segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A formação de uma casta

A formação de uma casta

(que ajuda na tantalização de um mundo)



Imagem do filme “Pink Floyd The wall” (1982- A. Parker).


O texto abaixo foi coletado sorrateiramente da cabeça de uma desconfiada participante de uma solenidade de entrega da carteira da ordem dos advogados, enquanto a moça recebia o documento quase mítico...

“A sacralização das vestes formais, a ostentação do anel, uma solene promessa. A afirmação das normas enquanto tais como ontologia do mundo. Atos que contribuem para manter a bacharela, recém- advogada, numa ilusão de pedestal, afastando-a - ou tentando afastá-la- dos contornos do mundo de cheiros, cores, sons e também de terra e suor que a cerca.

‘Estamos todos realmente acreditando nestes discursos proferidos do alto daquele púlpito? Justiça, igualdade. Acho que já ouvi isso antes...’

Hostes de bacharéis-zumbis para manter as veleidades do nosso sistema e não só o jurídico. Sistema imperfeito, porque humano. A consciência desta imperfeição, contudo, deveria ser um motor a nos impulsionar, a sempre buscar superar as falhas, as injustiças que percebemos. Mas como percebê-las, se estamos imersos num mundo de ritualizações (e trato do jurídico) que distanciam o ser-humano-bacharel, do ser humano que ele mesmo é, oferecendo-lhe uma imagem distorcida e homogeneizada de si mesmo? Isto termina por refletir na própria visão de mundo que aquele indivíduo tem, já que ele é o ponto de partida de tudo o que (indivíduo-mundo). Imensa contribuição ao solipsismo que parece inerente ao direito.

Claro que nem todos optam por utilizar a nova máscara institucional de modo acrítico- e ao longo da vida podemos utilizar várias delas, umas para esconder e outras, paradoxalmente, para revelar. Mas há aqueles que parecem ansiar anos para obtê-la sem, contudo, preocupar-se em manter viva a face que há por baixo dela. Parecem não notar (e eu gosto de pensar que é um tipo de cegueira momentânea da qual nenhum de nós livre está) que agindo deste modo, contribuem para a manutenção daquelas falhas e injustiças.

‘Como eu detesto estas vestes formais...’

Formalidade sem substância gera permanência do mesmo, numa teia de ilusões que num primeiro momento parece até beneficiar a um determinado grupo, mas que, de fato, destrói a todos com a imobilidade, com a apatia, com o conformismo. A própria morte do novo que nem sequer teve chance de ser cogitado.

Se é que ainda é para se querer o direito e, sim, nós “o temos” no aqui e agora, poderíamos pensar numa forma de ser do direito sem tantos rituais, ou ainda com eles, mas desmitificados, desnudados, com seus participantes mais próximos de tudo e todos. Um rito de aproximação e não de distanciamento como o que se vivencia nos anos de graduação, na formatura ou no recebimento da carteira da ordem dos advogados, como esta cerimônia de agora. E estes são apenas alguns dos incontáveis momentos da ritualização castradora que o direito insiste em impor.

‘Por que eu tive que me submeter a isto?’

Neste ponto é de se pensar na relevância da proposta do Luís Alberto Warat, ainda nos idos anos 1980, de carnavalizar o direito: trazendo elementos da informalidade e espontaneidade do social para os ritos do jurídico. Uma das muitas aplicações possíveis de sua deliciosa sugestão, a fim de “sublimar a parte maldita da cultura jurídica.” (A ciência jurídica e seus dois maridos). A carnavalização como instrumento de se evitar a tantalização do mundo praticada pela permanência do mesmo. Em vez de tantalização, concretização.

Como posso cogitar qualquer esboço de transformação se estou presa a tais rituais absurdos que aclamam o velho como novo, o mesmo como necessário, como inquestionável, como imutável, atando minha mente e entorpecendo-a para que eu não possa sequer notar as amarras que me prendem astuciosamente num emaranhado de padrões de comportamento e linguagem institucionalizada, que confirmam uma hierarquia sufocante e mantenedora de práticas deletérias?

‘Tudo passou como num longo filme ruim. A cerimônia está perto fim, mas o fluxo de pensamentos continua. Agora é hora de receber a carteira e posar para a foto ao lado da minha querida mãe e dos ‘famas*’ que me sorriem... Somos todos ‘famas’ ali? “

E foi isso que se conseguiu extrair da confusão que era mente daquela testemunha-participante do evento. Alguns pensamentos foram perdidos, isto é fato, e outra parte estava initeligível- marcada de sensações, não foi possível transcrevê-las. A mente humana realmente não é um livro para ser lido, pelo menos não linearmente... **


*Para saber sobre famas, cronópios e esperanças, ler o segundo capítulo d“A ciência jurídica e seus dois maridos”, Warat, capítulo que recebeu o nome de: ”Balada para um ‘cronópio’: o canto da sensibilidade”.

**E este texto montado numa sistemática um tanto esquizofrênica teve como norte a própria experiência da cerimônia jurídica pela autora, associada às lembranças da leitura do livro “Carnavais, malandros e heróis” do Roberto DaMatta e mais os escritos do Warat, especialmente “A Ciência Jurídica e Seus dois Maridos”. O subtítulo é uma homenagem ao poeta piauiense H. Dobal, que gostava muito desta incrível palavra: “tantalizar.”

domingo, 5 de dezembro de 2010

Universidade popular na América Latina (3)


Após ter estabelecido um ponto de partida mínimo para a discussão sobre a universidade popular entre nós, creio ser este terceiro tempo de jogo o mais propício para me aproximar das possibilidades de realização e apoio de um projeto popular de difusão do conhecimento. Certamente, este sempre é o momento mais aguardado para todos os que sentem que o tempo urge e que não temos tempo a perder nem leitura a se gastar com historietas e gnosiologismos. Nesse caso, confesso que não segui o caminho ortodoxo do materialismo histórico. Deveria tê-lo feito, porém. Isto porque o início de meus comentários, pela tradicionalíssima abordagem histórica, levou-me a ser criticado e até mal interpretado, já que não trouxe, desde o princípio, a concretude dos fatos que faz a todos pôr os pés no chão e conhecer, de saída, onde se pode chegar. Independentemente disso, sempre é tempo de resgatá-los e, assim, transformo o caminho a partir do passado de experiências (primeira postagem) e do legado de teorias (segunda postagem), para agora chegar ao contemporâneo. Inevitavelmente, terei de ser sucinto, mas sigamos apesar de isso.

Como disse no início, há uma categorialização possível a partir da analogia com a alternatividade jurídica. O conjunto de teorias críticas do direito deu à luz várias posturas teórico-práticas: plurais, alternativas e insurgentes. Em três lentes, especialmente, podem ser vistas: o positivismo de combate, a partir do que se lança mão da técnica jurídica e do discurso hegemônico para levar às últimas conseqüências sua fraseologia democrática e coletivista; o uso alternativo do direito cuja formulação incide, mormente, em uma nova hermenêutica jurídica, fazendo com que a técnica não só aprofunde o que diz mas que diga mais do que se costuma dizer; e o direito alternativo ou pluralismo jurídico, em que se percebe o intuito de instauração de um contra-direito ou o encontro com direitos outros para além de o oficial, tendo por grande contribuição demonstrar os severos limites de uma atuação estatalista, ainda que isto não signifique, necessariamente, rejeição plena do estado.

