quinta-feira, 31 de março de 2016

Relato de experiência com o Teatro do Oprimido

Hoje, na coluna AJP na Universidade, de modo a continuar a apresentação dos textos formulados para a disciplina tópica “Assessoria Jurídica Popular”, apresentamos um relato de experiência feito por Washington Palandri Sigolo, no qual se descreve uma oficina de Teatro do Oprimido que foi ministrada em uma aula da já mencionada disciplina. Destaca-se, aí, um belo exemplo das potencialidades do Teatro do Oprimido, mesmo dentro de um âmbito tão formal quanto a faculdade de direito.

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Relato de experiência com o Teatro do Oprimido

Washington Palandri Sigolo           

            Como toda experiência – única em sua essência – fazer uma faculdade de Direito pode levar (e deveria) a reflexões intensas a respeito da profissão, do papel do advogado ou do operador jurídico e de sua articulação com a sociedade em que vive. Considerando que estamos, muitas vezes, encerrados em uma academia que prestigia o formalismo e o conservadorismo em essência e forma, a experiência a seguir relatada quebrou paradigmas. Ideias surgiram a respeito da relação ensino-aprendizagem no ambiente acadêmico, do nosso papel enquanto cidadão e de nossas atitudes no mundo.
            A vivência teve como base o texto de Augusto Boal a respeito de uma experiência peruana com o Teatro do Oprimido. Após a leitura do texto, fomos convidados a experimentá-lo, senti-lo, vivenciá-lo, de forma lúdica, mas não superficial. Cênica, mas não performática. Sutil, mas não imperceptível. Nossa facilitadora não impunha, convidava, dando lugar ao novo, parideira de percepções, gestos, expressões.
            Foram vários os movimentos propostos dentro daquele espaço, a fim de proporcionar o conhecimento do próprio corpo, seu reconhecimento e atuação para além do esperado culturalmente, transformando o corpo em linguagem, fala, discurso. Assim nasce o corpo expressivo e a tentativa não só de comunicar, mas também de transformar. Corpo-objeto, transformador de atitudes nos sujeitos, no mundo. Atitudes políticas, pois impossíveis de serem desvinculadas deste aspecto.
            O teatro como linguagem e como discurso, se não amplamente explorados dentro do tempo-espaço cênico que tivemos – dadas suas limitações-, apareceram pungentemente durante todo o percurso vivencial, de forma mais ou menos consciente. Vislumbramos a linguagem do corpo e pudemos perceber que o ato fala o que a voz cala. As quatro etapas do “plano geral da conversão do espectador em ator” (Boal, 1980: 131) foram, de maneira única, assim experienciadas.
            Inicialmente, procurou-se desmanchar, ao menos parcialmente, as conservas culturais. “Conservas culturais são objetos materiais (incluindo-se obras de arte), comportamentos, usos e costumes que se mantêm idênticos em uma dada cultura” (Gonçalves, 1988: 48). Este desmantelamento serviu para a conscientização do movimento, “para que cada operário, cada camponês, compreenda, veja e sinta até que ponto seu corpo está determinado pelo seu trabalho” (Boal, 1980: 134). No caso do estudante, o quanto nossa inércia foi determinada pela atividade de nossa “máquina de pensar”, em detrimento de nós mesmos enquanto corpos, carregados de sentimentos e sensações.
Ao convite de nos movimentarmos em câmera lenta, tivemos de nos fazer conscientes de cada gesto, cada movimento e do espaço que poderíamos alcançar naquele momento, assim como temos de ter a mesma consciência dos passos que damos em nossa existência.
            Hipnotizando-nos, torcemo-nos, retorcemo-nos, ora guiando, ora sendo guiados pelo outro. O quanto somos hipnotizados por circunstâncias (pessoais, políticas, sociais) não percebidas em nossa vida? Confiamos no outro? Pareceu-me ser o início do trabalho de percepção daquilo que nos guia e de quais forças deixamos ou não nos guiar. A confiança no outro é testada.
Aprofundando-nos mais no trabalho consigo e com o outro (indissociáveis, se pensarmos que o outro representa também o mundo que nos rodeia), guiamos e fomos guiados às cegas pelo parceiro. Insegurança, medo, lentidão, entrega, confiança. Oportunizamos o afastamento do individualismo que assola a sociedade capitalista em que vivemos e possibilitamo-nos a aproximação do outro e o trabalho no coletivo a partir da construção teatral que passo a passo fizemos.
Crianças – criativas, originais e espontâneas – brincamos e lançamo-nos ao espaço... Vivenciamos o lugar do outro e o nosso próprio ao fazê-lo, prática tão afastada dos nossos bancos acadêmicos. Como advogar se diferentes realidades não são conhecidas? Como assumir uma causa como sua, sem empatia, sem colocarmo-nos no lugar do outro? Vivências e experiências são tão (ou mais) importantes para a vida acadêmica quanto uma pilha de livros. Elas dão alma ao saber.
Paulatinamente, percebemos que o teatro representava a vida e uma nova forma de expressão para nossos corpos. Ao promover nossa percepção de si, refletimos também nosso estar no mundo a partir do teatro e suas implicações. Das ações – em duplas ou separadamente – advinham percepções de nosso lugar no mundo e da transformação que nele podemos empreender. Teatro não é apenas expressão, movimento, mas também mudança.
A proposta de Boal, chamada de terceira etapa da conversão do espectador em ator, é o Teatro como Linguagem. O Teatro-Imagem foi explorado sob a forma de um conjunto estático em que os atores/ autores da escultura geral tinham de formar uma imagem diante da palavra “despejo”, como possibilidade fática de uma dada coletividade. Um a um alinhamo-nos, músculos rijos, alma aquecida, posicionando-nos sob a evocação da palavra e da própria imagem que ia se formando diante de nós. Sustentamos posturas, que por sua vez evocavam sentimentos e sensações, em uma escultura que pouco a pouco ia tomando forma. Uns despejados, outros, algozes.
Como atividade final, formamos uma alternativa ao despejo, em que o coletivo trabalhava na construção de uma casa. Momento certo para, como um espelho, verificarmos o que nos une e nos separa. Oportunidade de apreendermos a imagem e transformá-la para um coletivo organizado. Desta forma, construindo pelo e com o coletivo, vivenciamos a construção social que tanto almejamos.
           
