poderoso", e não "mais resistente", porque é de poder mesmo que se trata. Resistente o direito dos oprimidos sempre foi. Se existe de verdade um tal direito - e muito se pode discutir sobre isso! - é por conta de sua resistência. Mas poder mesmo, o poder que as estruturas reivindicam e que informam, como sussurros ao pé do ouvido, as ações do quotidiano, este ainda está longe de ter vida própria.


Daí que chegamos à mais evidente conclusão (evidência, diga-se de passagem, sempre suscetível de críticas - contanto que não se perca em abstracionismos lingüísticos ou individualismos possessivos, ou seja, que não ponha de lado a realidade): há uma tensão congênita ao âmbito do "jurídico". Uma dualidade que cobra feições, hoje em dia, de pluralidade crítica. Ninguém quer nossas estruturas políticas assim como estão - e o direito é parte, logo todo, desta estrutura mesma - mas ninguém quer, igualmente, engajar-se em uma contra-estrutura convincente. Cada um com sua crítica, mas com alguma coisa em comum: não superar a crítica.


Pois bem, creio que não é totalmente descartável esta crítica. Ela nos dá a dimensão do enfrentamento necessário, ainda que não levado a cabo. Na resistência, portanto, já uma superação. E assim caminhamos na amarga dialética do reconhecimento de nossa "impotência" (assimetria de poder). Mas é do escuro que rompe o sol e este nasce sempre e não tardará a amanhecer. Não tardará amanhecer a menos que estejamos em uma escala de tempo em que 500 anos (para ficarmos no choque fundador da in-ocidentalidade latino-americana) sejam apenas alguns segundos. Como cremos que vivemos um tempo que se caracteriza pela aceleração da aceleração, quiçá não seja demasiado romantismo pensar no alçar vôo da coruja de Minerva causídica. Mas é algo sempre duvidoso...

Enfim, gostaria de compartilhar, com os leitores deste espaço de reflexão acerca da assessoria jurídica popular, dois textos que mostram, em alguma medida, este panorama. E o fazem no epicentro do direito posto, mesmo porque o direito de-posto (para lembrar a feliz crítica de um Válter Bênjamin) demandaria, realmente, uma alteração de todas as estruturas conhecidas e até mesmo a da linguagem ("direito", expressão tão carregada de sentido, parece querer normalizar impositivamente, não é mesmo?). Por um lado, as contra-marchas da reflexão acadêmica, com "A contra-revolução jurídica", de Boaventura de Sousa Santos, dando uma perspectiva sintétitca do que se vem gestando no judiciário brasileiro, de peias soltas e sem nenhum grande movimento que consiga obstaculizar (ô, palavra terrível!) esta avalancha reacionária. Por outro lado, a entrevista de Marcelo Pedroso Goulart, dando a cara para bater para a grande mídia nacional, setor o qual - como diria um amigo piauiense - ficou "aguniadim" com a vermelhidão e o frêmito do discurso do promotor do Ministério Público.


No entanto, o que sobra desses dois lúcidos (há de se reconhecer!) depoimentos é sua (sua porque nossa) falta de meios de eliminar a assimetria que embase a tensão, a dualidade, do "jurídico". De um lado, o vigente; de outro, o alternativo. O problema é que o lado de lá tem a realidade empírica a lhe acompanhar, ao passo que o lado de cá só tem algumas palavras, e olhe lá! É preciso aumetar o fosso e fazer com que o lado de cá venha mais para cá ainda, superando a letra fria da filosofia porque indo em direção à práxis, sem nunca deixar de resistir!


Por fim, os dois poemas dos latino-americanos Pablo Neruda e Mário Benedéti, para que nos iluminem, ainda que apenas com palavras, os descaminhos de nossa crítica:






Los nacimientos
(Pablo Neruda)


Nunca recordaremos haber muerto.


Tanta paciencia
para ser tuvimos
anotando
los números, los días,
los años y los meses,
los cabellos, las bocas que besamos,
y aquel minuto de morir
lo dejamos sin anotación:
se lo damos a otro de recuerdo
o simplemente al agua,
al agua, al aire, al tiempo.
Ni de nacer tampoco
guardamos la memoria,
aunque importante y fresco fue ir naciendo;
y ahora no recuerdas ni un detalle,
no has guardado ni un ramo
de la primera luz.


Se sabe que nacemos.


Se sabe que en la sala
o en el bosque
o en el tugurio del barrio pesquero
o en los cañaverales crepitantes
hay un silencio extrañamente extraño,
un minuto solemne de madera
y una mujer se dispone a parir.