Pois bem, esta tão bem conhecida tripartição me inspira, aqui, a uma analogia, ainda que esta de forma alguma pretenda-se sucessora da originária. Quero dizer, não é pelo fato de a inspiração ter surgido dos debates jurídico-políticos que sua aplicação no bojo da universidade popular deva significar que esta vem à reboque daqueles. Não e talvez o contrário. O direito não é a vanguarda de um processo de transformação social. E ainda que a educação pura e simplesmente também não o seja, ela virá, para os fins de minha reflexão, no mesmo passo que um novo modo de vida. Só assim para fazer sentido, lastreada pela visão total, a analogia que concebe uma universidade de combate, um uso alternativo da universidade e uma universidade alternativa ou insurgente. Três elementos mediadores para a compreensão da universidade popular hoje.

1) Universidade de combate

Em primeiro lugar, encontro na resistência universitária de hoje o germe para se pensar, ainda que diacronicamente, a universidade popular. Mesmo que soe demasiado sistemática e um tanto hermética a classificação que proporei a partir de agora, vou fazê-la a fim de que se torne mais didático meu discurso, não só para os que me lêem, mas para mim mesmo.

Antes de mais, é preciso ressaltar os dois grandes critérios que darão a liga para uma universidade popular com lastro na totalidade: o protagonismo estudantil e a vinculação com as classes populares. Na verdade, mais que protagonismo, pois que uma investida de autogestão institucional, em que todos aprendem e todos educam; e mais que vinculação, porque serviço, em função e a partir de as massas, é que se deve construir o horizonte da universidade popular. Sem isso, fica-se à mingua de projetos intelectualistas, por mais bem intencionados que sejam, descolados e desterrados com relação às verdadeiras necessidades da classe-que-vive-do-trabalho.

Dito isto, começa a fazer sentido o primeiro flanco em que se pode atacar a questão o problema dos conteúdos. O ato pedagógico é sempre político, assim como todo ato político também ensina. A revolução que não for dialógica, será antidialógica, e nesse momento terá perdido boa parte de sua potência. Por isso, é importante cultivarmos uma universidade de combate, tal qual nós a temos hoje. Penso que esta combatividade se escora em duas grandes formas de realização do conhecimento: pela mobilização política (não só em prol de melhores condições de ensino-aprendizagem, mas também em apoio a demandas extrauniversitárias relacionadas ao povo e aos trabalhadores); e pela busca de conteúdos insurgentes e contra-hegemônicos, em conformidade com a pauta de descolonização e libertação a que estamos premidos.

Vários são os limites deste primeiro âmbito da universidade popular. O primeiro deles é a inexistência de um projeto genuinamente autônomo de realização dela. A princípio, inclusive, ele não é desejável, uma vez que nos falta capacidade para gerir e administrar a universidade de forma a implementar a transição de uma universidade tradicional para uma popular. Seria aventureiro, a meu ver e hoje (ainda que isto gere constrangimento entre nós), uma tomada política da universidade. Não só estamos distantes da realização política deste feito, como também permanecemos afastados da formação técnico-administrativa para isso. Uma guerra de posição é possível, mas uma guerra de movimento é necessária. E para concretizá-la, precisamos nos capacitar. Eis aqui minha primeira grande polemização.

É justamente esta ordem de questões que coloca o problema ascendido pela década de 1990: é a universidade de combate possível de ser realizada nos marcos da privatização do ensino? Nas universidades e faculdades particulares é cabível esta proposta? Esta problematização se ressignifica a partir da grande expansão do ensino superior particular nos anos 90, pois que antes disso não seria de todo equivocado pensar num "sim" mais confiante. Desde então, porém, há que se cuidar desta resposta, já que há vários indícios que demonstram uma grande complexidade para o tema. Sem dúvida, o capital é voraz nestes espaços e as formas de gestão são cada vez mais gerenciais. No entanto, não é certo desperdiçar o potencial de muitos de seus docentes (em geral, titulados em programas de pós-graduação de universidades públicas) bem como de seus discentes, principalmente quando significativa parcela deles apresenta-se no processo de proletarização da sociedade. As faculdades "pagas" não são hoje espaço restrito aos filhos das classes dominantes, somente. Estes dividem espaço com as classes médias e até mesmo com setores das classes trabalhadoras. Portanto, fica o problema, que eu não ouso resolver aqui.

Eis que, portanto, seja preciso considerar de forma ciosa o papel da universidade tradicional, em especial quando propicia agremiação estudantil e reformulação crítica dos conteúdos. Seus limites são suas expectativas de superação deles mesmos. O caso do ensino jurídico não deixa de ser eloqüente, notadamente quando as correntes críticas do direito recolocam a problemática jurídica em novos moldes. A par de o fracasso contemporâneo deste movimento histórico de renovação do ensino jurídico, o exemplo coloca em tela a necessidade de pensarmos para além de a forma. Como acentuei na última postagem, não nos são suficientes novas metodologias de ensino, por mais dialógicas que sejam, se permanecemos ensinando a pandectística alemã como o código de nosso tempo. É claro, trata-se de um exemplo extremo, mas que aponta para o problema que faz dicotomizar duas filosofias da educação que não deveriam ser tão opostas assim: a pedagogia dos conteúdos, de um Demerval Saviâni, e a pedagogia do diálogo, de um Paulo Freire. Daí vir a ser muito interessante retomar estes teóricos como marcos epistêmicos, muito mais que pedagógicos, e inseri-los no debate coetâneo sobre o "impensar as ciências sociais", de Imanuel Válerstein (Wallerstein, na grafia germânica original). Com este debate aparece uma nova divisão do trabalho intelectual, voltado para a práxis e para as necessidades populares.

Se à reformulação crítica dos conteúdos seguir a mobilização por reivindicações políticas por parte dos atores do ensino-aprendizagem, o potencial popular da universidade se alarga. É um vínculo necessário para com a comunidade para a qual deve a universidade trabalhar. Este é o projeto nacional de universidade que mobilizou um Anísio Teixeira ou um Darci Ribeiro, por exemplo. Dessa forma, voltam a fazer sentido as lutas do movimento estudantil desde Córdoba, tendo chegado às raias da loucura humana com o massacre dos estudantes mexicanos na década de 1960 - o massacre de Tlatelolco, de 1968. Daí decorrem os movimentos contemporâneos de ocupação das reitorias (como viveu fortemente o Brasil a partir de 2005 - USP, UFPR, UFSC etc.) por estudantes ou a significativa greve de estudantes na Universidade de Porto Rico, colônia estadunidense em pleno século XXI. Não só, contudo, as mobilizações estudantis são dignas de nota, pois o movimento de trabalhadores da educação é muito forte também: a rebelião de Oaxaca, em 2006, teve seu estopim em uma greve de professores (não necessariamente do ensino superior, mas a meu ver esta reflexão cabe para todo o sistema educacional, tal qual colocado por Paulo Freire); ou, também, o bastante representativo movimento docente de Mendoza, na Argentina, em que se propôs uma reforma universitária que reformulava todos os currículos, com destaque para os de filosofia, o que custou a vida e o exílio de muitos professores.

2) Uso alternativo da universidade

Não só a política de enfrentamento e a radicalização dos conteúdos são germinais para se pensar a universidade popular ou as universidades populares. O problema da forma de como se construir o conhecimento também é nodal. Na verdade, são propostas incindíveis. Aqui, estão sistematizadas em momentos diferentes, porque na realidade concreta têm perfazido mediações distintas, ainda que intercomunicantes.

