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quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Morro





- Era ali?
- Foi aqui seu moço.
- Mas quem abriga a intolerância ao outro?
- Quem desabriga a esperança do povo?
- É que insistem em abortar o novo, seu moço.
- Mas calma lá, nós arranja outro lugar.
- Será?
- E se ficar?
- E se for pra lutar, lutar essa luta com os que forem ficar?
- O homem coletivo sente a necessidade de lutar.
- O homem coletivo sente a necessidade de lutar.
- O homem coletivo sente a necessidade de lutar?
- Todo dia, seu moço,
- Pouco a pouco, seu moço,
- Todo dia eu morro esse morro.
- Subiram o morro, passaram o caminhão nos barraco abandonado.
- Acho que os homi tá ca razão mesmo.
- Disseram-nos um direito cego, direito que nos dá medo.
- Vão derrubar tudo!
- Já?
- Já tem prazo, é prazo pra nós arranjá outro lugar.
- E dá pra aumentar?
- Podemos tentar.
- Vocês conseguem?
- Vocês conseguem.
- Podemos tentar. Será que o juiz conversa com nós?
- Sim. Pede licença e faz teu grito. Faz o teu direito.
- Será que o seu doutor ouviu a gente?
- Não importa, acho que vou embora antes mesmo de dezembro.
- Será domingo, depois da missa.
- Como queria que, por um dia, o direito se entortasse sem um teto, sem um puto no bolso, recebendo olhares desconfiados, sem ter para onde ir.
- Era preciso mesmo putalizar o direito, tirá-lo desse sossego.
- Ah, nesse dia, seu moço, o direito subiria, subiria direto para o morro.
- Levantaria, no desespero, um pequeno barraco de madeirite e lona.
- Em cima do chão batido, aprenderia a chamar de moradia seu abrigo, sua maloca.
- Veio nova ordem superior, lá da capital.
- Deu certo a pedição?
- Não.
- Apenas mais quarenta e cinco dias.
- Mas não se preocupe, meu amigo.
- Quarenta e quatro.
- A vida, seu moço, é realmente diferente.
- Quarenta e três.
- Ao vivo.
- Quarenta e dois, quarenta e um.
- É muito pior
- Quarenta, trinta e nove, trinta e oito.
- Artigo quinto, inciso vinte e dois.
- Trinta e sete.
- Artigo quinto, inciso vinte e dois.
- Trinta e seis.
- Trinta e cinco.
- Trinta e quat…
- Trinta e…
- Tr…
- …
- ...
- Todo dia, seu moço,
- Pouco a pouco, seu moço,
- Todo dia eu morro esse morro.


Esse texto foi inspirado nas atividades de assessoria jurídica popular exercidas pela LAJUP (Lutas Assessoria Jurídica Universitária Popular) junto aos moradores do Morro dos Carrapatos, ocupação urbana de cerca de 40 famílias na cidade de Londrina/PR.  Essa comunidade vem sendo ameaçada de despejo, por uma ordem judicial concedida em setembro de 2015, que concedeu 45 dias para reintegração de posse, tempo este prorrogado para mais 45 dias em julgamento de agravo de instrumento. As histórias dos moradores do Morro dos Carrapatos e os informes sobre a ocupação podem ser encontradas na página da LAJUP.

Reunião com moradores do Morro dos Carrapatos

Pensando no acúmulo e na articulação que este blogue proporciona aos diversos grupos de assessoria jurídica e advocacia popular no país, deixamos disponível as “pedições” de contestação e o agravo de instrumento protocolados no processo. Não poderíamos deixar de fazê-lo, principalmente pelo fato de que ambos são frutos não só de um de trabalho coletivo envolvendo estudantes, advogados e advogadas, e os morados do morro dos carrapatos, como também de conversas com outros tantos que militam na assessoria jurídica popular e que generosamente disponibilizaram suas “pedições”, pesquisas e experiências sobre o direito e, sobretudo, as coisas reais.




sexta-feira, 22 de maio de 2015

Advocacia delirante. Parte I.




No primeiro texto desta coluna, nos apresentamos como dois estudantes vindos de uma formação em AJUP e que, há poucos meses, tornaram-se advogados. Com a inscrição na OAB e prestado o respectivo compromisso (o famoso “juramento”), começamos a nos perguntar: onde chegamos? Ou melhor, até onde poderemos chegar dentre os limites da advocacia?


No geral, o próprio ato de inscrição na ordem, desde a graduação, parecia funcionar como uma fronteira para algo misterioso, como uma permissão com a qual se descobriria todo o conteúdo de uma velha fantasia de saberes e poderes institucionais. A advocacia, de fato, carrega uma simbologia densamente complexa, que ainda nos é difícil compreender. Passamos “para dentro” de algo ainda em grande parte desconhecido.

Cartaz do filme THX 1138
ficção em que a população
se individualiza por códigos
sequênciais em vez de nomes.
Esse algo do qual passamos a fazer parte, porém, começa já a trazer pequenas inquietudes, como quando, de um dia para outro, passamos a carregar o personalíssimo número de inscrição na OAB: esse esperado código, motivo de orgulho para muitos, doravante abeirado aos nossos nomes, feito sua própria sombra até que se encerre o exercício da profissão. Eis a nossa primeira marca  de um ferrete em brasas, pronto para seguir catalogando as sucessivas ninhadas que se somarão à seleta estirpe.

Pois bem. Esse texto marca uma série de escritos sobre as nossas primeiras experiências com a advocacia, nos quais pretendemos colocar em debate teorias, delírios e coisas reais.


Comecemos, aqui, com uma pequena incursão etimológica. É bastante aceita a tese de que a palavra advogar, a partir de origens latinas ad vocatus, seria equivalente a ser chamado para junto de. Seríamos então esse algo no particípio do passado? Talvez esteja superada em grande medida essa noção, que até poderia ser cômoda ou tranquilizante. Interessa-nos saber, por outro lado, quanto esse sentido original de passividade permanece nas atuais condições e, ainda, como se coloca enquanto possibilidade conceitual na história em aberto.


Rendemos, dessa forma, homenagem a Florestan Fernandes ao afirmarmos que, assim como qualquer categoria social, o conceito de advocacia aparece saturado em sua especificidade histórica atual. É necessário, portanto, não apenas desvelar o remoto aparecimento dessa palavra em uma Roma Antiga, mas investigar o que está em jogo quando afirmamos à sociedade atual, diariamente, a nossa condição de advogados.
 
O debate terminológico não nos interessa por si mesmo.
É que o uso das palavras traduz relações de dominação. [...]
Ora, em uma sociedade de classes
da periferia do mundo capitalista e de nossa época,
não existem "simples palavras”.
- Florestan Fernandes¹


Quando afirmamos tal condição e buscamos saber a real projeção de nossa existência advocatícia, deparamo-nos, novamente, com a pergunta: até onde poderemos chegar considerando os limites da advocacia?


Não nos propomos, é certo, assumirmos simplesmente a identidade de advogados, chamados para junto de quem quer que seja. Pois, muito antes de prestarmos um compromisso formal com a ordem, assumimos um compromisso exatamente com quem está à sua margem ou à sua exterioridade. Aí talvez possamos encontrar o princípio de um conceito que nos é caro e sobre o qual, no futuro desta coluna, ainda nos caberá desenvolver melhores aprofundamentos: a advocacia popular.



Oswaldo Goeldi: Solitário
Xilogravura pertencente ao álbum 
10 Gravuras em Madeira de Oswaldo Goeldi.
Rio de Janeiro, 1930.
Nesse campo específico do atuar jurídico, ao qual nos filiamos, torna-se ainda mais difícil tatear quais seriam os limites do exercício da advocacia como um todo, ainda mais quando nosso “número da OAB ainda é novo” e somos apenas jovens advogados, com muita inquietude, mas sem muita experiência. Porém, a mesma práxis que nos inquieta remete nosso olhar ao alto, para o horizonte no qual se coloca a busca pelo transbordamento dos limites vigentes, busca que se revela conceitualmente utópica, todavia, concreta.