Textos base:
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 124-169.

GONÇALVES, C.S. e outros. Lições de Psicodrama: introdução ao pensamento de J.L. Moreno. São Paulo: Ágora, 1988.

terça-feira, 29 de março de 2016

Direito e conjuntura – nova coluna no blogue AJP

A assessoria jurídica popular é uma práxis acima de tudo política. Ela assume um lado da luta de classes – o lado d@s oprimid@s – e busca contribuir com as ferramentas que dispõe e tem procurado desenvolver (advocacia, orientação jurídico-política, educação popular, expressões artísticas etc) para fortalecer a luta por direitos, pela libertação do povo da dominação imposta pelo Direito construído por meio da política burguesa. A transformação do papel do Direito nas sociedades capitalistas contemporâneas exige da AJP ser muito mais que mera “assessoria técnica” para movimentos sociais e comunidades populares; o que se exige da AJP neste momento é apontar à militância os modos como o Direito tem sido utilizado para viabilizar os interesses das classes dominantes.

Direito é “política concentrada”. Os políticos burgueses fazem a “norma geral” e @s “operador@s do direito” (extraídos da pequena burguesia, de setores médios e alguns setores mais remediados do proletariado) são selecionados por concursos burocráticos (que fazem seleção por renda antes de seleção por conhecimento, senso de justiça etc) para “aplicar” essas normas aos casos concretos, influenciados pelo ensino jurídico conservador, pela visão de mundo construída pela mídia dominante, pelo completo desconhecimento do “mundo real” para além dos livros e dos luxos dos gabinetes e das repartições com ar condicionado.

Positivista ou “pós-positivista”, as principais ferramentas de trabalho dos juristas continuam sendo as Constituições, as leis, as medidas provisórias, os decretos etc., construídas por meio da política burguesa, e portanto submetida às contradições permanentes das lutas de classes. Fazer análise de conjuntura hoje sem conhecer os meandros do campo jurídico é impossível: representa não apenas ingenuidade (talvez a velha crença na “neutralidade” do Direito e das instituições jurídico-políticas), mas é mesmo um verdadeiro suicídio político para as esquerdas e os movimentos sociais.

Com a nova coluna “Direito e conjuntura”, o blogue AJP buscará trazer contribuições para entender a “conjuntura” entendida num sentido amplo (como conjuntura política, econômica, ideológica, cultural etc) e em diferentes escalas geopolíticas (como conjuntura nacional, regional, internacional etc). E não tem muito tempo neste momento para esclarecer determinadas ferramentas de interpretação da conjuntura atual ou sobre o papel específico do Direito dentro das relações sociais analisadas (o que se irá construindo ao longo do caminho), pois inicia em pleno contexto de um “golpe de Estado de novo tipo” que está sendo gestado no Brasil. Neste golpe, o Direito exerce um papel de destaque que é preciso compreender.


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O Brasil à beira de um “golpe de Estado de novo tipo”


Diego Augusto Diehl

1. Um “golpe de Estado de novo tipo”

Em 1964, o Brasil foi palco de uma nova modalidade de golpe de Estado, de caráter empresarial-militar, que trazia como novidade a derrubada de um governo democraticamente eleito pelo povo não por meio da ocupação das forças armadas estadunidenses (caso de Arbenz na Guatemala em 1954) ou por disputas intestinas das forças armadas da nação (caso da maioria dos golpes de Estado vistos nos países latinoamericanos desde suas respectivas independências – formais – no início do séc. XIX). A novidade do golpe brasileiro de 1964 foi o de se forjar uma nova coalizão de forças sociais internas da própria sociedade nacional (burguesia industrial, banqueiros, multinacionais, latifundiários, Igreja Católica, OAB, imprensa burguesa e setores da pequena burguesia urbana), liderada pelos militares e disposta a fortalecer os laços de dependência com os EUA.

Para isso foi preciso dissolver a ordem jurídica vigente em nome de uma suposta “segurança nacional”, que era em realidade a segurança de suas classes dominantes locais e dos interesses do imperalismo no plano de nossa economia dependente. O caráter de ruptura institucional era tão evidente que a própria ditadura teve de se auto-intitular como “revolução”, invocando assim a semântica da esquerda revolucionária para buscar legitimar a instituição de uma nova ordem jurídica anti-democrática, de exceção, que durou 25 anos no Brasil e deixou profundas marcas que duram até hoje.

O modelo do golpe brasileiro foi então “exportado” para os demais países latinoamericanos, numa onda sucessiva de golpes militares que impuseram terríveis ditaduras em praticamente todos os países da Pátria Grande. Militares dos mais diversos países vinham ao Brasil conhecer os métodos adotados pelo golpe de 1964, para poder “replicá-los” em seus próprios países, como tem demonstrado nos últimos anos as aberturas dos arquivos da chamada “Operação Condor”, que teve participação direta dos EUA (Pentágono, Departamento de Estado, CIA etc).

O que está sendo gestado neste momento – 2016 – no Brasil é numa nova modalidade de golpe de Estado – um “golpe de Estado de novo tipo” – , que podemos denominar de golpe midiático-jurídico-parlamentar. Trata-se de um golpe de Estado muito mais refinado que a mera truculência dos “gorilas” que baixam “Atos Institucionais” (figura jurídica de exceção do direito militar) que representam a ruptura da ordem institucional. Ademais, apesar das semelhanças com golpes parlamentares (Paraguai 2012) e judiciais (Honduras 2009) vistos recentemente, pode ser considerado como um “golpe de Estado de novo tipo” porque é o resultado de uma conjugação complexa de múltiplas ferramentas em prol de um objetivo comum: a formação de um novo governo neoliberal realinhado com os EUA.

A novidade do golpe em curso no Brasil é portanto a combinação desses diversos elementos no contexto de uma sociedade complexa e de dimensões continentais, com importância geopolítica em escala mundial. Caso logre êxito (o que ainda não está decidido), pode se tornar um modelo para a derrocada dos chamados “governos progressistas” em toda a Pátria Grande e de qualquer governo "não alinhado" aos interesses "ocidentais" nas mais diversas partes do mundo.



No próximo post, trataremos do papel decisivo do Direito nesse “golpe de Estado de novo tipo”. Eis o plano dos próximos pontos de análise:


2. O papel do Direito no “golpe de Estado de novo tipo”


3. Da aparência à essência do “golpe de Estado de novo tipo”: a conjuntura política que movimenta as instituições jurídico-políticas


3.1. A conjuntura política internacional: reascenso da China, decadência dos EUA e o início da “guerra fria 2.0”

3.2. A conjuntura política nacional: a implosão da “Nova República” desde junho de 2013 até o processo de impeachment de 2016

4. O "golpe de Estado de novo tipo", se consolidado, representará simbolicamente o fim da Constituição da "Nova República". Mas o que virá depois?
5. E aí, AJP: vai ter golpe ou vai ter luta?

quinta-feira, 24 de março de 2016

AJUP e a formação contra hegemônica no direito

Continuando a publicação de textos produzidos na disciplina tópica “Assessoria Jurídica Popular”, ministrada no primeiro semestre de 2014, na Universidade Federal do Paraná, por Ricardo Pazello, apresentamos um texto de Kamila Anne Carvalho da Silva, graduada em direito pela UFPR e integrante do MAJUP Isabel da Silva. Nele, abordam-se as possibilidades de uma formação contra hegemônica no direito, a história e a composição das universidades brasileiras e os conflitos entre a organização das AJUPs estudantis e os cursos jurídicos, além de discutir meios de resistência e possíveis contraofensivas da AJUPs dentro das universidades.

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AJUP e a formação contra hegemônica no direito

