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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O toque de classe nas mobilizações em Teresina


Por Lourival de Carvalho

Quando nós, estudantes, saímos às ruas em defesa dos nossos interesses, bem como dos interesses dos/as trabalhadores/as que, nocauteados/as, ficam em seus trabalhos ou em casa, afirma a grande mídia que nos falta elegância ao bradarmos alto pela aparente quietude política das ruas de Teresina (e do Brasil).

Faltam-nos indumentárias pomposas, vozes singelas, olhares comedidos, pele branca e perfume intacto. Não, não temos isso. Somos malcheirosos, queimados pelo sol forte e temos os pés rachados. Somos feios, violentos, falamos alto e não temos compostura, enfatiza a mída. Os cabelos das mulheres não estão feitos, pelo contrário. Elas transpiram, gritam e agem feito homens. Que inaceitável, que absurdo!

Choca-nos o patrimônio privado - que deveria ser público - sendo esfacelado pelas ruas. A construção para. O lixo é queimado. O dia mal começa, e nós, os mentores da baderna, já estamos lá, atrapalhando o tráfego, o público e o sábado, como diria Chico Buarque.

Por entenderem que somos resistentes, que temos a pele grossa, embrutecida, enviam-nos um enxame de policiais para esporar a nossa pele e degradar os nossos olhos que insistem em se manter ávidos. Arrastam a nossa dignidade pelo asfalto. Carregamos dores, sonhos, indignação, beleza e raladuras na pele e na alma. Ainda assim, resistimos. Eles anunciam, em seguida, que há um batalhão requintado, elegantemente fardado e especializado para manter, através da mais implacável repressão, a (des)ordem privatizada.

Do alto de sua pirâmide, eles notam que há algo estranho aqui embaixo, entre nós. Observam que há um brilho incomum nos nossos olhos, que a nossa anatomia se retorce numa sintonia ímpar. Ficam estupefatos ao ver que descobrimos que aquele sinal fechado era falso, que nunca existiu. Sabem que temos ouvidos aguçados, que conseguimos escutar as vozes de dor espalhadas pelos grotões pobres, pelas ruas tortuosas da cidade. O nosso movimento sanguíneo segue vivaz, é mais intenso. Inquietos com tamanha insurreição, eles nos chamam de subversivos violentos, nojentos, vândalos, moleques, imorais, semeadores da desordem.

Há um estigma fácil (e eficaz) que costuma associar o crime aos favelados, negros, não-brancos e descamisados. Mas, por outro lado, fazem com que esqueçamos que a violência é dada vertical e diuturnamente. Quantos assaltos um indivíduo pobre, desempregado/a, sem qualquer perspectiva para o dia, mês ou ano, deve fazer para transitar pela cidade durante o mês? A mídia não mostra, mas é essa a conjuntura socioeconômica que temos.

O aumento da tarifa de ônibus é um ato de violência. Somos desumanizados sistematicamente dentro dos ônibus precários, na exploração do nosso trabalho, nas escolas e universidades, dentre tantos outros espaços. Aos poucos, descobrimos que a via apresentada não é una, e que outros caminhos são possíveis.

Nesse sentido, as nossas mobilizações contra este aumento abusivo, injusto e violento do valor da tarifa de ônibus em Teresina são legítimas. Sabemos que a nossa luta é sistêmica e, por isso, toda e qualquer insurgência é momento para questionarmos o que temos posto.

Aos que não creem, saibam que há sim um toque de classe em nosso movimento, no entanto ela não cheira à elite, e sim a povo.

Lourival de Carvalho é Membro do Fórum Estadual em Defesa do Transporte Público e do projeto Corpo de Assessoria Jurídica Estudantil - CORAJE/UESPI.

Pimenta no olho do estudante
Por Raimundo Neto e Lucas Vieira

Hoje eu inalei uma parada ali que me deixou com os olhos vermelhinhos, vermelhinhos. Não, não é o que você está pensando. Foi o spray de pimenta – tido como arma ‘não letal’ – utilizado nessa segunda pela Tropa de Choque de Teresina, numa manifestação contra o aumento da passagem dos ônibus pra $2,10. O spray de pimenta age de forma inflamatória e lacrimogênea, atingindo as mucosas dos olhos, nariz e boca, provocando irritação profunda, tosse e outros efeitos colaterais. E olha, dissipa no ar que é uma beleza.


