quarta-feira, 13 de março de 2013

O Neofacismo, facismo social


Miguel Lanzellotti Baldez

Peço licença para voltar ao assunto em razão de outros fatos, alguns continuados no tempo, os demais novos, todos agudamente preocupantes como evidência do fascismo social de que nos adverte Boaventura de Sousa Santos (a gramática do tempo). Como fatos recentes, a inversão conceitual dada pela televisão, a TV Globo com ênfase maior, à reação do povo venezuelano à morte do presidente Hugo Chaves e a pujança democrática de seu governo, uma democracia horizontal como a de Cuba. Disse-o muito bem o professor Gabriel Cohn em artigo publicado, no último número do Le Monde Diplomatique Brasil, a televisão "há muito deixou de ser meio no sentindo de veículo de mensagens para converter-se em meio no sentido de ambiente que fornece enquadramento para a vida das pessoas". Enfim, todos, sendo pessoas de bem (para a TV corruptela de bens), devem-se confortar-se como ela, "espelho da sociedade", propõe. À TV cabe bem o pressuposto de ovo da serpente (qualquer forma de ditadura). Ninguém se iluda com o discurso em torno da apuração dos crimes da ditadura militar, mero e desprezível disfarce. 

terça-feira, 5 de março de 2013

SOBRE A AJUP ROBERTO LYRA FILHO

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Depois de muito tempo sem escrever neste blogue, retorno trazendo o relato das atividades que estamos desenvolvendo aqui no Planalto Central, a partir da Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP) Roberto Lyra Filho.

Nossa AJUP pode ser considerada uma feliz convergência, começando por seu nome, que congrega a sigla da experiência de Pressburguer e Baldez no RJ (AJUP) com o nome daquele que é talvez a maior referência do pensamento jurídico crítico no Brasil, Roberto Lyra Filho, prata da casa, da Universidade de Brasília (UnB).

A AJUP é também a convergência de um grupo de advoga@s populares que, desde o final de 2011, passou a se organizar para atuar voluntária e coletivamente na defesa jurídica de movimentos sociais no Distrito Federal. Tudo começou com o apoio ao acampamento Gildo Rocha, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), passou pelo acampamento 8 de Março do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e também acompanhou casos de despejos na Cidade Estrutural (região administrativa que cresceu em torno do Lixão de Brasília) e a luta dos índios Fulniô-Tapuya contra a destruição do seu Santuário dos Pajés pelo capital imobiliário, em virtude da construção do chamado “Setor Noroeste”.

No início as dificuldades foram imensas, tendo em vista por vezes a nossa inexperiência, mas especialmente a falta de organização. Com o tempo, foi possível estreitar contatos e atuar de forma preventiva, antecipando conflitos que se avizinhavam. No entanto, a falta de um apoio institucional e a falta de contato com os estudantes da UnB gerava dúvidas sobre a continuidade dos trabalhos. Outro problema identificado era que a atuação se restringia à advocacia popular, sem congregar atividades de educação popular, e que ainda por cima assumia muitas vezes uma perspectiva imediatista, “apagando os incêndios” dos conflitos cotidianos.

Felizmente, foi posível congregar um grupo de estudantes da Faculdade de Direito da UnB e de outros cursos jurídicos de Brasília, e, com o apoio do professor José Geraldo de Sousa Júnior, coordenador da AJUP, foi possível a sua formalização no Decanato de Extensão da UnB como Projeto de Extensão de Ação Contínua (PEAC). Com isso foi possível obter apoios na forma de bolsas e fomentos, impulsionados ainda pelo apoio do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ), no qual o projeto possui atualmente um espaço para sua organização.

A assessoria jurídica popular era até então relativamente desconhecida na FD-UnB, cuja trajetória é forte na construção de projetos de extensão que atuam na educação popular em direitos humanos, sempre sob a perspectiva do Direito Achado na Rua, mas sem maior experiência no campo da advocacia popular (a maior experiência nesse sentido havia ocorrido no caso da Vila Telebrasília, no início dos anos 1990). A AJUP veio portanto para se somar às iniciativas de extensão popular, com o diferencial de buscar articular 3 eixos de atuação: (i) advocacia popular; (ii) educação popular; e (iii) fortalecimento político dos movimentos populares.