Kamila Anne Carvalho da Silva

A Universidade brasileira sempre foi um espaço elitizado, surgiu pública e gratuita para que toda a sociedade dividisse os custos da formação intelectual das elites (o que não implica que não deva ser pública e gratuita). O curso de direito, um dos primeiros a surgir e até hoje um dos mais "tradicionais", foi instituído para formar a administração do novo Estado Nação que surgia, portanto reservado exclusivamente para os filhos dos grandes latifundiários.
De lá pra cá a Universidade mudou, mas não estruturalmente. O curso de direito tornou-se um pouco mais permeável aos trabalhadores e trabalhadoras, ainda que estes e estas estejam prioritariamente nas pequenas faculdades e centros universitários de qualidade duvidável. Políticas públicas como o sistema de cotas, vestibulares indígenas e as recentes turmas do PRONERA, além da abertura de cursos noturnos, tornaram os cursos de direito das universidades públicas um pouco, bem pouco, mais acessíveis. No entanto, o conteúdo do curso tem a mesma função que dos primeiros cursos de direito, defender os interesses da elite do alto da legitimidade universitária. E faz pouca diferença se o curso é um dos ditos "críticos", a sala de aula não é capaz de nos fazer refletir a quem serve esse direito que estudamos. Além disso, a lógica universitária mantém rígida a hierarquia entre professor — aquele que detém o conhecimento — e aluno — aquele a quem, como a própria etimologia da palavra diz, falta a luz do conhecimento. Assim, cabem aos, e as estudantes apenas reproduzir.
Nesse sentido, a Assessoria Jurídica Popular se coloca como um espaço de produção de saber contra hegemônico dentro da Universidade, já que se propõe a refletir a quem serve o direito e o conhecimento universitário e a agir concretamente na realidade, ainda que dentro de suas limitações. Se pautando pelas demandas coletivas populares e tendo como suas bases epistemológicas a educação popular, a teoria crítica da sociedade e a teoria crítica do direito, a AJUP subverte a função da universidade porque traz pra dentro do sacrossanto espaço do saber as demandas populares, põe seus integrantes em contato com o conhecimento popular, os faz pisar no barro e ver gente de verdade, não gente de Academia. É contra hegemônica também porque é construída por estudantes, ainda que às vezes junto com professores e professoras, de forma horizontal. A autonomia estudantil é sem dúvidas uma das características centrais da AJUP, sem a qual dificilmente podemos ter a pretensão de que ela se torne um espaço de formação militante. Sem protagonismo estudantil o e a estudante não pensam politicamente os rumos da AJUP e consequentemente não refletem, ou refletem de forma limitada, sobre a sua prática, sobre como isso se contrapõe ao que é dito em sala de aula. Sem protagonismo estudantil não há reflexão sobre a quem serve o direito e o conhecimento universitário. A AJUP, cabe destacar, é um espaço de produção de conhecimento marcado pela relação entre sujeitos estabelecida com a comunidade, portanto um conhecimento que traz ao espaço acadêmico as lutas populares, ainda que pudessem ser muito melhor trazidas pelos próprios sujeitos luta. Assim, é parte do papel da AJUP fazer resistência à produção de conhecimento tradicional da Universidade, intrinsecamente ligada aos interesses das classes dominantes.

No entanto, precisamos ir além de resistir à forma de produção do conhecimento posta. Uma forma de fazer isso é traspor a nossa práxis para a produção teórica acadêmica. É impossível que os membros da AJUP não pesquisem, mas costumamos deixar nossas conclusões apenas para nós. A existência da AJUP já subverte, por si só, a lógica universitária, mas levar essa reflexão a pesquisa acadêmica potencializa essa capacidade. A pesquisa acadêmica ainda permite que usemos a legitimidade dada ao saber proveniente da academia em favor das causas populares. É compreensível que exista uma certa aversão as burocracias da produção académica, aos seus prazos, suas bancas, seus intelectuais sendo prolixos e usando expressões difíceis de entender. Motivo maior pra que a gente também interfira nesse espaço, "formalize", nossas reflexões, mas com a nossa cara, tentando levar as pessoas de verdade pros anais e revistas, as tratando como sujeitos da produção desse conhecimento. A pesquisa acadêmica ainda é uma maneira de guardarmos o que tiramos da AJUP para as próximas gerações, permitindo, que os acúmulos dos núcleos não se percam. É claro que individualmente, especialmente em suas monografias, alguns membros da AJUP se propõem a isso, mas a pesquisa na AJUP deve ser uma tarefa coletiva, tocada ao longo dos trajetos individuais nela, e a muitas mãos.

domingo, 20 de março de 2016

Apresentação por Manuel Eugénio Gándara Carballido



Presentación a la biblioteca de JOAQUÍN HERRERA FLORES
Se me ha invitado generosamente a escribir una lìneas que sirvan para aproximar a la obra de Joaquín Herrera Flores. Intentaré ser breve, y por ello iré directo al grano.

Toda la obra escrita de Joaquín Herrera Flores desarrolla un ejercicio crítico en el que pretende visibilizar los procesos históricos de lucha a favor de una vida digna, además de desestabilizar desde sus fundamentos las situaciones de injusticia, proponiendo alternativas de acción. Su obra parte de la convicción de la necesidad de repensar los derechos humanos, dada la realidad del mundo después de casi 70 años de proclamada la Declaración Universal de estos derechos.

Afirmando la necesidad de superar la visión convencional que de los derechos humanos se ha impuesto, marcada por el enfoque liberal y sesgada hacia una comprensión meramente jurídica de los mismos, Herrera Flores vincula los derechos con los procesos de lucha popular en la búsqueda por hacer posible los diversos proyectos de vida desde las particularidades y diferencias de cada contexto cultural e histórico.