Aqui, aparecem os coletivos estudantis de prática de "comunicação" (para usar a expressão freireana, ao invés da tradicional "extensão"), verdadeiros grupos de reflexão e ação no seio da universidade, nem sempre apoiados como deveriam ser pela instituição, e que assumem o protagonismo de um novo tipo de fazer universidade. Na esteira deles, seguem as pesquisas coletivas envidadas por professores e estudantes, de graduação e pós-graduação, que conduzem a resultados que denunciam a realidade social e, em níveis avançados, que servem às classes populares, seja na cidade ou no campo. Tanto melhor quanto mais a comunicação estudantil e a pesquisa coletiva se integrem num mesmo movimento. Melhor ainda se respaldado pela organização política de estudantes, professores e trabalhadores da universidade, com uma aplicação diferenciada de seus conhecimentos no âmbito do ensino. Quando as quatro dimensões se unem, desfaz-se a cisão que vige hoje em dia e se começa a rumar para uma efetiva e autêntica universidade popular. Pena que esta quádrupla junção seja tão rara ainda entre nós. Os professores que formaram a geração que participa deste blogue tiveram grande papel nesta reestruturação, todavia seu projeto parece ter se estancado na formulação teórica da crítica aos ramos do conhecimento (mais uma vez, aqui, tomo a "ciência" jurídica como paradigma de análise, sem querer, contudo, excluir os demais campos). Cabe à nossa geração não só o resgate desta teoria, mas a colocação em prática de sua radicalidade, na interação entre forma e conteúdo.

A título de exemplos mais evidentes do que seja este uso alternativo da universidade, poderia lembrar da experiência revolucionária cubana em que, em 1961 (o ano da educação), todos os estudantes foram convocados a participar de uma campanha de alfabetização do povo, tendo se suspendido o calendário escolar para que os estudantes alcançassem todos os rincões de Cuba em prol de tão significativa tarefa. No Brasil, um exemplo mais modesto, mas não menos importante, foi o Movimento de Educação de Base, também em prol da alfabetização, que teve apoio dos CPCs (Centros Populares de Cultura) da UNE (União Nacional de Estudantes), de 1958 a 1964. Outro bom exemplo a ser aventado, em termos históricos, é o da fundação da primeira Faculdade de Sociologia da América Latina, na Universidade Nacional da Colômbia, levada a cabo em 1960. Foram seus pioneiros, dentre outros, o padre Camilo Torres e o sociólogo Orlando Fals Borda e ambos teriam uma atividade político-científica das mais importantes do continente, sendo que o primeiro, um teólogo da libertação, iria para a guerrilha armada, após intensa vida sacerdotal e acadêmica, e o segundo desenvolveria o método da pesquisa participante, crucial para pensarmos a educação e a universidade populares hoje.

Quanto a nosso momento presente, um uso alternativo da universidade a ser ressaltado é o das quotas raciais, étnicas e sociais. Tema sensivelmente polêmico também este, parece-me que, apesar de paliativo, é ele fundamental para a democratização do ensino superior no Brasil. E democratizar também é uma forma de torná-la popular, ainda que limites enormes estejam aí alocados. Há toda uma discussão presente que deve ser levada em consideração, mas é preciso trabalhar com estes dados da maneira mais racional possível. As quotas ou o aumento de vagas no ensino público são vantagens pelas quais pagamos um preço importante. Nem por isso, é avanço que deva ser desprezado. Em verdade, é uma contradição posta no seio da universidade atual, mas seus efeitos colaterais permitem uma ampliação da discussão interna sobre o assunto, como também precariza mais a estrutura universitária de agora, o que pode levar a um ainda maior protagonismo estudantil, mesmo que a ligação com as classes populares só se possa fazer por meio de pesquisa e extensão.

Um último exemplo que pode e deve ser lembrado, ainda que não caiba um aprofundamento aqui, é o da integração latino-americana por intermédio de instâncias universitárias. A experiência mais simbólica, sem dúvida, é a da UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México) e seu CIALC (Centro de Investigações sobre América Latina e Caribe), seguindo-a as experiências de institutos e conselhos voltados para a pesquisa latino-americana, como a CLACSO (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais), com sede em Buenos Aires, na Argentina, ou o IELA (Instituto de Estudos Latino-Americanos), na UFSC, em Florianópolis. Por fim, cabe assinalar o caso UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), ainda nascente e também pouco pacífico quanto às interpretações, mas mesmo assim digno de nota.

3) Universidade alternativa ou universidade insurgente

Por fim, cabem algumas palavras nesse longo panorama a uma proposta radical, insurgente e de libertação de universidade popular. Trata-se de uma tal que leva às últimas conseqüências os indícios populares das duas categorias anteriores, as quais colocam-se ainda dentro dos marcos de uma universidade constitucional de direito (para, jocosamente, perder as estribeiras com a analogia da alternatividade jurídica). Apesar de serem diacrônicas, as formas da universidade popular devem levar à universidade alternativa, já que a factibilidade crítica é um princípio de libertação dentro de uma mirada ética. Contentar-se com o horizonte da universidade de combate e de seu uso alternativo é esquivar-se da materialização última que nosso tempo histórico indica seja a mais importante. O "popular" aposto ao lado da expressão "universidade" não está ali à-toa. E como pode o popular deixar de ser uma designação gelatinosa e sem conteúdo para se apresentar como algo que tenha um significado forte? A meu ver, apenas irmanando-se com as classes populares naquilo que elas têm de mais concreto, vale dizer, sua organização política, econômica e cultural. Falo, portanto, dos movimentos populares e sua proposta educativa.

Este é o momento em que o protagonismo estudantil se funde com o protagonismo dos trabalhadores e das massas, tornando-se estes seus realizadores e destinatários. Momento essencial para se pensar a transformação qualitativa da realidade e sem o qual continuaremos patinando no solo escorregadio das soluções paliativas, provisórias, instáveis. É óbvio que não posso ser o profeta da revolução, já que ela não aparece como mudança da totalidade sócio-política do continente. No entanto, ela floresce na práxis insurgente de mulheres e homens espalhados da Patagônia ao Rio Bravo do Norte.

As grandes experiências históricas dos movimentos anarquista, anarco-sindicalista, cooperativista e socialista já contribuíram bastante para esta radicalização da alternativa universitária. Vimos isto no experimento, por exemplo, de Manoel Bonfm, no Brasil. Mais do que o resgate - relido, por sinal - destas campanhas educacionais de movimentos políticos dos séculos XVIII, XIX e XX, em nosso continente, é preciso encarar a questão sob o prisma de que os movimentos populares (que não se reduzem à noção de "novos movimentos sociais", estabelecida na década de 1970) almejam a totalidade da vida comunitária, sendo que alguns deles propugnam pela transformação radical da realidade. Daí que agregam em sua produção da vida, o momento infra-estrutural junto ao superestrutural, com solução de continuidade entre eles. Por isso, incubaram os movimentos populares a forma histórica da educação popular (visível no caso do MEB e da proposta de Paulo Freire) e trazem em seu discurso hodierno a ênfase na formação e capacitação. Este, aliás, foi um elemento discursivo apropriado pelos grupos de assessoria jurídica universitária - característicos de um uso alternativo da universidade - sendo recorrente o apelo à formação entre os jovens estudantes de direito. Apelo por demais necessário, diga-se de passagem.

Por mais que, a partir da articulação global de movimentos sociais como o Fórum Mundial Social, já tenha surgido a proposta intercultural de uma Universidade Popular dos Movimentos Sociais (sendo, inclusive, mote de acadêmicos contemporâneos como um Boaventura de Sousa Santos), as grandes iniciativas parece continuarem inseridas nos movimentos particularizados. Um dos casos mais exitosos é da Universidade Popular Mães da Praça de Maio, na Argentina, oriundo do movimento de resgate da memória estirpada pela cruel ditadura argentina. Completou 10 anos, em 6 de abril deste 2010, a proposta de formação política e cultural das mulheres argentinas que há cerca de 3 décadas procuram por seus filhos desaparecidos e pela história solapada de seu país e de seu continente.


Já a Escola Nacional Florestan Fernandes é considerada uma verdadeira universidade dos trabalhadores, tendo surgido, entre 2000 e 2005 (ano em que se consolidou), pelo esforço dos trabalhadores rurais sem-terra e de muitos simpatizantes. Muitas equipes de formação se inspiram no projeto da Escola Nacional, localizada em Guararema, em São Paulo, projeto o qual, por sua vez, segue a trilha de vários grupos de intelectuais e militantes que até então fizeram o papel de formador das massas, organizadas ou organizando-as. Em termos de Brasil, é indispensável conhecer esta proposta e aderir a ela na medida das possibilidades de cada um (ver página da Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes).

Como já ressaltei, a universidade popular insurgente ainda não está plenamente apresentada como um fenômeno, mas sua viabilidade histórica está presente em tantas experiências que os últimos três domingos me permitiram rememorar. Muita coisa ficou de fora, mas o mais importante é reavivar o debate e perceber a sua premência. Não devemos nos restringir ao formalismo do ensino superior mas tampouco perder o horizonte ético-utópico de transformação de nosso mundo atual. E isto passa pela transição do modo de produzir o conhecimento atualmente, sabendo resgatar o que de importante há na universidade constitucional, assim como aquilo que se mostra como fulcral nas tentativas dos movimentos populares, nossos sujeitos históricos da transformação. Espero que tenha valido a pena o debate e que sirva de incentivo a todos nós.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Livro sobre advocacia popular e Lyra Filho

Disponibilizado por Ney Strozake

Neste mês de dezembro a Renap comemora 15 anos de existência.
Para comemorarmos essa data, entre outros eventos, estamos lançando o livro Introdução à Teoria e à Prática Dialética no Direito: a experiência da RENAP.

O autor é Alberto Kopittke. O autor trabalha e "revive a força do pensamento de Roberto Lyra Filho, um dos mais importantes expoentes do pensamento crítico sobre o Direito, que floresceu em conjunto com a redemocratização do país..." conjugando a teoria com a prática dos advogados e advogadas da Renap.
Estamos organizando um lançamento oficial do livro em Porto Alegre, em meados de dezembro.
Pedidos do livro, aos custo de R$ 12,00, deve ser feito na página da editora expressão popular: www.expressaopopular.com.br

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O "outro" lado dos direitos humanos: povos indígenas e infanticídio "na floresta"

Há pouco mais de três semanas atrás o programa Domingo Espetacular, transmitido pela Rede Record, divulgou reportagem na qual apresenta casos de violações dos direitos das crianças indígenas promovidos por determinadas aldeias indígenas, de modo a difundir, novamente, no cenário nacional a idéia de que os povos indígenas maltratam suas crianças e, pior do que isso, de que respeitar os direitos indígenas - de costumes, crenças e valores específicos - pode, muitas vezes, significar atentar contra os direitos humanos.
A reportagem envolve diversos jogos de interesse, dentre os quais: (a) a mobilização parlamentar e de organizações religiosas de "defesa da vida" pela tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei Nº. 1.057/2007 que visa, dentre outras coisas, criminalizar ditas "práticas tradicionais nocivas" contra crianças, dentre as quais aborto e infanticídio; (b) fomento do patrocínio internacional das ditas organizações religiosas de "defesa da vida", como a ONG ATINI, para a promoção de adoções internacionais de crianças indígenas e intervenção impositiva, sob o pretexto da "redenção religiosa", nas culturas indígenas; (c) acirramento da violência simbólica e física contra indivíduos e coletivos indígenas, pelo incremento da imagem de "selvageria" e "barbarie", com a pretensão (quem sabe?) de justificar (nova-velha) repressão do Estado brasileiro.
Não gostaria de elencar as justificativas contrárias a esta questão. Posso apenas dizer que isso reforça a condição colonial ainda presente no Brasil de tratar a diversidade cultural pela ótica da desigualdade social, e indico texto escrito a oito mãos que visa apresentar argumentos jurídicos, antropológicos e políticos contrários a questão.
Aqui, pretendo, simplesmente, divulgar a CARTA DE REPÚDIO escrita e aprovada no Encontro Nacional das Mulheres Indígenas para Promoção e Proteção de seus Direitos, ocorrido na cidade de Cuiabá/MS, entre os dias 17 e 19 de novembro de 2011. Boa leitura e olhos atentos para as novas estratégias coloniais que se disfarçam em pretensões de direitos humanos.

CARTA DE REPÚDIO AO PROGRAMA EXIBIDO PELA TV RECORD NO DOMINGO ESPETACULAR NO DIA 07 DE NOVEMBRO DE 2010.

Nós, mulheres indígenas reunidas no Encontro Nacional de Mulheres Indígenas para a Proteção e Promoção dos seus Direitos na cidade de Cuiabá entre os dias 17 e 19 de novembro de 2010, vimos manifestar nosso repúdio e indignação contra reportagem produzida pela ONG religiosa ATINI exibida no dia 07 de novembro de 2010 em rede nacional e internacional. No Programa do Domingo Espetacular, da emissora RECORD, foram mostradas cenas de simulação de enterro de crianças indígenas em aldeias dos estado de Mato Grosso (Xingu), Mato Grosso do Sul (Kaiowá Guarani) e no sul do Amazonas (Zuruaha), pelos fatos e motivos a seguir aduzidos:

1. A malfadada reportagem coloca os povos indígenas como coletividades que agridem, ameaçam e matam suas crianças sem o mínimo de piedade e sem o senso de humanidade.

2. Na aludida reportagem aparecem indígenas atores adultos e crianças na maior “selvageria” enterrando crianças.

3. A reportagem quer demonstrar que essas ações nocivas aos direitos à vida das crianças indígenas são praticas rotineiras nas comunidades, ou de outra forma, são praticas culturalmente admitidas pelos povos indígenas brasileiros.

4. Que os produtores do “filme” desconhecem e por tanto não respeitam a realidade e costumes dos indígenas brasileiros. São “produtores Hollywoodianos”.

Vale esclarecer em primeiro lugar que a reportagem não preocupou em dizer que no Brasil existem mais de 225 povos ou etnias diferenciadas em seus usos, costumes, línguas, crenças e tradições. Essa reportagem negou aos brasileiros o direito ao conhecimento de que na década de 1970 a população indígena não chegava a duzentas mil pessoas ao ponto de antropólogos dizerem que no século XX os indígenas iriam acabar.

Se de fato os indígenas estivessem matando suas crianças, a população indígena estaria diminuindo, mas a realidade é outra, pois a população naquele momento em decréscimo hoje chega ao patamar de 735 mil pessoas, segundo censo de 2000 do IBGE.

A reportagem que mostra apenas uma versão das informações, não entrevista indígenas nem antropólogos que conhecem a realidade da vida na comunidade, pois senão iriam ver que crianças indígenas não vivem em creches nem na mendicância. Crianças indígenas são tratadas com respeito, dignidade e na mais ampla liberdade.

A reportagem maldosa e preconceituosa feriu intensamente os direitos indígenas nacional e internacionalmente reconhecidos, pois colocar povos indígenas e suas comunidades como homicidas de crianças é o mesmo que dizer que certas religiões praticam seus rituais matando suas crianças ou que a população brasileira em geral abandona suas crianças em creches, nas drogas e na mendicância se sem com elas se importarem. Mais, seria dizer que pais de classes médias altas jogam dos prédios suas crianças matando-as e que é comum famílias brasileiras em geral jogas seus filhos recém nascidos no lixões das grandes cidades, ou que os lideres religiosos são todos pedófilos.

Quais são as verdades dos fatos por trás das notícias caluniosas e difamatórias contras os povos indígenas.

Não seriam razões escusas de jogar a população brasileira contra os povos indígenas para buscar aprovação pelo Congresso Nacional brasileiro de leis nefastas aos povos indígenas? Ao dizer que os indígenas não têm condições de cuidar de seus filhos automaticamente estará retirando dos indígenas a autonomia em criar seus filhos, facilitando assim a intervenção do Estado para retirar crianças do convívio familiar indígena entregando-as a adoção principalmente por famílias estrangeiras. Na reportagem, o padrão de sociedade ideal é o povo americano, pois demonstrou que a criança retirada da comunidade agora vive nos Estados Unidos da América e até já fala inglês. Sociedade justa, moderna bem-feitora. Seria mesmo a “América” o modelo padrão de sociedade justa apresentado na reportagem? Vale esclarecer que a ONG religiosa ATINI e sua produtora de Hollywood têm sua sede nos Estados Unidos.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Violência no Rio: Estado e Constitucionalismo de fachada

Está em curso no Rio de Janeiro uma das ações mais arbitrárias e autoritárias de nosso dito período da "redemocratização".

O Estado brasileiro, por meio de seus agentes públicos policiais, militares, entre outros, está assassinando pessoas, invadindo moradias, abusando de sua autoridade e poder de força.

Não há mais preocupação do Estado em justificar juridicamente atos de militares e suspensão de direitos e garantias fundamentais.

Um dos supostos fiscais do Estado de Direito, o presidente do STF, Cesar Peluso, apoiou a ação, que julgou legal e dentro da necessidade.

Organizações públicas, principalmente as ditas defensoras do Estado de Direito (OAB, associação de juízes, promotores, entre outros) também apoiaram, pelos supostos valores da segurança pública e do próprio Estado oficial.

A socidade civil está dividida. Algumas associações de direitos humanos estão apoiando, como alguns integrantes da ONG carioca "Viva Rio", por exemplo.

Marcelo Yuka também apoiou. 

As muitas arbitrariedades e exagero no uso da força estão sendo reconhecidos pelas autoridades públicas, e a parte da sociedade não vê problema algum em conciliar esta atitude com o Estado de Direito, aliás, acreditam que são necessárias para sua manutenção.

Existe relação direta na política atual com a garantia dos interesses nacionais de sediar dois eventos esportivos internacionais, e também com a especulação imobiliária.

Qual a semelhança com estes atos preparatórios e os atos de exceção cometidos pelo Estado da África do Sul durante a última Copa, a mando da FIFA, que criou cidades de lata e julgamentos sumários?

A especulação imobiliária aproveita o contexto de despejo em massa implementado pela política de urbanização das favelas, a valorização dos imóveis, as vistas maravilhosas do alto dos morros...

A dúvida recai sobre a concentração das ações policiais em comunidades sob o domínio do Comando Vermelho. Qual a ligação com o uso de força militar de veteranos da "ocupação" brasileira do Haiti? Seria uma nova modalidade da repressão a um dos poucos grupos armados politizados do tráfico?

Cabe ainda uma pergunta sobre a omissão dos defensores de direitos humanos a respeito da irresponsabilidade completa de um Estado que prega um Constitucionalismo de fachada.

Nada de novo para aqueles que não esquecem a repercussão que o regime militar recente no Brasil trouxe a nossa cultura política.

A Constituição atual prevê a possibilidade de convocação da força militar pelo presidente do Congresso Nacional. Este dispositivo pode vir a ser invocado, sob o argumento novamente falacioso de caça aos traficantes (que lembrará os militares de 1964 e sua caça aos comunistas).

Resta resistir contra este Estado e  contra este Direito. Afinal, estes estão mesmo na mão da política, suspensos e capturados.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Defenda a defensoria pública!: para banir um direito sonegado

Na última semana, a defensoria pública estadual esteve em pauta no Paraná. Apenas o Paraná e Santa Catarina não possuem a estrutura regulamentada por lei, o que se apresenta como um descaso para com a população destes locais e um déficit para a organização da assessoria jurídica no país. Após uma audiência pública sobre a defensoria na Assembléia Legislativa (dia 23/11) e um ato de apoio para sua criação na Universidade Federal do Paraná (dia 24/11), o debate se reascendeu entre os trabalhadores e os estudantes do direito paranaenses. Trata-se de uma verdadeira cruzada que merece toda nossa atenção. Por isso, com o intuito de ressaltar mais esta discussão, divulgamos aqui no blogue um texto-manifesto da professora da UFPR, Priscilla Placha Sá, que está acompanhando de perto esta luta, a qual já recebeu várias adesões no estado, em defesa da criação da instituição estadual de defensoria pública.


Defenda a Defensoria Pública!
por Priscilla Placha Sá, professora da UFPR e da PUCPR, membro do Núcleo de Direito Processual Penal do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR e advogada criminal no Paraná

Já se disse muito sobre o lugar que a Defensoria Pública tem no texto constitucional, e Constituição não é só texto: há ali princípios republicanos, cuja concepção vai muito além de qualquer disposição estética. Estes princípios são história, são o insight da democracia, constituem lugares e dão ensejo às marcas do projeto político que se quer ter em um país.

E é nesta Constituição que aparece a tal Defensoria Pública, aquela cujos contornos da coligação igualdade e liberdade não se fizeram sentir em ares paranaenses. E é preciso que se diga já, sem qualquer demérito aqueles bravios Advogados que hoje atuam lá na estrutura precária do Estado, ou nos Núcleos de Prática Jurídica, ou mesmo em ações isoladas, ou dentro de entidades, que não é qualquer Defensoria Pública que o Paraná quer ou merece.


A propósito das ações que se faz como se Defensoria Pública, mesmo lá na própria, é de dizer que (infelizmente, no colapso social que se vive, ante a completa negativa da implementação de direitos sociais para boa parte dos paranaenses) ainda é muito pouco.

Esta Defensoria Pública de que falamos hoje é uma Defensoria Pública como instituição, porque só como instituição é que se vai dialogar no mesmo degrau com os poderes públicos na defesa intransigente daqueles deserdados do pacto social; é ela quem vai atuar coletivamente em nome dos cidadãos; é ela quem vai diminuir a estarrecedora cifra de presos provisórios e de adolescentes apreendidos.

Não é preciso muito – se olhamos para qualquer instituição estabelecida – para dar conta da força que tem o seu lugar como instituição. Chego a me perguntar, mas não posso admitir que a resposta fosse: que há certo temor de uma instituição que se estruture tendo em conta a defesa e a assistência jurídica àqueles que se acostumaram a ficar nas filas para receber apenas migalhas de um Estado que não os reconhece, ou ao menos não os trata, como cidadãos.

Não é por outro motivo que a disposição constitucional estatuiu que as Defensorias Públicas têm que contar com estrutura administrativa, funcional e orçamentária própria, pois é ela quem vai dispor desta estrutura, fazer seu planejamento e dar os encaminhamentos legais e no âmbito dos poderes públicos. Aliás, como fazem exatamente o Ministério Público e o Poder Judiciário. Se a Defensoria Pública custa, não posso imaginar que o Poder Judiciário e o Ministério Público, sejam graciosos, sem nenhum demérito a quem quer que seja.

Muito se discute na história infeliz de uma não Defensoria que seu maior entrave é o orçamento. É só ver, por exemplo, o caloroso debate atual no Paraná; já se devendo esclarecer - e isso é de sabença de qualquer gestor público – que a instituição da carreira não implica já no dispêndio dos valores para instalá-la em sua completude.

Um Poder Executivo e um Poder Legislativo que tenham como prioridade o trato daqueles que não tem voz tampouco acessibilidade ao poder já teriam dado conta em suas contas, fosse ela uma efetiva prioridade de incluí-la nas “contas de chegar” do orçamento público.


O fato é que se conclui, que esta política trabalha com o bordão: dê importância para quem é importante.


Mas é de ressaltar que o custo da não implantação da Defensoria Pública será alto, e também deve ser lido como um alto custo político.


Quantos cargos, aumentos e outros não têm sido votados e encaminhados para a gestão e a inclusão no orçamento?


O que de fato não se pode negar é que a instituição e a estrutura são de todo importante.


Tomemos como exemplo o III Diagnóstico da Defensoria Pública, em que o Estado do Paraná não respondeu (pelo menos é o que consta da publicação oficial) a nenhuma pergunta sobre o orçamento: nem de onde vem atualmente as receitas, nem quais são os salários dos defensores, nem quanto custa manter a defensoria pública. Desconhecemos, parece, o princípio da transparência.


Todavia, em outros momentos é possível ver que vamos muito mal: há somente um único Defensor Público que atende aqui a Vara dos Adolescentes em Conflito com a Lei, e no período analisado (último semestre de 2009) atendeu (pasmem!) a 1.500 termos de apreensão; no mesmo período, o Rio de Janeiro que tem 108 Defensores Públicos apenas para esta área, atendeu 1.050 termos de apreensão.


Neste item duas coisas devem ser frisadas para ver o descalabro que aqui se estabelece: os 1500 devem ser unicamente de Curitiba, pois é sabido que não há estrutura no interior do Estado e mesmo que houvesse seria estranho imaginarmos (com toda a boa vontade do mundo) que ele fosse itinerante. Já no Rio de Janeiro, os 1050 termos são do Estado todo. A propósito de dizer que: no Estado do Paraná, segundo o mesmo Diagnóstico, são 106 pessoas, dentre servidores, defensores e estagiários no total aqui no Paraná. No Rio de Janeiro, em uma única área de atuação são 108.


A coisa começa cedo aqui para quem não é importante: tão logo o Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado instalou-se a vara para punir os adolescentes em conflito com a lei (lá na década de 90), mas só há 4 anos é que se criou a Delegacia para apurar crimes contra os adolescentes.


O paradoxo é inevitável e dá conta de uma vocação repressiva inegável de um Estado que só aparece para a população economicamente carente em sua faceta policial.


Na mesma linha, estão as Delegacias de Polícia, que – pior dos que as masmorras da Idade Média (conhecidas de muitos, apenas dos livros de história do direito penal) – detem a maior população de presos provisórios do Brasil e isso em termos absolutos e em condições que são absolutamente degradantes.


São mais de 17.000 pessoas presas aguardando julgamento, em sua grande maioria homens entre 18 e 25 anos, primários, e autores de crimes patrimoniais sem violência. Quando não pela tal Lei Maria da Penha. Diga-se que, lá no Juizado de Violência Doméstica, há somente um Defensor Público, e eu não sei se ele atende à vítima da violência doméstica ou o autor do fato (?!).


Adolescente apreendido, adulto preso, ambos pertencem (se não forem pai e filho) a famílias completamente solapadas pela pobreza de um Estado seletivo que as enfileira nos hospitais, nas portas das escolas, e nos sem-fim ou nos confins dos serviços de assistência e assessoria jurídica gratuita. Essa mesma gente que tem seus parcos salários consumidos por despesas de sobrevivência, que vê seus avós terem suas aposentadorias arrebatadas “benevolentes” serviços de empréstimo.


Sem defesa, sem direitos.


É só dar uma volta aqui na XV mesmo, ou seguir até a Rodoviária Velha; um pouco mais longe chegamos ao Alto Maracanã, Jardim Simone, Vila Sandra, e vamos até o município de Cruz Machado, próximo à União da Vitória onde há elevado índice de cirrose hepática infantil. Se alguém está em dúvida, é exatamente por ingestão de bebida alcoólica, desde a gestação.


Infelizmente os altos dados que ostentamos em termos gerais do IDH são relativos, e amenizam-se pela vida boa que poucos levam, ou por critérios deveras questionáveis.


Não se trata de constranger Vossas Senhorias, mas de ressaltar a premente necessidade de instituir o lugar dentro do sistema político do Estado que tem por determinação constitucional a obrigação de exigir dos poderes públicos uma vida minimamente digna.


A perversidade de argumentos outros soa perversa, se não sádica, para esta gente que não quer ser vista por ninguém. A invisibilidade social é uma das marcas deletérias e vis que podemos destinar aos homens.


Esta gente toda não quer favor, nem caridade.


22 anos é uma vida ou muitas mortes!


São muitas ações prescritas, muitos direitos lesados, danos agora irreparáveis, gente despejada, gente que já se foi e os que aqui ficaram não tiveram como demandar por eles.


O vácuo do lugar destinado à Defensoria Pública não será ocupado por ninguém; somente ela pode erguer-se altiva – com autonomia administrativa, financeira e estrutural – estatuída nos moldes constitucionais.


Estas pessoas todas (as não importantes) têm vez e voz na vocação desta Universidade, cuja história se marca pela sua postura independente e consciente responsabilidade social.


E numa fala conjunta da Reitoria, na manifestação unânime do Conselho Universitário – órgão máximo desta entidade, da Faculdade de Direito, por seu Setorial, pela Pós-Graduação com o Núcleo de Direito Processual Penal, que cuidará do Observatório da Implantação da Defensoria Pública do Estado do Paraná, a Universidade Federal do Paraná conclama toda a comunidade paranaense, entidades, instituições de ensino, professores, acadêmicos, autoridades a apoiarem efetivamente a imediata implantação da Defensoria Pública, dando força a este Ato Público, cujo nome traduz aquilo que pensamos seja o mínimo para iniciarmos uma conversa que se pretenda democrática: DEFENDA A DEFENSORIA PÚBLICA!