A advocacia popular implica percebermos e enfrentarmos uma cotidiana não afirmação do Outro que nos chama para junto, negatividade revelada a partir da advocacia junto a movimentos sociais, ocupações urbanas etc. (eis a concretude), e ao mesmo tempo implica apostar na possibilidade – também dentro da ordem, da advocacia e da operação da lei – de se conquistarem significativas e importantes mudanças sociais (eis a utopia).

Mas isso não nos basta. É preciso delirar galeaneamente alla de la infamia.

Ante a angústia de desvendar os limites da advocacia, percebemos que trabalhar com esta legalidade posta e operar este direito institucionalizado significa por si só, considerando a especificidade capitalista do direito moderno, reafirmar a condição de negatividade desses que nos chamam para junto. Damos conta que a história da humanidade como nos é contada é a história da legalidade de injustiças. Portanto, para fins de extrapolar os limites dessa condição histórica, necessário é pensar em uma possível justiça desde a ilegalidade².


– Ora, que advogados são esses, que mal se inscreveram na “ORDEM” e já preferem atuar pela ilegalidade? – logo nos diria o advogado não delirante.


A preferência pela ilegalidade – lhe diríamos – vem do delírio que muitas vezes falta aos juristas, vem da própria práxis de uma advocacia popular que, consciente de seus limites positivados, descobre na extrapolação desses mesmos limites a possibilidade ontológica da inversão da negatividade do ser, do Outro, para sua positividade.  


Para os espantados, que podem pensar como o advogado que foge do delírio, explicamos que tomamos a in-legalidade não como “aquele que comete um crime contra a lei vigente”³, mas sim como a expressão genérica de algo que vai mais adiante do projeto vigente. O prefixo “in-”, que por assimilação assume a forma de “i-”, não expressa necessariamente contrariedade, porém, no caso, a falta de(assim como na palavra inexistente). Ou seja, ao afirmarmos que a justiça pode estar na ilegalidade, queremos dizer que, na conjuntura atual, na ordem vigente, é preciso pensar em novas formas de se compreender o que é justo, não (apenas) contra a lei, mas principalmente para além de sua própria insuficiência.

O delírio na advocacia popular, portanto, reside na fundamentação da própria práxis em uma ilegalidade projetada como abertura a mudanças sociais. Faz-se delirante por, mantendo os pés no chão, mirar o horizonte e pensar mais além do projeto vigente, tendo como fundamento as novas possibilidades de sociabilidade que excedem os limites da juridicidade moderna.


Nessa caminhada, já nos basta que seja inevitável carregarmos um número de série que nunca irá se apagar nem se alterar. Frente a isso, optamos pelo delírio e apostamos na possibilidade de participarmos das  transformações do presente no qual estamos imersos.  


[...] Cambia el rumbo el caminante
Aúnque esto le cause daño
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño [...]
- Mercedes Sosa


O resultado dessas escolhas é, para além da advocacia, a possibilidade de superá-la com o sentido de esperança em uma história aberta, esse recorrente tema da poetisa argentina, autora da música com a qual encerramos a primeira parte desta reflexão como marco de nossa aposta no cambiar de este mundo.



_______________________________
[1] FERNANDES, Florestan.“O que é revolução”. Em: PRADO JUNIOR, Caio; FERNANDES, Florestan.Clássicos sobre a revolução brasileira. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 55-148.

[2] DUSSEL, Enrique. Para una Ética de la Liberación Latinoamericana. Tomo II. Siglo XXI, 1973. p.66

[3] DUSSEL, Enrique. Para una Ética de la Liberación Latinoamericana. Tomo II. Siglo XXI, 1973. p.71


[4] Verbete in-. Aulete Digital. Disponível em: <http://www.aulete.com.br/in->. Acesso em: 20 mai 2015.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Direito, delírio, experiências e coisas reais



Este pequeno texto não é o nosso primeiro neste blogue. Em nossa primeira e recente experiência, tentamos expressar um pouco das angústias e conhecimentos que brotam da práxis extensionista de uma AJUP universitária.