A advocacia popular é entendida não apenas como a atuação jurídica perante o Poder Judiciário, mas também como assessoria técnica aos movimentos populares nas negociações que ocorrem cotidianamente com o Poder Executivo, no acompanhamento de projetos de lei em tramitação no Poder Legislativo, na promoção de debates com outros agentes do sistema de justiça (Defensoria Pública, Ministério Público etc), e muitas outras atividades que surgem no cotidiano da atuação.

Já a educação popular é vista como o meio para a construção do diálogo com o movimento popular, desde as lideranças até as suas bases, buscando socializar as informações geralmente “codificadas” pela linguagem jurídica e por todos os seus aspectos técnicos. Trata-se de um trabalho de tradução, além de uma atividade de pesquisa-ação, já que, na interação com a comunidade, é possível extrair, junto com ela, os principais problemas enfrentados no cotidiano da luta política e social.

O fortalecimento dos movimentos populares é promovido pelas atividades de advocacia e de educação popular, compreendendo que o papel d@ assessor@ jurídic@ popular não é o de liderar ou organizar @s trabalhador@s, mas contribuir para processos autônomos de organização popular, fortalecendo os movimentos já organizados, inclusive com a inserção de novas pessoas e de novas comunidades nessas organizações. Não há, portanto, uma dicotomia entre atuação na comunidade e atuação no movimento social, mas uma necessária articulação entre ambos os aspectos.

Talvez um dos maiores desafios enfrentados atualmente pela AJUP seja a construção de um equilíbrio dialético entre seus 3 pilares, já que não há na verdade uma separação estanque entre eles. Na prática, foi possível compreender o quão pedagógica pode ser uma luta política, motivo pelo qual a atividade de advocacia popular, quando impulsiona essa luta, pode ser considerada também uma atividade pedagógica (exemplo disso pode ser encontrado no video abaixo). Por outro lado, a advocacia permite a construção de laços de confiança com os movimentos populares, tornando os contatos e as atividades de educação popular mais propícias ao debate franco entre trabalhador@s e integrantes do projeto.


Atualmente, a AJUP está organizada em 3 frentes de atuação. Uma frente atua com o MTST; outra com os movimentos que compõem a Via Campesina; e a terceira com @s catador@s de materiais recicláveis da Cidade Estrutural e também com o Movimento Popular por uma Ceilândia Melhor (MOPOCEM). Não há portanto uma organização interna do projeto com base nos chamados “ramos jurídicos”, mas sim a partir dos movimentos sociais concretos com os quais o grupo se propôs a atuar. Assim, @s integrantes de cada frente buscam construir relações orgânicas de confiança com as organizações populares, propondo-se a assessorá-las nos temas considerados problemáticos e sobre os quais a AJUP pode dar contribuições efetivas.

O fato de ter em todas as frentes a congregação de advogad@s e estudantes, não apenas do Direito mas de diversos outros cursos (Psicologia, Comunicação Social, Ciência Política etc), faz com que a AJUP tenha uma atuação diferenciada. Não seria exagero dizer que o projeto é pioneiro nesse sentido, considerando o modo de atuação dos demais projetos e programas de AJP atualmente existentes no país, pois supera na prática a velha dicotomia entre "assessoria X assistência". Não à toa, em menos de 5 meses de criação, a AJUP já havia se tornado uma importante referência junto aos movimentos populares do DF.

Os desafios colocados para a AJUP hoje são inúmeros e imensos. Construir novos estatutos jurídicos de forma democrática e dialogada com @s catador@s de material reciclável, enfrentando o interesse de atravessadores locais e das grandes empresas do setor; pressionar junto com o movimento sem-teto o Poder Legislativo distrital pela aprovação de projeto de lei que impulsione a construção de moradias populares; pressionar o Poder Executivo distrital e federal a destravar a reforma agrária junto com a Via Campesina; ampliar o número de estudantes, sobretudo de outros cursos, nas frentes do projeto; construir novas frentes de atuação que dêem conta de outras demandas atualmente não contempladas (como nas áreas de saúde, educação, transporte, trabalho etc); construir uma política de comunicação interna no projeto e de divulgação mais efetiva aos eventuais interessados...

Essas são apenas algumas das tarefas e dos desafios colocados para o próximo período, que devem estar necessariamente vinculados à atividade de pesquisa-ação, para a qual a construção do Instituto de Pesquisa,Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS) poderá prestar uma contribuição fundamental.

Estivesse vivo hoje, Roberto certamente estaria feliz e empolgado com o futuro da AJUP que leva seu nome. Vida longa à AJUP Roberto Lyra Filho!

Para saber mais: