domingo, 31 de julho de 2011

Para um histórico da advocacia popular no Brasil

Como parte do relato da atividade realizada pelo Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola, no Rio de Janeiro, nos dias 27 e 28 de junho, na sede da Fundação Ford, apresento um pequeníssimo esboço de "histórico da advocacia popular no Brasil".

Por Luiz Otávio Ribas

Mariana Trotta apresenta os objetivos do encontro.
A advocacia pode ser dividida, abstratamente, em pública, privada e popular. A advocacia pública está situada em nossa Constituição Federal como os advogados do Estado brasileiro, como os procuradores dos estados, das fundações, como a FUNAI, e das autarquias, como o INCRA. Os membros do Ministério Público e da Defensoria Pública são vistos como auxiliares da justiça, mas também exercem funções típicas da advocacia, embora os promotores estejam proibidos de exercê-la, por lei, esta se refere somente à advocacia privada. Os defensores públicos são funcionários públicos pagos pelo Estado para advogarem para pessoas sem condições financeiras de arcar com os custos do processo judicial. A advocacia privada reúne todos os inscritos na OAB que se dedicam à advocacia tradicional ou à inovadora.  Os advogados e advogadas populares atuam com movimentos sociais no apoio a causas políticas judicializadas, mas também com projetos de formação, educação popular e comunicação. A assessoria jurídica popular inclui a advocacia popular, a assessoria universitária e a assessoria militante.
No Brasil, advogados e advogadas populares atuaram e atuam, na “redemocratização”, no apoio às práticas jurídicas insurgentes, por meio de serviços jurídicos alternativos.
Destacam-se os grupos de advocacia popular no Brasil, entre outros:
Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), de Recife, Pernambuco, fundada em 1981;
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais do Estado da Bahia (AATR), de Salvador, Bahia, fundada em 1982;
Instituto Apoio Jurídico Popular (AJUP), do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, que trabalhou de 1986 a 2002;
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP), atua em todo o território nacional, fundada em 1995;
Acesso – cidadania e direitos humanos, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, fundada em 1996;
Terra de Direitos, com trabalhadores em Curitiba-Paraná, Recife-Pernambuco, Santarém-Pará, e Brasília-Distrito Federal, fundada em 2002;
Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola, do Rio de Janeiro-Rio de Janeiro, fundada em 2007.
A experiência na resistência à ditadura encaminhou diferentes concepções de advocacia:
- advocacia pública nas procuradorias dos Estados, autarquias e fundações – como os exemplos de Miguel Baldez, que foi Procurador do Estado do Rio de Janeiro; Jacques Alfonsin, Procurador do Estado do Rio Grande do Sul; Carlos Frederico Marés, que foi procurador do INCRA e da FUNAI;
- advocacia tradicional com movimentos sociais – ligada principalmente aos movimentos sindicais, na defesa coletiva de categorias profissionais, como Tarso Genro. Mas também advogados de grandes escritórios que atuam na defesa de militantes, como Nilo Batista;
- advocacia inovadora com movimentos sociais e sindicatos – estão reunidas várias propostas como advocacy, advocacia por uma causa, litigância internacional, entre outras – como a Conectas e a Justiça Global;
- advocacia popular – com movimentos sociais, seja na militância direta ou com autonomia em relação aos movimentos assessorados, com participação na formação e com atividades de educação popular – como a Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares;
- advocacia de juristas leigos – militantes de movimentos que atuam na defesa processual ou com atividades de formação e educação popular. Estão como exemplos inúmeros militantes de movimentos de luta pela terra, por moradia, do movimento indígena, movimento quilombola, movimentos de mulheres, entre outros – como os projetos de educação jurídica popular da AATR e da Themis;
- advocacia de estudantes – os projetos de assessoria universitária, os escritórios modelos, entre outros – como a Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária, o programa Pólos de Cidadania, da UFMG, e o Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos, da UnB.
Duas questões podem ser usadas para problematizar esta classificação. Quais destes grupos estão identificados com a assessoria jurídica popular? Também, quais destes grupos de assessores estão preocupados com a insurgência?