Aqui, marca-se o início de uma nova caminhada. Agora advogados, neste início de ano passamos de graduandos à condição de colaboradores externos do LUTAS (UEL) a AJUP que há três anos ajudamos a construir em Londrina/PR. Assim nos tornamos dois jovens recém-graduados que não conseguem, porém, enxergar-se de modo algum como formados em direito. Como fazê-lo, afinal, se a cada experiência, a cada dia, a cada delírio, sempre crescem mais e mais as perguntas diante desse estranho objeto que é o fenômeno jurídico?

Foi nesse momento de transição pessoal que, com muito prazer, aceitamos o convite de escrever uma coluna e, assim, contribuir com este espaço de crítica e formação.

Nossas intervenções aqui serão mensais. E, assim como em nosso primeiro texto, nosso objetivo será o de problematizar questões vivas, cotidianas, provocar debates e reflexões e, com isso, desafiar o direito a ser desmistificado a partir do real. Daí o nome da coluna: Direito, delírio, experiências e coisas reais.

Começaremos falando sobre o que representou e representa participar de uma AJUP a esses dois caminhantes de primeiras viagens. Parece a nós que a grande vantagem da extensão universitária em relação ao ensino superior “tradicional” sempre foi o pisar no desconhecido. Longe das salas de aula e dos livros, o concreto das relações sociais desafia muito mais o estudante em sua dinâmica cognitiva. Nesse sentido, é possível perceber que a experiência ajupiana cinde-se inevitavelmente em dois momentos, complementares, mas distintos entre si: 1) trabalhar com o direito e com as demandas das comunidades assessoradas em conjunto com elas; e 2) pesquisar o direito como objeto do conhecimento humano, especialmente a partir dessas mesmas experiências práticas.

Bakhtine, acima, autor do conceito de
carnavalização como critério de
interpretação literária.
No primeiro desses momentos, no qual se desenrolam as atividades de assessoria jurídica propriamente ditas, as experiências são geralmente intensas, urgentes, impactantes, angustiantes, nos fazem chorar e nos desesperam. Ao final, voltamos para casa com a sensação de que seria necessário fazer mais, muito mais. Mas, sobretudo, é inegável que voltamos para casa diferentes. As marcas de nossos sapatos na extensão, que foram por um momento vivas, agora já vão se vertendo em pequenas memórias. E essas, ao se decantarem em nossa consciência, finalmente reviram toda a constelação teórica sobre o direito que carregávamos dentre os muros da graduação. Em poucas palavras: apreender o direito pelos olhos de uma AJUP inevitavelmente significa carnavalizá-lo, escancarar as suas mais íntimas contradições e, ao final, enfrentá-lo como algo palpitantemente estranho. E assim chegamos ao segundo e desafiante momento de uma AJUP universitária: pesquisar o direito, esse direito ao avesso e desafiante, esse direito carnavalizado e crú que acaba de ser apreendido na prática extensionista.  

A carnavalização não poderia
tornar possível
a criação da estrutura aberta,
da grande polifonia,
contra os costumes gnosiológicos
que deixam os juristas
com sua consciência em paz?
Luis Alberto Warat 1

 
 Capa do álbum Alucinação (1976), 
de Belchior
Lançados nessa aventura de brilho e escuro, sombra e luz, ao integrarmos uma AJUP vivemos essa intensa alucinação, semelhante a de um jovem Belchior que, logo no início de seu álbum de 1976, afirmava a condição histórica de ser um apenas rapaz, latino americano, sem dinheiro no banco, e vindo do interior, já denunciando, ao mesmo tempo, a incômoda contradição imposta pelo antigo compositor baiano que dizia tudo é divino, tudo é maravilhoso...

Também percorremos nossa própria alucinação na graduação, conhecendo por meio de simplificações de sala de aula aquilo que viria a ser o direito. Até que podemos, em dado momento da graduação, dar dois grandes gritos, ainda que prematuros. O primeiro deles veio da desilusão: nada é divino, nada, nada é maravilhoso, nada é sagrado, nada, nada é misterioso, não.