Durante as várias intervenções da polícia sobre os manifestantes, pude ver velhinhas, crianças, mãe com recém nascido no colo e outras pessoas que aparentemente não tinham nada haver com o movimento, correndo para fugir do fiel amigo das Tropas de Choque. Vi também um ponto de ônibus com umas 25 pessoas apenas esperando sua condução dissipar por completo em menos de 20 segundos, devido a uma única borrifada do spray por um dos policiais.

Esse mesmo ponto de ônibus que, iguais a muitos outros nessa cidade, já vi diversas vezes bem mais de 25 pessoas se apertando, se espremendo pra procurar um rastro de sombra que seja. Em uma cidade, muitas vezes insuportavelmente ensolarada e calorenta, essas paradas de ônibus parecem uma piada. Mas piada mesmo, um verdadeiro deboche é o próprio sistema de ônibus: alto custo, sem integração, não cumpre a demanda. Todos os dias pessoas são oprimidas, tratadas como coisas nesses ônibus e na sua espera.

Tanto desrespeito gera uma raiva. Uma justa-raiva, digamos assim. A raiva que, de tão grande, arde. Arde! E ardendo assim, tolhidas e tolhidos do seu direito de ir vir, do seu direito de ter acesso aos (poucos) serviços que a sociedade oferece, essas pessoas resolvem gritar, manifestar, protestar na esperança de que suas vidas não sejam ainda mais golpeadas pelos interesses de patrões e empresários.

Mas não é uma esperança que espera, é uma esperança que leva ao agir, inspirados nos exemplos das mais diversas lutas que, por conta delas, fez com que ao longo do tempo, os governos, as polícias a temessem. Assim, utilizam de várias formas de pressão para que que suas vidas possam mudar um pouco, serem tratados como verdadeiros humanos e um dia, de fato, poderem, autonomamente, dar direção a suas vidas.

Mas o que arde mesmo, o que arde é ver que toda essa opressão pode ser ainda maior, e que ao simples direito de protestar, somos recebidos com spray de pimenta. Pimenta, uma especiaria, um tempero há muito utilizado na culinária mundial, sendo utilizado para uma repressão que, com certeza, não iremos engolir. Não vamos escolher o tempero em que seremos devorados. Não vamos deixar ser devorados.

Raimundo Neto F é integrante do Coletivo Enecos Piauí – Uespi
Lucas Vieira é Bacharel em Direito – Uespi, Teresina – Piauí

domingo, 12 de junho de 2011

Levante sua voz


mijam em nós e os
jornais dizem: chove!

Já fora afirmado aqui no blogue, que Lênin esbravejando da sacada do palácio não faz mais revolução. Tal provocação nos convidava a pensar uma outra comunicação, uma contra-comunicação, um modo próprio, popular de se comunicar, em tempos de Intenet, Tv, etc.

A pergunta que é central, dentro dessa discussão, é como o povo pode se reconhecer nesses meios de comunicação, se ele não a constrói? É certo que a comunicação vai para além desses grandes instrumentos (tv, rádio, internet, jornais, revistas) e passa desde uma reunião de trabalhadores insatisfeitos com suas condições, até por um ato público, uma manifestação em que se transmite alguma idéia através do poder de mobilização. Porém, não podemos negar a influência dos grandes meios que, pelo seu alcance, são um dos principais responsáveis pela internalização da ideologia dominante.


A Necessidade de um espaço próprio, legítimo e popular se faz ainda mais presentes para os movimentos sociais e populares. Não é novidade alguma que a mídia serve como instrumento de deslegitimação e criminalização desses movimentos. Quando há algum espaço - o que é raro - que não vá nesse sentido, geralmente descontextualiza-se, deturpa-se o caráter do movimento, descaracterizando-os.

Tive uma oportunidade recente, por ocasião, do Encontro Regional de Estudantes de Comunicação (ERECOM), realizado aqui em teresina, de facilitar junto com a ENECOS (Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação) uma oficina sobre comunicação popular com uma ocupação urbana que, inclusive, é acompanhada pelo CAJUINA (Centro de Assessoria Jurídica Popular de Teresina). No diálogo com os ocupantes ficava claro que mesmo o mais bem "ameno" meio de comunicação que entrou em contato com o Movimento, queria apenas adaptá-lo a sua visão (Talvez pelo fato de ser um prédio abandonado pelo poder público, alguns ataques por parte da mídia foram mais amenos), quando não o criminalizava diretamente; sendo relatado por uma ocupante, inclusive, que uma repórter queria ditar as respostas que seriam divulgadas na TV. Espaço maior, claramente, sempre era dado ao poder público. Após o diálogo, tentou-se, na oficina proporcionar meios para a comunicação do próprio movimento, interna e externamente, com jornal-mural, fotos, depoimentos em vídeos feitos pelos próprios ocupantes.


foto tirada ao final da oficina.

Nesse sentindo, muito interessante o vídeo "Levante sua voz", produzido pelo Coletivo Intervozes:


O Mesmo Coletivo, há alguns dias, se manifestou após o Ministério das Comunicações divulgar lista dos detentores de outorgas de rádio e TV no Brasil. Só a título de exemplo, o Coletivo coloca que 21% dos Senadores e 10% dos deputados federais são concessionários de rádio e TV. Fácil perceber que não vai vir do Congresso a iniciativa em questionar essas concessões, nem muito muito menos serão esses meios de comunicação que fomentarão uma comunicação popular. O manifesto na íntegra pode ser lido aqui.


Outro documento interessante para esse debate é Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) que tinha como objeto, entre outros, atacar "Omissão legislativa inconstitucional em regular a proibição de monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social". Ação essa, não sem surpresa, arquivada por ilegitimidade ativa.

Discutir comunicação alternativa, assim, passa desde uma produção de formas de comunicação dentro dos movimentos - seja para diálogo interno, seja para externalização de suas práticas - e necessariamente, passa pela contestação da comunicação dominante.

Quem sabe assim, construindo essa contra-comunicação, consigamos vivenciar, frequentemente, um fato pelo qual, Vinicius de Moraes já "poetizava": o operário ser escutado pelo próprio operário.

(...)

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

(...)

Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

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Importante conferir:


quarta-feira, 8 de junho de 2011

CORAJE e música!

por Lucas Vieira Barros de Andrade

Mais uma vez volto à postagem inicial "O que é assessoria jurídica popular?" para o registro de atividades do Corpo de Assessoria Jurídica Estudantil (CORAJE/PI). Na postagem, o ponto 11, coloca-se a necessidade de "inserção de dinâmicas e outras atividades lúdicas ou artísticas (poesias, músicas, brincadeiras, teatro, dança, filmes, etc.) fomentam a produção do tesão nas ações desenvolvidas, seja numa simples reunião de final de semana, numa formação interna, ou numa oficina da ação extensionista"

Algo sempre que tentamos utilizar em nossas atividades foi o uso de arte, como poemas, vídeos e, principalmente músicas. Espalhamos poesias pelos corredores para divulgar nossos espaços, vídeos para problematizar questões e músicas para sensibilização. A música é muito marcante para nós desde "Por quem os sinos dobram?" que elegemos como nosso hino, passando por Clube da Esquina nº 2 onde manifestavámos que (Nossos) sonhos não envelheciam, entre outras e lembrando de Dom Quixote, inspiração para o nome da gestão do CAD/UESPI, uma das sementes do CORAJE, "Por Amor às Causas Perdidas", curiosamente hoje mote do livro do Slavoj Zizek.

A música é, inegavelmente, um espaço fecundo para as atividades do Movimento Estudantil. Muitos nomes de chapas são inspirados em letras da MPB: Primavera nos Dentes, Além do Mito, Desafinando o Coro dos Contentes, Já é tempo de Sair do Lugar, Além do Que Se vê, Nada Será como Antes, Mais Vale o que Será, etc. Não à tôa, na época da ditadura, havia uma discussão muito forte entre a música dita de "protesto" e as demais músicas. Nesse sentido, interessante ler o Manifesto de Augusto Boal, que colocava a Tropicália, como o símbolo da mais burra alienação.

É certo que a música pode estar a serviço da alienação, do inconformismo (a própria Jovem Guarda foi o exemplo mais escancarado), mas não se pode negar a possibilidade de apropriação de músicas mais metafóricas que, embora não façam a denúncia direta, guardem sentidos contestadores. Ainda que a intenção inicial não tenha sido a "derrubada da parede", e sim apenas a redecoração, a forma como ela é usada pode ressignificá-la, podendo tão quanto "Disparada (para não dizer que falei de flores)" - uma das músicas de protesto mais conhecida - ser um meio para chamar o povo a dar as mãos, fazer a hora, sem esperar acontecer.

Como Paulo Freire coloca o importante é que nossa voz tenha outra semântica, outra música. "Falo da resistência, da indignação, da ‘justa ira’ dos traídos e dos enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas.

Assim, se utilizamos as músicas como elemento sensibilizador, questionador, acompanhado de todo um processo pedagógico, o seu potencial crítico, mobilizador se mutiplica.Voltando à idéia da postagem (Coraje e música), dentre as várias músicas já trabalhadas no projeto principalmente nos nossos ciclos de formação (os chamados encorajamentos) destaco uma, utilizada em uma recepção aos calouros. "Noites do Irã", Rodrigo Maranhão.

A idéia de utilizar tal música vem na desconstrução da idéia civilizatória e progressista da Globalização, de melhorias para toda a população mundial. A intenção era agregar, também na discussão da descolonização, inquietação que se fortaleceu no projeto, principalmente, após o minicurso "Crítica da Crítica Crítica". Nas palavras do nosso companheiro Pazello:

Quando nossa tarefa se torna a de debater sobre o “como” a partir do qual se deverá entender a América Latina e, dessa forma, nós mesmos, impossível não concluir pela necessidade de descolonizar nossas lentes e óculos e perceber que temos irrevogável mandato – o de pensarmos a nossa realidade desde nossa geopolítica e de construirmos nossa realidade desde nossa vivência autêntica.

Rodrigo Maranhão - Noites do Irã

Quem sabe o que canta o menino no mundo dos homens
E não nesse mundo quadrado que os olhos me comem
Quem sabe a canção de ninar de uma mãe afegã
Quem sabe dizer haverá poesia nas noites do Irã

No Zaire, qual hit-parade?
Luanda quem ouve teus ais?
E que pedacinho me cabe em qualquer um dos teus canais?
Se tudo tá globalizado, notícias de Gana não vi
E quantos irmãos que não tive por um grande irmão que não quis

Menino tu tenhas cuidado
Que as rádios podem não gostar
Não fale tal barbaridade
E ponha-se no seu lugar

Me diz quem ditou essa moda
E quem vai julgar o juiz
E quem vai viver de mentira
O sonho de outro país

sábado, 4 de junho de 2011

Registro histórico e AJP: um vídeo de CORAJE

por Lucas Vieira Barros de Andrade

Na postagem, que é destacada nesse blogue, "O que é assessoria jurídica popular?", há um ponto em que se ressalta a necessidade de registros das atividades de um núcleo de AJ(u)P. Como é colocado na postagem, as inúmeras demandas impedem esse registro. O registro histórico permite acompanhar a evolução do núcleo, as discussões travadas, as dificuldades, vivências, leituras, etc. Desta forma, aquele/a que se iniciar no núcleo contará com um material que não só o repasse oral (também importante) para a sua formação na assessoria.

Entre o final de 2010 e o começo de 2011, todos/as os/as fundadores do Corpo de Assessoria Jurídica Estudantil (CORAJE) - projeto de extensão tocado por estudantes da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), em Teresina - já haviam saído do projeto. Alguns já haviam deixado antes e outros saíram com a formatura. Mas nas nossas conversas e avaliações consensuamos o quanto negligenciamos o fator registro no projeto, não por falta de entendimento da importância, mas por, no correr do dia-a-dia, não conseguir se organizar, efetivamente, para ter um registro sistematizado, mais ordenado, etc. Some-se o fato, enfrentado pela maioria dos núcleos de assessoria jurídica estudantis, de não termos uma sala fixa. Tanto que uma de nossas militantes, Juliana, ao escrever sua monografia, cujo tema era a experiência do CORAJE, encontrou certa dificuldade com materiais espalhados em nossas casas, HD's, nas salas do movimento estudantil, etc.

Esse ponto do registro me veio à mente agora, quando mexendo em arquivos pessoais, encontrei um vídeo gravado na ocasião da II Semana do CORAJE, realizada em 2008, na UESPI. É o vídeo de abertura, no 1º dia da 'semana' que teria 03 dias. Vendo o vídeo, tentei puxar na memória as discussões travadas para a construção dessa abertura. Queríamos algo que, já de cara, quebrasse com o formalismo típico das semanas jurídicas das faculdades de Direito. Quando tivemos a surpresa de que tínhamos muitas inscrições (o número não me é exato, entre 100 e 150 pessoas, acredito) essa necessidade ficou mais forte.


A idéia da apresentação inicial era colocar problematizações em relação à Justiça e também às opressões (em relação a classe, orientação sexual, idade, etc.) e de como essa Justiça que temos não contempla tais grupos e que é preciso uma mobilização para a destruição dessa e a construção coletiva de uma nova Justiça. Não lembro, ao certo, as discussões – daí a importância do registro como um todo. Éramos todos muitos novos, com as primeiras discussões ainda tomando "corpo", ainda muito imaturos, mas a vontade e a "coragem" nos impulsionava a fazer, sabíamos do que não queríamos e tínhamos uma idéia pra onde caminharmos - por isso convocávamos tod@s para fazer parte dessa construção.

Ao fim da apresentação, um texto de Roberto Aguiar, retirado do Livro 'O que é Justiça?', o qual reproduzo abaixo:

Bailarina inconstante e volúvel, a justiça troca de par no decorrer do jogo das contradições da história. Ora a vemos bailar com os poderosos, ora com os fracos, ora com os grandes senhores, ora com os pequenos e humildes. Nesse jogo dinâmico todos querem ser seu par e, quando ela passa para outras mãos, logo será chamada de prostituta pelos relegados ao segundo plano. A justiça sobrevive a todos os ritmos e a todos os pares, porque ela se pensa acima de todos eles, acima de todos os ritmos e pares, como se pairasse em um lugar onde os choques e os conflitos não existissem. Mas, nesse grande baile social, as, todos são comprometidos, ou com os donos do baile ou com a grande maioria que engendra novos ritmos que irão romper com as etiquetas e os próprios fundamentos da festa. E a justiça, julgando-se eterna e equilibrada, não sabe, mas envelhece, esvazia-se, torna-se objeto de chacotas e aqueles que foram por tanto tempo preteridos e nunca tiveram em suas mãos essa mulher, começam a pensar que não é uma fêmea distante e equilibrada que desejam, mas uma mulher apaixonada e comprometida que dance no baile social os novos ritmos da esperança e do comprometimento. Não querem mais um ser acima de todos, mas o que está inserido na luta daqueles que se empurram e gritam para que seus ritmos e músicas sejam ouvidos: os ritmos e músicas da vida, da alegria, do pão e da dignidade.

Essa bailaria que emerge não será diáfana e distante, não será de todos e de ninguém, não se porá acima dos circunstantes, mas entrará na dança de mãos dadas com os que não podem dançar e, amante da maioria, tomará o baile na luta e na invasão, pois essa justiça é irmã da esperança e filha da contestação. Mas o peculiar nisso tudo é que a velha dama inconstante continuará no baile, açulando seus donos contra essa nova justiça que não tem a virtude da distância nem a capa do equilíbrio, mas se veste com a roupa simples das maiorias oprimidas.

Essa nova justiça emergente do desequilíbrio assumido, do compromisso e do conflito destruirá aquela encastelada nas alturas da neutralidade e imergirá na seiva da terra, nas veias dos oprimidos, no filão por onde a história caminha. O que é a Justiça? É esta.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Jornalismo da maioria, ouro de poucos

Por Jorge André e Lucas Vieira

Você sabe
O que eu quero dizer
não tá escrito nos outdoors
Por mais que a gente grite
O silêncio é sempre maior
Humberto Gessinger