sexta-feira, 29 de julho de 2011

A filosofia na América Latina, encontro em São Bernardo do Campo

Até o dia 08 de agosto de 2011, é possível submeter propostas de artigo para o grupo de trabalho Ética e Cidadania da ANPOF - Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia, que realizará seu encontro na Universidade Federal do ABC (São Bernardo do Campo/SP), entre os dias 16 e 18 de novembro. Trata-se do Encontro Internacional do do GT Ética e Cidadania que reúne vários e importantes filósofos interessados no debate latino-americano, discussão esta de forte impacto para a construção crítica da assessoria jurídica popular, em especial a partir da perspectiva das filosofias de libertação. O tema do encontro será "A Filosofia na América Latina: suas potencialidades e desafios".

quinta-feira, 28 de julho de 2011

da Tensão ao Tesão - (des) ordem e processo no surgimento do NAJUP-DF

O NAJUP já chega incomodando... Esse, pra mim, é um ótimo sinal...



No dia 25 de julho de 2011 o Najup-DF passou a fazer divulgação oficial de seu curso de formação que tem como título “Da tensão ao Tesão: por uma assessoria jurídica popular no DF”.
Para tal, colamos diversos cartazes pelo bloco central da UCB, como é típico da divulgação destes cursos. A repercussão foi tamanha dentro da Universidade que, em 5 horas, já tínhamos um total de 10 inscritos para um curso que conta com apenas 15 vagas. Já antevíamos um sucesso de inscrições quando recebemos a notícia de que deveríamos retirar os cartazes. O motivo? A palavra “Tesão”.
Bom, estas palavras que vão aqui visam o diálogo, mesmo que não possamos antever qualquer racionalidade na decisão tomada pela cúpula da UCB. Seja como for, cabe a nós explicar algo que, acreditamos, deveria ficar no nível da razão sensível.
Antes de começar, devemos dizer que falaremos um pouco da visão do Najup-DF sobre uma tema complexo: a educação.
A educação tradicional (ou escolarização) possui algumas características preponderantes que traduzem um “modelo” hegemônico. Comungamos, aqui, com Paulo Freire quando trata da educação bancária. Uma educação em que os estudantes são meros espectadores passivos do seu próprio aprendizado, em nada contribuem, em nada participam e, na prática, se portam como corpos frígidos.
Esta forma de ensinar/aprender castra a capacidade imaginativa dos discentes, limita sua produção acadêmica, faz com que a educação seja, tão somente, tensão! Isto mesmo, tensão do começo ao fim. Tensão ao entrar nas salas de aulas com seus livros na mão e se deparar com um professor que, por completo, parece não pertencer à sua realidade. Tensão ao assistir aulas em que a sua possibilidade criativa se limita a levantar a mão e ouvir respostas que desmoralizam o seu “desconhecimento” sobre os assuntos abordados. Tensão, pelo menos duas vezes por semestre, quando deve se submeter a uma bateria de avaliações que lhe tiram o sono, o faz decorar dezenas de fórmulas jurídicas para casos inexistentes e, finalmente, lhe revela o quão inútil foi todo um semestre “cumprindo tabela” todas os dias nos bancos da faculdade.
Aliás, reiteramos aqui que nosso debate pretender manter-se em nível acadêmico. Buscamos um nível de ciência que enfrente o senso comum (que, aliás, impregna os cursos de Direito). Assim, sobre “tensão”, não podemos deixar de citar um trabalho que trata de maneira peculiar deste tema. Já em 1930 (isso mesmo, a data está correta!) Deodoro Roca, um dos principais pensadores da Reforma Universitária de 1918 na Argentina (que também era advogado, acadêmico e defensor dos Direitos Humanos) já tecia críticas ao modelo de educação opressor em seu texto “Palabras Sobre los Exámenes”. Tudo sem considerar outras correntes, como a de Ivan Illich, para o qual o problema não se resolve com uma reforma do sistema estatal de educação, pois é justamente a escolarização a reprodutora das estruturas de dominação, sendo que defendia a extinção da “escola” como única forma de tornar a educação realmente libertadora.
Nós, do Najup, todavia, preferimos acompanhar o já saudado Paulo Freire. Acreditamos que a educação é um ato de amor e que somente neste pode se realizar. Acreditamos que os professores não são os únicos detentores do conhecimento e, acima de tudo, que temos (estudantes) condições de guiar nosso pensamento para a própria conscientização.
Estudar, então, passa a ser um algo que não gera mais tensão. Algo que não nos tira o sono, mas pouse nossas cabeças pela noite, tranqüilos sobre o papel que devemos cumprir na História. Algo que nos deixe tão inebriados quanto encontrar velhos amigos. Passa a ser, então, puro Tesão!
Sim, meus caros, Tesão! Palavra que pode parecer deslocada no meio acadêmico, mas que tão somente refere-se à libido, ao prazer, palavras tão comuns na psicologia, na filosofia e, inclusive, na teologia.
A palavra libido, arriscamos em acreditar, vem do latim “desejo” ou “anseio”. Arriscamos mais ainda em dizer que foi o próprio Santo Agostinho (referimo-nos aqui ao filosofo e teólogo) o primeiro que, ao falar sobre as espécies de libido, tratou da libido sciendi (desejo pelo conhecimento).
É do prazer, do tesão, da libido encontrada no ato de conhecer a que nos referimos. Sentimos em ter de quebrar, então, o encanto do título de nosso curso de formação, pois o significado seria trabalhado durante dias com diversos estudantes.
Seja como for, “Da tensão ao Tesão” quer dizer “de um modelo de educação limitador ao prazer pelo aprender, pelo conhecimento e, acima de tudo, pelo ser humano e suas possibilidades”.
Esperamos que, com estas palavras, façamo-nos entendidos. E se, por ventura, os representantes da Universidade Católica de Brasília ainda conseguem ver malevolência em nosso texto de divulgação, devemos dizer que Freud é muito inteligível quando fala de id, ego e superego (recomendamos).