Já o nosso outro grito, esse que ainda amadurece em nós, vem da puberdade de nossa alucinação, como o cantor ao chegar à faixa central de seu disco: o grito de já não estar mais interessado em nenhuma teoria, em nenhuma fantasia, nem no algo mais. O que nos interessa, agora, são justamente todas as coisas concretas, narradas nos versos seguintes da música, versos carregados de cotidianidade (jeans, motocicleta, violência, tráfego, pessoas cinzas normais) que chegam a passar despercebidas até a chegada do refrão novamente.


Curiosamente, após o ápice do álbum representado nessa música que lhe dá o nome, o poeta-advogado destina as quatro canções finais, já em musicalidade mais densa e de prosa entristecida, para falar do passado, presente e futuro. Alerta para o delirante não cantar vitória muito cedo não (Não Leve Flores); anuncia as mudanças em um passado que não nos serve mais (Velha Roupa Colorida); retrata sua pesada caminhada, de sonho, de sangue e de América do Sul (À Palo Seco); e tem a certeza que aflora da pele do retirante de que nada é divino nem maravilhoso para aquele que vem do Norte (Fotografia 3x4).

Como o compositor cearense, que deixa o futuro para a última canção do álbum, Antes do Fim, nós o fazemos igual.

Regredindo ao estranhamento do direito após a carnavalização da ordem jurídica pelos delírios do real, nos perguntamos: será que aí, nesse caos instaurado, poderá abrir-se a possibilidade de transformar o velho, aquelas falsas percepções sobre o direito, em algo novo verdadeiro?

Talvez.

Talvez seja esse o misterioso local onde, pelo esforço do delírio, poderemos conhecer teoricamente o direito. Essa será nossa aposta: arriscaremos aprender a delirar com as coisas reais, arriscaremos nos entregar a esses delírios como negação do retorno ao velho antigo. Apostaremos em, assim, nos reaproximarmos do direito, depois de carnavalizá-lo, como objeto pensado, agora enfim a partir das experiências concretas.

Pelo olhar dos olhos do povo, dissipadas as nébulas de suas mistificações, o nosso compromisso será com aqueles que sofrem nas mãos da ordem posta, com os pretos, pobres, mulheres, discriminados, estudantes, humilhados do parque e todos os trabalhadores… Essa será a nossa aposta epistemológica. Essa será a subida ao mirante2 mais elevado para observarmos as determinações concretas que permeiam a nossa sociabilidade e o direito dentro dela. Eis o método pelo qual o delírio nos regredirá ao concreto. Eis o método pelo qual esperamos, enfim, encontrar o direito nas coisas reais...

E a única forma que pode ser norma
é nenhuma regra ter;
é nunca fazer nada que o mestre mandar.
Sempre desobedecer.
Nunca reverenciar.”
Belchior, Como o diabo gosta

Reservamos a esses últimos parágrafos uma nota indesejada, cujo motivo ainda nos é difícil aceitar. Não poderíamos terminar o texto sem reservarmos suas linhas finais a um rapaz, latino americano, pai, que no dia 13 de abril de 2015 deixara órfãos seus versos e poesias. Eduardo Galeano, poeta que também sonhava a partir de coisas reais, que era capaz de mirar lo que no se mira, pero lo que merece ser mirado, coincidentemente nomeara uma de suas poesias pelo nome de El derecho al delírio, declamada no vídeo logo abaixo.

Por ocasião de sua partida, assumimos então mais um compromisso com o advento desta coluna, um compromisso galeano: qualquer que seja a nossa busca, o de sempre poetizar a vida e a escrita com simplicidade, sem perder de vista os sonhos, nem o contato com o real.

¿Que tal si deliramos por un ratito?
¿Que tal si clavamos los ojos, más alla de la infamia
para adivinar otro mundo posible? 3



________________________

(1) WARAT, Luis Alberto. Territórios desconhecidos: a procura surrealista pelos lugares do abando do sentido e da reconstrução da subjetividade. Vol. I.   Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.

(2) Ver LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

(3) GALEANO, Eduardo. Patas arriba. Madrid: Centro Bibliográfico y Cultural: 1998.