Se sabe que nacimos.


Pero de la profunda sacudida
de no ser a existir, a tener manos,
a ver, a tener ojos,
a comer y llorar y derramarse
y amar y amar y sufrir y sufrir,
de aquella transición o escalofrío
del contenido eléctrico que asume
un cuerpo más como una copa viva,
y de aquella mujer deshabitada,
la madre que allí queda con su sangre
y su desgarradora plenitud
y su fin y comienzo, y el desorden
que turba el pulso, el suelo, las frazadas,
hasta que todo se recoge y suma
un nudo más el hilo de la vida,
nada, no quedó nada en tu memoria
del mar bravío que elevó una ola
y derribó del árbol una manzana oscura.


No tienes más recuerdo que tu vida.








Dos cielos

(Mario Benedetti)


Clausuro el portalón del año viejo
pero queda una tímida rendija
por donde miran
tiernos y del sur
los ojos blancos de mis muertos
con sus revelaciones que no cesan
y que presumo no van a cesar


crisis, cartas, latidos inocencias
intentar deslizarse al año virgen
pero hay otras y otros

que prefieren quedarse
insomnes en su sábana
bajo un cielo ya antiguo


sé que el sol es el mismo

que la lluvia y los hongos
son los mismos
pero el futuro es otro
más compulsivo y árduo
con épocas que están
aún por inventarse


no obstante en la rendija
inútil del pasado
hay árboles maltrechos
infancias distraídas
mares verdes y náufragos
pájaros que desmienten el olvido
y otros cielos sin nubes
a punto de entreabrirse


quisiera estar a solas
en ese parque años de tristezas
que conozco cantero por cantero
pero cada lugar tiene su tiempo
cada tiempo su marca
cada desolación su maravilla


tengo el futuro a mis espaldas
alevoso y falaz
incalculable
lo oscuro venidero me persigue
con su propuesta de cenizas
y su cielo velado
el de costumbre


sin embargo es hora de admitir
que a mis ochenta bien cumplidos
yo ya no estoy para dos cielos
apenas uno y ceniciento

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Lamentação Ecológica*


Fiquei acompanhando, durante essas duas últimas semanas, mais uma tentativa de se fazer com que a comunidade internacional, capitaneada por representantes de cada país- membro da Organização da Nações Unidas, decidisse tomar para si a missão de tentar minorar o efeitos do aquecimento global. O que pôde ser observado após todos esses dias foi, mais uma vez, a vitória do pensamento econômico egoísta e irracional, sobre todos os demais valores, incluindo aí a própria vida.

Há cerca de trezentos anos (há controvérsias), a humanidade vive um sistema que aparentemente tem o potencial de lhe conceder as benesses do desenvolvimento tecnólogico, lhe permitir criar meios de retirar da natureza o máximo que ela pode oferecer, possibilitando uma vida longa e qualitativamente boa para os indivíduos. Pelo menos essa foi a panacéia que nos foi vendida/imposta. Não preciso lembrar que o remédio miraculoso serviu para uns poucos privilegiados e a sérios custos. Certamente não viram todos os seus prometidos efeitos, a maioria do um bilhão de indianos, ou a maior parte dos habitantes do continente africano, ou mesmo, a grande maioria da população brasileira. Para estes, somente os efeitos colaterais. As injustiças do sistema ultrapassaram, então, a esfera do estritamente humano. Some-se agora às desigualdades sociais que tristemente já conhecíamos, os graves problemas ambientais que enfrentamos ( e ainda enfrentaremos). E o mais cruel dessa nova velha realidade, é que aqueles que sempre sofreram com o sistema vil, também serão os primeiros a sofrerem as consequências das mudanças climáticas.

A obviedade que estou tentando apontar é esta: o sistema que adotamos como norte para nossas vidas e que hoje está provocando a destruição do único lugar de todo o universo já conhecido em que nossa espécie pode habitar, na verdade nunca foi benéfico para a grande maioria dos seres humanos. E ainda sim, nos custa abandoná-lo, mesmo que agora ele esteja a ameaçar a existência de todos.

O exercício a ser feito, caso ainda se queira tentar salvar algo deste planeta já em rota de colapso (para nossa espécie, porque graças as forças da Existência ele resistirá a nós), requer uma revisão total da nossa forma de ver o mundo, o outro e a nós mesmos. A percepção da nossa relação com o mundo deve ser tal que finalmente permita nos enxergar como integrantes desse grande sistema natural que é a Terra, que nos afeta e por nós é afetado (visão holística). No que se refere a concepção do outro (alteridade), a nova postura quanto a ele deve nos permitir ver esse outro como um indíviduo tão digno de respeito quanto eu mesmo, além de termos em mente que ele não é somente o meu filho, o meu irmão, a minha mãe ou o meu vizinho, mas é também aquele desconhecido que mora em Tuvalu que vai ter a casa onde viveu toda a sua vida tomada pelas águas do mar. O outro pode ser, ainda, planta, animal (outros) e demais seres vivos que desaparecerão por conta das alterações de clima do planeta. Ou seja, o outro é a Vida, em qualquer de suas manifestações. E por último, mas na verdade, a primeira das mudanças que devem ocorrer, está a reavaliação de nosso modus vivendi, o que inclui uma tomada de consciência a respeito de si mesmo, enquanto ser existente na comunidade local e no mundo. O bom, velho e útil conselho dos ecologistas: pensar globalmente e agir localmente, mas de uma maneira muito mais profunda, de modo que provoque uma verdadeira mudança de paradigma pessoal. Como podem perceber é um exercício de transformar o dever-ser em ser, de modo que não se possa chegar a diferenciar um do outro.

É difícil? Dificílimo! Mas talvez, isso mesmo, talvez, com a mudança nesses três eixos apontados, nossos filhos (não mais netos!), ainda possam desfrutar de alguma das preciosidades naturais que usufruímos neste nosso planeta- como água potável! Pelo menos algumas, porque outras, como a bela Tuvalu (que ainda não tive a oportunidade de conhecer e provavelmente não terei), o Ártico, juntamente com seus ursos polares, já não mais existirão quando nossos filhos tiverem idade para compreender a catastrófe que se abateu sobre a Terra e na qual tivemos um papel determinante.

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Vi muitos comentários nos jornais televisionados e em sites na internet, tentando acalentar seus telespectadores lembrando que, mesmo sem um acordo internacional com força legal (que era o que deveria ter acontecido na Conferência de Copenhague- COP 15), cada um poderia fazer sua parte. Vi, também, o governador da Califórnia (EUA) defender o papel dos estados/províncias na política ambiental, em detrimento da atuação do Estado/país. Pareciam dar como perdida a ação conjunta dos países na tentativa de se diminuir os efeitos do aquecimento global e não piorar a situação que já está grave.

Nesse ponto eu discordo completamente destes que mencionei.

O indivíduo e os estados/províncias devem sim tomar parte nessa luta. Mas o Estado possui uma estrutura já pronta para o tipo de ação que se deve adotar em casos emergenciais como esse. Negligenciar seu poder é corroborar com a manutenção de políticas destrutivas do meio ( e do ser humano!), já que muitas vezes é o próprio Estado que incentiva práticas que geram impacto excessivo sobre o ambiente. Além disso, o Estado teria meios efetivos de funcionar como catalisador das ações que devem ser tomadas. O governo de cada Estado poderia direcionar as práticas de cada país rumo a novos valores, atuando junto com as outras esferas, mais o indivíduo, que é a peça-chave da mudança. A ação deveria ser conjunta. De que adianta as ONGs ambientais divulgarem a importância de se andar de bicicleta e de transporte coletivo, se o governo, para estimular a economia destrutiva que temos hoje, deixa de cobrar o IPVA de carros e motos- aumentando o número de veículos poluidores nas ruas? Ou ainda, nem chega a fornecer a opção do transporte coletivo à população? Contudo, a economia não tem que parar para que as medidas de combate ao aquecimento global sejam implementadas, mas ela deve, sim, passar por uma profunda revisão de seus métodos de atuação e do objetivo de sua existência, que acredito, não deva ser almejar o fim da espécie humana.

Mas parece que vai acontecer aquela mesma cantilena já conhecida dos movimentos sociais e mais ainda pelos despossuídos deste nosso planeta, ainda mais sabendo que, no final das contas, são os mesmo atores envolvidos, desde sempre.

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Uma justificativa:

Passeei por lugar-comum. Sei disso. Fui ingênua em muitos momentos? Provavelmente. Mas não dava para ficar calada ante o mais do mesmo. Os argumentos que sugerem soluções não mudam, sendo basicamente os mesmos desde a identificação do problema, porque simplesmente tem-se a impressão de que sequer foram tentados... Vide data do poema abaixo, que entitula este desabafo, dois anos após a Conferência de Estocolmo, a primeira a tratar da problemática ambiental:

*Lamentação Ecológica

Ah! Essa dor de corno pelo que vai se perdendo.
os rios revoltados,
o poluído coração das águas.
A lua devassada
o luar desaparecido num tempo todo morto.
Um canto um chamado de pássaro.
A migração das marrecas
a maturação das mangas.
O tempo despercebido.