Según plantea en su libro La Reinvención de los Derechos Humanos, hablar de derechos humanos es hacerlo de la ´apertura de procesos de lucha por la dignidad humana´... (pero) corremos el riesgo de ´olvidarnos´ de los conflictos y luchas que han conducido a que exista un determinado sistema de garantías de los resultados de las luchas sociales y no otro diferente.” Por eso, afirma Herrera Flores, es necesario comprender los derechos humanos desde “sus estrechas relaciones con las expectativas e intereses de los grupos sociales interesados en su formulación y en su puesta en práctica.” Se trata, pues de una apuesta crítica ante la perspectiva formal y abstracta en la que tantas veces ha quedado atrapado el discurso de los derechos, aislándolo de las necesidades e intereses de los actores históricos de las luchas por condiciones de vida digna.
Con audacia intelectual y política, Herrera logra así formular todo un reto para la construcción de políticas en cualquier Estado que se pretenda realmente democrático, de derecho y de justicia, y nos ayuda a repensar los derechos humanos, como un primer e ineludible paso para reinventar aquellas prácticas orientadas a transformar nuestra realidad.


Joaquín Herrera Flores, quien murió en octubre de 2009, fue profesor de Filosofía del Derecho y Teoría de la Cultura en la Universidad Pablo de Olavide de Sevilla, España, donde también dirigió el Programa Oficial de Máster-Doctorado en Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo. En el contexto latinoamericano su obra es conocida fundamentalmente en Brasil, donde participó con frecuencia en la formación de miembros de la administración de justicia. De igual manera, en un ejercicio permanente orientado a articular la labor intelectual con prácticas sociales transformadoras, dirigió el grupo de investigación sobre “Control de la calidad democrática de los presupuestos participativos de la ciudad de Sevilla”. En este marco, fue asiduo participante en jornadas de discusión con distintos activistas de colectivos sociales.Su labor teórica ha quedado recogida en textos como “La Reinvención de los derechos humanos” (Atrapasueños, 2008), “Los derechos humanos en la Escuela de Budapest (Tecnos, 1989), “Los derechos humanos como procesos culturales. Crítica del humanismo abstracto” (Catarata, 2005), “De habitaciones propias y otros espacios negados. Una teoría crítica de las opresiones patriarcales” (Universidad de Deusto, 2005) y “El proceso cultural. Materiales para la creatividad humana” (Aconcagua libros, 2005); en portugués publicó “O nome do Riso. Breve tratado de arte e dignidade” (Cesusc, 2007). Junto a otros autores escribió también “El vuelo de Anteo. Derechos Humanos y crítica de la razón liberal” (Desclée De Brouwer, 2000). Toda su obra escrita da cuenta de una reflexión madurada en el debate comprometido con la construcción de condiciones de vida digna para todos y todas.

Biblioteca Herrera Flores

Biblioteca Joaquín Herrera Flores


Agradecimento

Queremos agradecer especialmente a Manuel Gándara, que fez a apresentação desta coleção. Assim como a Noelia Cámeron Núñez, do Instituto Joaquín Herrera Flores, de Sevilha, Espanha.
Agradecemos ainda ao David Sánchez Rubio, Salo de Carvalho, César Baldi e Alexandre Bernardino Costa.



Livros

SÁNCHEZ RUBIO, David; HERRERA FLORES, Joaquín; CARVALHO, Salo (Coord.). Direitos humanos e globalização: fundamentos e possibilidades desde a Teoria Crítica. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2002.

HERRERA FLORES, Joaquín. Losderechos humanos como productos culturales: crítica del humanismo abstracto. Madrid: Libros de la Catarata, 2005. 296 p.

______. De habitaciones propias yotros espacios negados: una teoría crítica de las opresiones patriarcales. Cuadernos Deusto de Derechos Humanos, n. 33, Bilbao, Universidad de Deusto, 2005. 171 p.

______. La reinvención de losderechos humanos. Andalucía: Atrapasueños, (s.d). 224 p.


Capítulos

HERRERA FLORES, Joaquín. La fundamentación de los derechos humanos desde la Escuela de Budapest. Em: THEOTONIO, Vicente; PRIETO, Fernando (Coord.).  Los Derechos Humanos: una reflexión interdisciplinar: Seminário de Investigación Francisco Suárez. Córdoba: Etea, 1995, p. 23-56.

______. Hacia una visión complejade los derechos humanos. Em: ______ (Org.).  El vuelo de Anteo: derechos humanos y crítica de la razón liberal. Bilbao: Desclée De Brouwer, 2000, p. 19-78.