É emblemático, para a construção da imagem do governo cubano como negativo, limitador das liberdades individuais e opressor de direitos humanos como a democracia, que um jornalista faça greve de fome. Logo, desdobram-se argumentos de que o socialismo é ruim para o mundo atual, e, mais ainda, que é autoritário, ditatorial.
O que não se questiona na grande imprensa é se o mundo construído além dessa ilha da América Central é garantia de um quadro oposto a isso. E, principalmente, se é melhor do que a teorização – e práticas – socialistas.
Como acreditar que uma sociedade onde o lucro tem grande importância; a diversidade de raças e sexualidades é veladamente tolhida; a democracia é concedida de uns para outros como um presente, e regida por limites dos países dominantes; como ela pode ser tão melhor para os seres humanos? É progresso? É desejada?
O jornalista, e o jornalismo que o apóia, funda sua atividade, predominantemente, na crença em um progresso. Mas a troco de quê? Da exaltação dos lucros fantásticos, por exemplo, que os royalties do pré-sal trarão a uns poucos brasileiros – que poderão sonhar com os padrões do multibilionário Eike Batista, reverenciado como um grande empreendedor?
Aqueles que saíram às ruas, aos gritos de "O petróleo é nosso!", talvez sejam os menos beneficiados por essas grandes somas de dinheiro. Serviram mais de fontes para compor a matéria jornalística, e sensibilizar a opinião pública para que se manifeste contra a "desigual" repartição das fatias do bolo. Ou, pelo menos, para que "a voz do povo" legitime as práticas que tenderem a não partilhar o lucro.
É de se esperar que estes mesmos agitadores apareçam nas ruas, clamando pela melhor distribuição de rendas, quando perceberem que as condições de vida não melhoraram, e o petróleo virou ouro de poucos.
A imprensa majoritária, que entende democracia como liberdade ampla e irrestrita de expressão, esquece de dar voz aos que certamente também precisam. É impossível não comunicar, diria o teórico. Mas é possível não repercutir da forma que se espera.
Cuba é um país socialista diante de uma quantidade enorme de capitalismos – plurais, sim, mas todos calcados no triunfo das elites sobre os menos favorecidos. Será que o país não merece uma oportunidade de ter uma imagem mais bem construída? O filósofo Michel Foucault disse que o poder não é uma manifestação somente negativa, pois se assim o for, não se sustenta. Cuba deve ter aspectos positivos na sua forma de governo.
Não que agora devam ser defendidas práticas violentas de repressão, ou se reduzir o mundo à polarização capitalismo-socialismo da época da Guerra Fria. Nem vale dizer que o governo castrista só trouxe o bem para aquela ilha. Mas a impressão que se tira do combate feito a esse país é que há uma necessidade de varrer qualquer sombra dos "derrotados" da face da Terra. Mais ainda: que no resto do mundo repressões como essas não existem, o que é uma omissão grave.
Outros também vivem à margem de uma cobertura jornalística mais apurada. O Movimento dos Sem-Terra, por exemplo, aparece aos olhos da opinião pública como "um bando de baderneiros" que "completa um quarto de século zombando da lei", como diria reportagem da Revista VEJA, em 28 de janeiro de 2010.
O que é desconsiderado, em boa parte dos casos, é que o movimento não se restringe a ações violentas, irrefletidas, como grande parcela da mídia quer colocar. Tais ações são, na maioria dos casos, as formas de (ex)pressão que esses trabalhadores têm para reivindicar a reforma agrária, ou ao menos serem ouvidos.
Se não se trata de sacralizar ou aplaudir todas as ações do movimento (reduzi-lo a bom ou mau, em vez de considerá-lo um importante agente social), é preciso que se tenha uma percepção geral de como ele se constitui.
O MST é formado por uma pluralidade de pessoas, e essa é apenas uma de suas faces. Há pessoas lutando por condições mais dignas de vida, por um pedaço de terra, não somente para si, mas para toda uma coletividade.
A partir desta perspectiva é que se pode julgar e/ou entender, sem maniqueísmos, a derrubada de pés de laranja nas terras griladas da Cutrale promovida pelo movimento, por exemplo. Nesse caso, apesar do choque causado pelas imagens, não foram (bem) questionadas as razões do ato; ele apenas foi tachado de arbitrário, irracional.
Essas reflexões são apenas um ponto de partida para se analisar o fazer jornalístico. Não se deve naturalizar as opiniões da maioria como se fossem verdades absolutas, a única versão possível dos acontecimentos.
É preciso sacudir os tapetes, revelar os fatos que ocorrem não só por uma perspectiva dominante, mas perceber que há muitos elementos que podem compor uma notícia. Assim, pode-se pensar em uma imprensa que respeite mesmo a diversidade , marca do mundo contemporâneo, e que se comprometa de verdade com os anseios do povo.

Jorge André Paulino da Silva
Estudante de Comunicação Social -Jornalismo da UFPI (Federal do Piauí) e de Direito da UESPI (Estadual do Piauí), membro do projeto CORAJE (Corpo de Assessoria Jurídica Estudantil) e do Coletivo M.E.U (Movimento dos Estudantes da UESPI)

Lucas Vieira
Estudante de Ciências Sociais da UFPI e de Direito da UESPI, membro do CORAJE e do M.E.U