Essa dor renitente por tudo que vai mudando
a lenta extinção das espécies nos Jardins
Zoológicos.
O mar insatisfeito,
a luz envenenada,
a derrotada defesa do ozônio.
Estrelas turvas, terras tristes
onde se planta a vanguarda do deserto.
A chuva, ácida, que não acorda os campos,
Até o amor
só lembrança
do que não existiu.

Essa dor de tudo que o homem
e outras forças da natureza
vão destruindo.

H. Dobal- Efhemera- 1974

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Biblioteca digital da assessoria jurídica popular

Constam no sítio "Scribd" os seguintes textos sobre assessoria jurídica popular.

RIBAS, Luiz Otávio. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos populares.


BALDÉZ, Miguel Lanzellotti. Sobre o papel do direito na sociedade capitalista: direito insurgente. Petrópolis: CDDH, 1989.

PRESSBURGER, Thomaz Miguel. Direito, a alternativa. Em: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL-RJ. Perspectivas sociológicas do direito. Rio de Janeiro: OAB, 1995.


O Instituto Apoio Jurídico Popular - AJUP (1985-2002) foi grupo de assessoria jurídica popular no Rio de Janeiro.


A coleção "Socializando o conhecimento" foi uma forma de distribuir conhecimentos sobre questões de terra rural e urbana, críticas e contribuições.

INSTITUTO APOIO JURÍDICO POPULAR. Discriminatória de terras públicas. Rio de Janeiro: AJUP/FASE, 1986. Coleção “Socializando conhecimentos” n. 1

PRESSBURGER, Miguel. Para conhecer Desapropriação. Rio de Janeiro: AJUP/FASE, 1987. Coleção “Socializando conhecimentos” n. 3


A coleção "Seminários" foi composta por publicações de artigos, teses, conferências, para divulgação de assuntos e fundamentos polêmicos sobre o Direito, a Justiça, a Advocacia e a Magistratura.

RECH, Daniel; PRESSBURGER, Miguel; ROCHA, Osvaldo Alencar; TORRE RANGEL, Jesús A. de la. Direito Insurgente: o direito dos oprimidos. Rio de Janeiro: AJUP/FASE, out. 1990. Coleção “seminários”, n. 14

CAMPILONGO, Celso; PRESSBURGER, Miguel. Discutindo a assessoria popular. Rio de Janeiro: AJUP/FASE, jun. 1991. Coleção “seminários”, n. 15

SOUZA MARTINS, José; FARIA, José Eduardo; CARVALHO, Eduardo Guimarães; PRESSUBURGER, T. Miguel. Discutindo a assessoria popular – II. Rio de Janeiro: AJUP/FASE, out. 1992. Coleção “seminários”, n. 17

ALFONSIN, Jacques Távora; RUPESINGHE, Kumar; KEKANA, Noko Frans. Direitos Humanos. Rio de Janeiro: AJUP/FASE, mar. 1993. Coleção “seminários”, n. 18

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Da forma, exegese e desnumeração


Inspirado pelo general Ribas, vasculhei minha gaveta e encontrei um desbocado poema empoeirado que vem a calhar em nossas conversas, preliminares da novidade que temos de gestar. Escrito entre 2006 e 2007, os versos se me apresentam como as gravuras de Poti Lazaroto, meio ingênuas meio provocadoras... Será que alguém se sente inter-ferido?
Da forma, exegese e desnumeração ou Preliminares

De terno, gravata, soneto e bravata
Há sempre alguma sílaba a sobrar
Soçobrando o poema de alma de lata
Calando a luzidia razão de bazar

Maldito fonema que a boca não mata
Pudico sistema – caduca ao fechar!
Mesuras de néscios, arrotam cascatas
Os leguleios da morte e do azar

De terno, gravata, e mais sonolências
Ambulam canastras do meta-poema
Mas eu – quem não sou? – de grandiloqüências

Estou farto: que escorram estratagemas
Que fujam as tônicas, a sapiência
E com elas as mil rimas exegéticas de quem só sabe interpretar os papéis:
Floema, xilema...
Ciência, condolência.
Ipanema, Borborema...
Ardência, imanência.
Ema, siriema...
Florência, transcendência.