______. Las lagunas de laideología liberal: el caso de la constitución europea. Em: ______ (Org.). El vuelo de Anteo: derechos humanos y crítica de la razón liberal. Bilbao: Desclée De Brouwer, 2000, p. 129-171

______. Lariqueza humana como criterio de valor. Em: El vuelo de Anteo. Derechos humanos y crítica de la razón liberal. Bilbao: Desclée De Brouwer, 2000. (pp. 245-265)

______. Feminismo y materialismo: hacia la construcción de un espacio social ampliado. Em: SÁNCHEZ RUBIO, David; HERRERA FLORES, Joaquín; CARVALHO, Salo (Coord.). Anuário Ibero-Americano de direitos humanos: 2001-2002. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2002, p. 321-364.

______. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. Tradução de Carol Proner. Em: WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Direitos humanos e filosofia jurídica na América Latina. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2004, p. 359-385.

______. La verdad de una Teoría Crítica de los derechos Humanos. Em: MOURA, Marcelo de (Org.). Irrompendo no real: escritos de teoría crítica dos direitos humanos. Pelotas: Educat, 2005, p. 179-274

______. Cultura y derechos humanos desde el Mediterráneo. Em: LÓPEZ, Fernando Martínez; MUÑOZ, Francisco (Org.). Políticas de paz en el Mediterráneo. Madrid: Biblioteca Nueva, 2007, p.185-200.



Artigos

HERRERA FLORES, Joaquín. Lailusión del acuerdo absoluto: la riqueza humana como criterio de valor. Revista de Filosofía, n. 7-8, 1989, p. 125-147

HERRERA FLORES, Joaquín; SÁNCHEZ RUBIO, David. Aproximação ao Direito Alternativo na Ibero-América. Juízes para a democracia, n. 20, v. 3, 1993, p. 87-93.

HERRERA FLORES, Joaquín. Crítica Jurídica y Estudios de Derecho. Revista de Direito Alternativo. 1994. p. 198-217

______. Reflexión en torno al concepto de derechos humanos. Jornadas Internacionales sobre derechos humanos, 5-7 dez. 1998, Granada, Asociación Pro Derechos Humanos de Andalucía, 1999, p. 11-35

______. Los derechos humanos en el contexto de la globalización: tres precisiones conceptuales. Colóquio Internacional Direito e Justiça no Século XXI, Coimbra, mai. 2003, 36 p.

______. Cultura y naturaleza: la construcción del imaginario ambiental bio(socio)diverso. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazónia, n. 2, Universidade do Estado do Amazonas, 2004, p. 37-103.

______. La Construcción de las garantias: hacia una concepción antipatriarcal de la libetad y de la igualdad. Revista do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social, n. 4, Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2007. p. 29-71.

______. Os direitos humanos no contexto da globalização: três precisões conceituais. Lugar Comum: estudos de mídia, cultura e democracia, n. 26, UFRJ, 2008, p. 39-71

______. La complejidad de los derechos humanos. Bases teóricas para una redefinición contextualizada. REID: Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 1, v. 1, São Paulo, jun. 2008, p. 103-135

_______. Testamento. De Jure, n. 14, (s.d), p. 137-145



Entrevistas

HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Constituição e Democracia, n. 23, Sindijus, UnB, Brasília, jun. 2008, p. 12-13.


Inéditos

HERRERA FLORES, Joaquín. La democracia en procesos participativos: princípios, fundamentos y requisitos. Mimeo. 11 p.


_______. 16 Premisas de unaTeoría Crítica del derecho y de los derechos humanos. Mimeo. 8 p.


Observação

Todas as obras aqui foram publicadas há mais de cinco anos ou estão esgotadas. Nossa intenção é unicamente a divulgação da obra do autor para fins de estudo e gratuitamente. Ademais, o autor deixou em seu testamento registrado a vontade de que a divulgação de todas suas obras fossem livres.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Fazer a universidade: AJUP e educação jurídica

Hoje, na coluna AJP e Universidade, trazemos um texto de Isabella Madruga da Cunha, graduada em direito pela Universidade Federal do Paraná e veterana do Movimento de Assessoria Jurídica Universitária Popular (MAJUP) Isabel da Silva, que aborda uma importante faceta da prática da AJUP estudantil: sua intervenção dentro das faculdades de direito, com o objetivo de reformular a universidade e o ensino jurídico como um todo e, em especial, efetivar a valorização da extensão nos currículos. Esta contribuição foi escrita para a disciplina tópica “Assessoria Jurídica Popular”, ministrada por Ricardo Prestes Pazello, no primeiro semestre de 2014.