Conferir as notícias sobre a mobilização paranaense:

- Sociedade se mobiliza pela criação da Defensoria Pública no Paraná;

- UFPR apoia implementação de Defensoria Pública no Paraná;

- ANADEP participa de ato em defesa da Defensoria Pública do Paraná.


domingo, 28 de novembro de 2010

Universidade popular na América Latina (2)


Sigo, aqui, minha reflexão sobre a universidade popular (iniciada na postagem do último domingo) e não sem considerar o peso que tal reflexão tem entre-nós, uma vez que gera muita expectativa e paixão. Os limites a que estou submetido são óbvios, em especial por ser exercício de (ainda) livre pensante, o que torna impossível uma autêntica universidade alternativa (para lembrar de minha última proposta em classificar a universidade popular conforme seus níveis de alternatividade: universidade de combate; uso alternativo da universidade; e universidade alternativa). Assim, quero frisar: este esboço reflexivo é incompleto, mas segue uma linha mínima, a qual devo, por ora, evidenciar. Trata-se de resgatar o histórico insurgente da universidade popular em nossa América (tarefa de minha primeira postagem), sendo exemplares as experiências do México e de Córdoba; colocar o problema da universidade popular no centro das preocupações do projeto de libertação do continente latino-americano (tarefa de hoje), seja como ponto a ser enfrentado com mais fôlego pelas teorias de libertação, seja como resultado das práticas revolucionárias vivenciadas na América Latina; e projetar a universidade popular, no encontro entre as suas formas de transição do que se tem hoje com o que se quer também hoje, tendo como referência a práxis dos movimentos populares insurgentes (tarefa do domingo próximo).

Inicio a reflexão de hoje perguntando: por que resistimos tanto em pensar nos conteúdos da universidade popular em nome de sua forma? Por que resistimos tanto em pensar na transição de uma universidade que está de costas para a realidade para uma que seja o seu oposto? Por que colocamos o processo educativo como o ponto gravitacional da mudança da sociedade em que vivemos?

Pois bem, meu primeiro rascunho de resposta - ainda que sem pretensão de eliminar as complexidades inerentes a esta problemática - vai no sentido de perceber que, em geral, se aposta em uma universidade que leve a seu reboque o processo revolucionário de transformação da realidade. Ou seja, antes a nova universidade, depois a nova sociedade. A meu ver, ingenuidade. Obviamente, não devemos cair em simplistas argumentos de quem vem antes, a subjetividade renovada ou a renovação das estruturas. Eis aí um processo dinâmico e envolvido na produção da vida, a qual aponta para algo que nunca pode ser esquecido pelos críticos: a práxis. A universidade popular é o todo que envolve forma, conteúdo e implementação do novo. É a unidade que dará a autenticidade ao projeto de sua popularização cujo significado está muito mais próximo ao de socialização que ao de popularidade.

É neste sentido que devemos estar atentos, todos nós, para o perigo do espontaneísmo educacional, o qual se revela como o contrário lógico da universidade popular alternativa. Daí que, como eu dizia, faz sentido pensar sobre este assunto a partir de uma gnosiologia liminar e de libertação desde a América Latina. Para mim, esta perspectiva não é suficiente por si, fazendo-se necessário pôr os olhos sobre a práxis revolucionária continental, assim como também pôr os pés no chão e as mãos na massa. A despeito de isso, porém, um conjunto de teorias de libertação tem muito a nos oferecer, no intuito de não jogarmos fora os grandes projetos teóricos que envolveram os latino-americanos, em especial no último século. É certo relembrarmos de um Mariátegui, como já fizemos, ou mesmo considerar a figura de um libertador e educador popular, como José Marti. Menos certo, contudo, é descuidar da experiência histórica levada a cabo no último meado do século XX, em termos de educação popular.

A proposta histórica de Paulo Freire não é fruto do acaso. Duas ordens de elementos se avizinham dela e dão-lhe um sentido inalcançável caso nos afastemos de tais ordens. Por um lado, Freire segue, de uma maneira ou de outra, o projeto de educação pública brasileira iniciada por Anísio Teixeira e sua aproximação, de teor nacionalista, com as classes populares (conferir a Biblioteca Virtual Anísio Teixeira). Por outro lado, Paulo Freire é fruto de um momento histórico em que fervilhavam experiências revolucionárias e que fizeram surgir as teorias de libertação latino-americanas, a partir da perspectiva dos "oprimidos".

Vejamos o que esta dupla genealogia nos informa. Com Anísio Teixeira, procura-se cristalizar no Brasil a educação para as massas. De alguma forma, este legado é assumido pelo ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros e sua versão nacional-desenvolvimentista do Brasil seria assumida em larga medida por Freire nos seus primeiros escritos e suas pioneiras ações. No entanto, é insuficiente dar mostras dessa tradição a partir da qual Paulo Freire se forjou (como o é, igualmente, colocá-lo no rol dos católicos progressistas). De uma banda, a "escola nova" de Anísio Teixeira enquistava-se de um certo liberalismo pedagógico (ainda que moderado) - o qual é essencial de ser entendido para afastarmos de vez suas infensas e deletérias influências, dentre as quais se destaca o espontaneísmo educacional e o papel secundário do professor no ato pedagógico -; de outro flanco, o isebianismo teve uma muito curta duração para os propósitos a que se pretendia dedicar, tais quais a reforma do Brasil e uma nova forma de pensar a realidade nacional. Neste caso, cabe ressaltar as figuras de Alberto Guerreiro Ramos e Álvaro Vieira Pinto, ambos homenageados por Freire em seus textos, sendo que o primeiro nos deixaria uma profunda crítica ao colonialismo intelectual e o segundo a perspectiva da construção de uma universidade nacional, a qual seria seguida de perto por Darci Ribeiro - ainda que este tenha sido um anisiano confesso (para este debate, confrontar os textos de Vieira Pinto, "A questão da universidade", e Ribeiro, "A universidade necessária" - vários livros deste último disponíveis em: Fundação Darci Ribeiro).

Paulo Freire, todavia, logo se desvencilharia de uma submissão a esta herança (que, em grande medida, merece ser resgatada) e apresentar-se-ia com um pensamento inovador. Se em seu "Educação como prática da liberdade" o pedagogo ainda é um nacionalista, em seus escritos seguintes, já redigidos no exílio, como "Extensão ou comunicação?" e "Pedagogia do oprimido", Freire já dá mostras de seu materialismo histórico (ver a Biblioteca Digital Paulo Freire). Todo o seu percurso como educador, porém, traria a marca de um grande projeto pedagógico para o Brasil e deve sempre ser relembrado: para além de a alfabetização de adultos, Paulo Freire formulou um "sistema" de educação alternativa que previa uma universidade popular de transição a partir da extensão universitária, coroando-se com um Instituto de Ciências do Homem e um Centro de Estudos Internacionais, voltado para o terceiro mundo. Esta perspectiva de totalidade reflete a preocupação freireana com respeito à práxis dos trabalhadores e sua tomada de poder, o que passaria pela educação e universidade populares. Nesse sentido é que se pode retomar a questão: o que é conscientização? Certamente, não é dar consciência a ninguém, mas sim um trabalho conjunto de troca mútua, em que todos aprendem e ensinam, mas com um objetivo indene, a revolução.

Mas já que falamos de "alternatividade", esclareçamos o que vem ela a significar. Não há, entrementes, menção a uma proposta alternativa que pretenda conviver com o "egotivo" (ego X alter), ou seja, com o que está-aí, com o hegemônico. Trata-se de uma alternativa que supere o estado de coisas da universidade elitista de hoje, mesmo que isso não signifique desprezar suas contra-hegmonias internas.