Quem nunca viu a puta que o pariu?
Quem não pariu direito perdeu o espetáculo
Das rimas – trinadas, sobejas, pandectas...
Nada de arte nos freáticos seios da mãe-lei
Nada de sorte no colo da seita “demolei”
E que o grande arquiteto faça restar
Nas bases de seu edifício imaginário
Infra-estruturas vicejadas pelo cardápio romano da perfeição
Frases churchilianas dizem menos que o espasmo de dor daquele que não mora e não come e não dorme e não brinca e não se delicia com os versos de Eliot.
Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
Lancelot não se vê daqui
Só de além-mar
Por cá, apenas a longínqua língua abanheenga a nos embalar

E me perguntariam os poucos sonâmbulos
De certo, mui acordados e mais do que os zumbis
Do corre-corre do carrefur do corredor central da cidade:
- O que me diz, amigo?
Procliticamente,
Lhe digo que as luzes piscam e acendem nosso consumo
Lhe digo que os tímpanos preferem dó-fá-sol
Lhe digo, amigo, o enxofre exala de nossos fundilhos a cada vez que a mais ligeira das refeições nos nina os afazeres das tardes burocráticas
Ainda, que a minha ptialina tarda a encontrar a de Camões
E que a minha pele arrepia ao menor encontrão sem desculpas...
Lhe digo, em fim amigo, que as sentenças ditam e que os sentidos batem continência!
Plá!

Quisera eu ser Cortázar
“Mas não posso cantar como convém”
Quimera, som de Quásar
“Sem querer, sem querer ferir ninguém”
Sou apenas o que sou, a quizomba
As estrias do velho continente
O direito das antigas famílias
E a poesia do lugar nenhum...
Sou a utopia em sua mais germinal feição
Pois só será nascitura quando houver a permuta
Do eu pelo nós, da dor, pela noz
Da perua pela puta
E dos síndetos pelo infinito.

Ah, quem dera continuar e falar de minh’alma
Mas o espanto é breve e o desconforto, contínuo
Nas anchas e antigas memorialidades
Referiam-se a nós, entes a demandar iluminação,
Como emperuados
Chimarrões a serem tosquiados e expulsos do novo
Para nós, o diferente só como novação
Parvoalidades de contratos em espécie de pau-no-cuzismo
Mentalidades de quermesse do imutável
Véspera dos hierarcas, dos petrarcas e do onanismo.

Da biblioteca "Poesia crítica do direito"

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Recompensa do tédio / Utopia


Para exorcizar o Prates e "baixar" o espírito de Prestes, entoarei dois poemas curtos como o calibre de minhas palavras. Foram sentidos e escritos em março deste ano.

Recompensa do tédio

Recompensa do tédio
Apatia na madrugada
Cansaço da semana
Rotina que se repete
Quando iremos nos salvar

Barulho e bagunça
Cortejo dos célebres
Enterro da crítica
Flores para o músico



Utopia

E a multidão então um dia despertou
Mas já não havia aquele rancor de outrora
Agora valia a paixão por outro amanhã
A comunhão de vontades e de esforços

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sítio da revista Captura Críptica


Conheçam a revista discente do CPGD/UFSC "Captura Críptica: direito, política, atualidade".

A Captura Críptica recebe contribuições de estudantes, professores e profissionais, de todas as áreas do conhecimento e arte.

As contribuições podem ser textos artísticos, de opinião ou "científicos". As seções envolvem artigos, entrevista, traduções, verbetes e resenhas.

O foco são contribuições sobre o direito, a política, e a atualidade, com abordagens críticas.

O material pode ser enviado para o e-mail envio.captura@gmail.com, as regras de formatação constam no sítio www.ccj.ufsc.br/capturacriptica.

Não deixem de conferir nas duas primeiras edições as contribuições dos blogueiros:


por Ricardo Prestes Pazello

por Luiz Otávio Ribas

por Felipe Drehmer e Ricardo Prestes Pazello

por Luiz Otávio Ribas

por Ricardo Prestes Pazello



por Ricardo Prestes Pazello

Jesus Antonio de La Torre Rangel, entrevistado por Ricardo Prestes Pazello e Luiz Otávio Ribas

Artigo: Interdisciplinariedade e assessoria jurídica popular universitária: limites e possibilidades para a construção de uma agenda de extensão popular em direito.
por Eduardo Pazinato da Cunha e Iagê Zendron Miola

por Ricardo Prestes Pazello

por Luiz Otávio Ribas

por Diego Augusto Diehl