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Fazer a universidade: AJUP e educação jurídica

Isabella Madruga da Cunha

Queremos aqui trazer uma perspectiva diversa do que geralmente se aborda ao se falar das assessorias jurídicas universitárias populares e sua relação com a Universidade. Em geral, partimos do fato de que as AJUPs permitem a incidência direta de estudantes na realidade concreta, numa perspectiva revolucionária de alteração dessa realidade numa ação dialética e de troca de saberes com as coletividades com as quais se atua e se busca realizar assessoria-comunicação (utilizando a categoria de Freire).
Sem dúvida, esta é a face e a consequência mais evidente das AJUPs e de maneira alguma, ao propormos uma analise de sua outra face, queremos menospreza-la, apenas chamar a atenção para outras potencialidades transformadores das AJUPs. As potencialidades de que se fala são as para dentro, para o interior das universidades.
É que o estudante extensionista passa a ter outra percepção do que é (ou deveria ser) educação jurídica. Vamos explicar melhor. A despeito de estar positivado na Constituição (já que é Direito, por que não falar da norma?) que a educação universitária será composta de ensino, pesquisa e extensão, o tão falado tripé parece mais um mantra declamado pelas instituições do que uma diretriz curricular.
No caso da educação jurídica, especificamente, podemos visualizar duas tendências: a tecnicização do ensino, se voltando para o exame da ordem ou para concursos em geral; e diametralmente oposta, a abstração teórica num ensino que consegue se desprender completamente da realidade e se perder na "ciência" do Direito. Em ambas, não há espaço para as AJUPs.
Nesse sentido, a discussão acerca dos currículos dos cursos de Direito importa muito para as assessorias jurídicas universitárias. Porque apesar de muito aclamado, o mantra do já mencionado tripé não se realiza nas universidades. O único presente efetivamente nos currículos é o ensino, sendo a extensão e a pesquisa, na maioria das vezes, simples “horas complementares".
Dessa forma, fica a cabo do estudante compatibilizar um currículo inchado de disciplinas, num ensino verticalizado, aulas expositivas, no qual o estudante é apenas aluno, simples receptor do conhecimento do magnânimo doutor à sua frente, com a prática da extensão e da pesquisa. E porquanto o ensino é obrigatório, a pesquisa e a extensão são facultativas, são apenas para aqueles alunos que têm aptidão (e uma enorme força de vontade! além da real possibilidade de dedicar o seu tempo escasso para estas "práticas"!).
Assim, a própria existência das AJUPs significa a disputa de um conceito de educação jurídica, bem, não apenas um conceito, mas uma pratica, mas efetivação do que os Projetos Politico Pedagógicos dos cursos trazem em sua maioria, do que a própria Constituição diz, de uma real educação jurídica - aquela que se forma de ensino, pesquisa e extensão. Que só se dará através da associação indissociável destas três faces da educação que queremos, uma educação crítica, emancipadora, construtiva.

Se os currículos dos cursos de Direito continuarem a tratar do ensino, da pesquisa e da extensão, ou seja, da educação, de forma apartada completamente dissociada, a missão colocada para as Universidades nunca se realizará. É por isso que um querido professor coloca que é necessário abandonar este mito do "tripé" e se adotar a metáfora do tronco, um tronco único, em que haja a real intersecção da extensão e da pesquisa com o ensino. É por isso que defendemos que as AJUPs também devem e precisam, pelo seu caráter resistente, se voltar para dentro dos cursos de Direito, para dentro da Universidade, e disputar o conceito de educação jurídica colocado.

quinta-feira, 10 de março de 2016

As AJPs e uma teoria crítica da sociedade

A coluna AJP na Universidade retorna neste ano de 2016 com uma seleção de textos produzidos para a disciplina tópica (equivalente às disciplinas eletivas de outras instituições) Assessoria Jurídica Popular, ministrada por Ricardo Prestes Pazello, na Universidade Federal Paraná, durante o primeiro semestre de 2014. Como primeiro tema, trazemos a discussão sobre a relação da Assessoria Jurídica Popular com uma teoria crítica da sociedade – no caso, especificamente o marxismo – e quais contribuições esses construtos teóricos oferecem à prática das AJPs. O autor, Pedro Pompeo Pistelli Ferreira, é graduando em direito na Universidade Federal do Paraná e participou do MAJUP – Isabel da Silva.

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As AJPs e uma teoria crítica da sociedade