Por isso a importância de se pensar a universidade popular desde a América Latina, mas também trabalhar para ela. Assim, as experiências revolucionárias pelas quais o continente passou são efetivos testemunhos. Ainda que nos faltem elementos, é inegável que a socialização do ensino em Cuba tornou-se possível com a revolução de 1959, assim como o socialismo do século XXI também tem investido nisso (e, dessa forma, abarcamos o ciclo revolucionário latino-americano tão destacado pelas teorias de libertação, em especial por Enrique Dússel: Cuba, Chile, Nicarágua, Chiapas, Venezuela, Bolívia e Equador; ainda assim, há de se atentar para os limites e contradições de todos estes processos, mesmo aqueles já findados).

Todo este conjunto de experiências práticas e teóricas deve ser tema da universidade popular. De nada adianta apostarmos na "forma" como sendo o carro-chefe desta discussão. Muito pouco resolveremos o nosso problema, caso creiamos que o diálogo pode melhorar o ensino jurídico se nos mantivermos aferrados ao eurocentrismo teórico e ao etnocentrismo das práticas. Muitíssimo pouco se avançará, caso entendamos ingenuamente que a universidade popular deve ser expressão democrática do respeito às diferenças, se estas acentuarem o mercado de trabalho e as técnicas que instrumentalizam o mundo de hoje. Pode ser que estejamos, com a forma dialógica, envidando um uso alternativo da universidade, mas a sua alternatividade revolucionária estará distante ainda assim. Que eu não soe, com meu depoimento reflexivo, como um antidialógico, porque, ao contrário, penso que a teoria da ação dialógica de Paulo Freire nos é central e é a partir dela, por exemplo, que devemos ressistematizar o ensino jurídico (e todos os demais "ensinos"). Mas esta teoria pressupõe a denúncia e o anúncio de uma nova sociedade. Como fazê-lo? Espero que nos indaguemos sobre isso e deixemos nossas opiniões não só aqui no blogue.

Ver também outras postagens de nosso blogue sobre o tema:
- Universidade popular, de Luiz Otávio Ribas;

sábado, 27 de novembro de 2010

Poesia sobre absurdos "na forma da lei"

Um dia, li num jornal uma notícia absurda: um ribeirinho tinha pescado na época de defeso para alimentar sua esposa que estava grávida, os fiscais do IBAMA o pegaram "no flagra" e ele foi preso, sendo que a esposa, vendo toda a situação, sofreu aborto "espontâneo" do feto. Enfim, dado todo esse enredo de absurso camusiano (ou kafkaniano, como queiram), resolvi pincelar minha crítica na forma de uma poesia, que é a seguinte:

Sobre estados e Leis

Se josé não pescasse
Se maria não roncasse
Se o rio não paralisasse
Se maria não engravidasse
Se o peixe não procriasse
Se o estado não invalidasse
Se josé não se desesperasse
Se o estado os alimentasse
Se a Lei interpretasse
Se o fiscal pensasse
Se o peixe falasse
Se a prisão justificasse
Se josé não chorasse
Se maria não abortasse
E roncasse, e chorasse...
Se a fome não incriminasse
E a pobreza não os rotulasse...

Enfim, se tudo
Não Fosse
Assim.
Então haveria justiça,
Haveriam homens, mulheres
E bebê.

Se o estado fosse Estado
Se a Lei fosse apenas lei
Se o fiscal fosse antes humano
Se josé e maria pudessem ter sido,
Ter vivido, José e Maria,

Então não haveria fome, pobreza
E peixe...
E talvez até um bebê viesse a nascer
E viesse a chorar, roncar, pescar,
Pensar, interpretar, falar... viver
Mas não há...

Da biblioteca "Poesia crítica do direito"

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Formação em direitos humanos com movimentos sociais: limites e possibilidades

Por ser professor de direitos humanos, vira e mexe me deparo com perguntas ou convite para ministrar oficinas com movimentos sociais sobre direitos humanos e me pergunto o que dizer sobre os direitos humanos e a estrutura teórica e institucional montada em torno desse "tão amplo" campo de discussão.
Gosto sempre de partir do pessimismo para depois, e só depois mesmo, chegar no otimismo. Não acreditar que os direitos humanos seja uma panacéia ou "a" resposta as lutas sociais é algo importante para delimitar, num segundo momento, que eles são instrumentos jurídicos que devem ser disputados política e ideológicamente, com a necessária formação de estratégias de reivindicação de direitos que passe, também, pela disputa política e ideológica das próprias instituições que oficialmente os protegem ou materializam em políticas sociais, em particular as múltiplas facetas do Estado, e sobretudo do Poder Judiciário, cujos interesses de classe tornam-o, por vezes, o principal inimigo dos movimentos sociais, no avanço da criminalização dos movimentos sociais e da baixa resolução de conflitos que tem como parte pleiteante esses sujeitos coletivos de direito - e, com isso, direitos coletivos que ainda esbarram numa lógica processual e de formação jurídica que impede/minimiza sua realização pelas vias judiciais.
E o que mais? Será que os direitos humanos podem ser instrumento de combate as desigualdades e discriminações? Sem dúvida que sim, daí a faceta otimista. Não por acaso, a maioria das coletividades socioculturalmente vulnerabilizadas protagonizaram, ao longo do século XX, e com maior intensidade nos últimos 30 anos, lutas sociais em prol de seu reconhecimento identitário e organizacional casado ao reconhecimento de direitos coletivos e individuais específicos, haja vista, por exemplo, os indígenas, os homossexuais e as mulheres.
Mas isso não quer dizer que tenham passado do reconhecimento formal de direitos para o reconhecimento material, nem tão pouco que os direitos formais tenham se constituídos da forma como reivindicavam, pois aqui o jogo cotidiano do poder sócio-estatal exerce imensa influencia. Daí porque é quase sempre necessário discutir (1) que a mobilização política é pressuposto fundacional da mobilização jurídica, é dizer, que as lutas sociais pela realização de direitos são cotidianas; (2) que o tempo e a dimensão da efetividade de direitos nunca serão satisfatórios, pois imersos em jogos/conflitos de poder nos quais os interesses populares são, quase sempre, contra-hegemônicos ao status quo do poder; e, (3) que há direitos ainda não positivados e que nem sempre precisarão tramitar por esse rumo, mas sendo necessário entender que lutar pelos "nossos"direitos humanos - no sentido dos direitos dos grupos sociais que se objetivam em movimentos sociais - muitas vezes significa atuar na (suposta) ilegalidade, para mudar realidades e as próprias leis; (4) decorre do último ponto a compreensão de que nem sempre é possível fazer justiça por meio do direito estatal, daí que o campo do pluralismo jurídico é condição necessária para a sustentação de lutas sociais e da vida em sociedades multiculturais , não apenas para contestar o direito estatal.
São pontos de reflexão em aberto...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O gênero e o direito (a gênera e a direita)

Os direitos dos humanos são prioridade
O humano é demasiadamente homem
Os direitos dos homens fundamentais
O direito humano é incompreensível
O direito homem animal
O direito animal
Homem
Direito
Mulher
A direita animal
A direita mulher animal
A direita humana é incompreensível
As direitas das mulheres fundamentais
A humana é demasiadamente mulher
As direitas das humanas são prioridade
...

Simone de Beauvoir: - O homem é livre; mas ele encontra a lei na sua própria liberdade.