Pedro Pompeo Pistelli Ferreira

Entre várias questões que são necessárias para fundamentar uma boa prática de educação popular e, portanto, da própria assessoria jurídica popular, uma das mais basilares é a construção de uma concepção crítica da sociedade, que, se bem realizada, permitirá desde uma satisfatória crítica ao direito à possibilidade mesma de formular alternativas à realidade atual.
Isso é importante porque, na prática de assessoria junto ao povo, não basta convalidar-se com o sofrimento deste; urge, se se pretende um compromisso real com os esfarrapados e as esfarrapadas do mundo, uma explicação lógica e rigorosa da realidade, que permita compreender o porquê da situação de opressão e que, então, propicie a possibilidade de pensar alternativas à sociedade vigente.
Nenhum caminho, até hoje, parece melhor explicar a situação de pauperismo presente na nossa sociedade do que o marxismo. Marx, n’O Capital, faz uma cirúrgica análise da construção da riqueza capitalista: em aparência, ela parece relacionada à mercadoria e à sua esfera de distribuição (gera riqueza quem compra barato e vende caro); em essência, descobre-se que a geração de riqueza é impossível sem a compra da força de trabalho alheia, que produz mais valor do que recebe em salário. Assim, o trabalho, essa capacidade humana de transformar a natureza humanizando-a e transformar-se a si mesmo humanizando-se, torna-se atividade repetitiva, alienada, feita tendo em vista um mísero salário e não a plena realização do ser humano. Os setores burgueses, para lucrar, precisam utilizar meios diretos (reduções de salários, aumento da jornada de trabalho, etc.) e indiretos (aumento da tecnologia capitalista e, portanto, da produção e de suas forças produtivas) de exploração. A sociedade, dessa forma, deixa de ser controlada por homens e mulheres que buscam humanizar-se, mas sim por pequenos grupos que, cegados pela busca do aumento da produção e das riquezas, constroem uma sociedade com prioridades invertidas: o ser humano passa a ser governado pelo ímpeto do capital de acumular-se infinitamente, insaciavelmente.
Contudo, o rigoroso método usado por Marx para a apreensão da realidade não serve apenas para a denúncia dos problemas da sociedade; ele nos sugere a busca de alternativas para a construção de uma humanidade emancipada.
Sua atuação política e teórica esteve estreitamente ligada à organização do operariado: participou em reuniões de seitas socialistas de trabalhadores franceses, defendeu as revoltas dos tecelões da Silésia em 1844 contra as opiniões de antigos companheiros, participou da Liga dos Comunistas, atuou durante as insurreições de 1848, teve estreitos laços com o movimento cartista na Inglaterra, teve parte protagonista na Primeira Internacional dos Trabalhadores, acompanhou ativamente o breve governo da Comuna de Paris e fez-se importante interlocutor para os populistas russos em sua luta contra o tsarismo – para citar apenas alguns casos. Sempre teve tais condutas almejando aprender com a luta dos trabalhadores e das trabalhadoras e, dela, extrair alternativas ao capitalismo.
Lenin, por exemplo, captou com muita propriedade essa tendência, ao comentar a relação de Marx com a Comuna de Paris:
“Alguns meses antes da Comuna, no outono de 1870, Marx, pondo de sobreaviso os operários parisienses contra o perigo, demonstrava-lhes que qualquer tentativa para derrubar o governo era uma tolice ditada pelo desespero. Mas quando, em março de 1871, a batalha decisiva foi imposta aos operários e estes a aceitaram, quando a insurreição se tornou um fato consumado, Marx saudou com entusiasmo a revolução proletária. Apesar dos seus sinistros prognósticos, Marx não teimou em condenar por pedantismo um movimento ‘prematuro’ [...]. Muito embora o movimento revolucionário das massas falhasse ao seu objetivo, Marx viu nele uma experiência histórica de enorme importância, um passo para a frente na revolução proletária universal, uma tentativa prática mais importante do que centenas de programas e argumentos. Analisar essa experiência, colher nela lições de tática e submeter à prova a sua teoria, eis a tarefa que Marx se impôs” [1].
Não é à toa que Marx, após ser influenciado pela Comuna de Paris, reescreve O Capital, criando sua edição francesa – que ele próprio recomendou ser lida mesmo por quem já conhecia a versão alemã –, quando é, por exemplo, desenvolvida e estendida a parte sobre o fetichismo da mercadoria: esse fenômeno que só terá o fim de seu misticismo quando a denominada “figura do processo social da vida”, enfim, “como produto de homens livremente socializados, [...] ficar sob seu controle consciente e planejado” [2].
Logo, a construção teórica de Karl Marx é imprescindível para a consecução de uma atuação concreta e realmente libertadora das AJPs, porque, primeiro, explica de forma rigorosa a construção desigual e exploradora da sociedade capitalista; depois, dá indicações de como construir uma alternativa ao modo de produção vigente: com um estreito vínculo ao lado dos movimentos emancipatórios dos trabalhadores e das trabalhadoras, dos oprimidos e das oprimidas. Uma teoria crítica da sociedade que explique as razões da exploração e da opressão, como a propiciada pelo materialismo histórico – que, certamente, nunca deve isolar-se do diálogo com outros pensamentos críticos –, então, é um fundamental ponto de partida para pensar em temas caros à assessoria jurídica popular, como uma crítica ao direito, o estudo da completa marginalização de grande parte da sociedade e a reflexão incessante sobre a árdua execução de ações libertadoras que rumam para a construção “da felicidade que segue caminhando” [3].

[1] LENIN, Vladimir Ilitich. O estado e a revolução. Campinas-SP: FE/UNICAMP, 2011, p. 72, grifos nossos.
[2] MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política. t. I. Livro Primeiro. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 205.
[3] Trata-se do final de poema de Roque Dalton sobre Marx, com “tradução” nossa. Ver: DALTON, Roque. Karl Marx. Em: CHERICIÁN, David (comp.). Asalto al cielo: antología poética. 2. ed. Caracas: El perro y la rana, 2010, p. 445.