Saudações estudantis.
Najup-DF 

1º (dis)Curso de Formação do Najup-DF

24/07/2011 por najupdf
Da tensão ao Tesão: por uma assessoria jurídica popular no DF
O Najup-DF promoverá seu primeiro curso de formação. Para mais informações, leia abaixo e confira o edital.
_________________
Data do curso: 08 a 12 de agosto.
Horário: 14 às 18h
Local: sala A101
Conteúdo
1) Educação, Direito e Universidade. “Educação jurídica para a libertação
2) Direito e Ideologia. “O Direito como instrumento de dominação
3) Estado, Poder e Democracia. “Democracia, Poder e Estado”.
4) Movimentos Sociais. “O povo como opção
5) Assessoria Jurídica Popular. “Por uma dialética da participação

Inscrições
Onde se inscrever: najupdf@gmail.com
Quem pode se inscrever: estudantes do 1º ao último semestre.
Quando serão feitas as inscrições: do dia 25 de julho ao dia 05 de agosto.
Obrigatório para se inscrever: ler o edital no Graduação Online ou clicando aqui.

Observações importantes:
1) O objetivo maior do curso é formar novos membros para integrar o Najup.
2) Será concedido certificado de 20 horas complementares.
3) O número de vagas é limitado a 15 pessoas.
4) A inscrição será realizada por e-mail e deverá conter: nome, semestre, curso e reposta à pergunta: “por qual motivo você quer participar do curso?”


Nada melhor do que encerrar esse post com o Estatuto do Tesão...

Estatuto do Tesão
Lei Complementar nº 0.001 de 01 de abril de 2003

Regulamenta o exercício, a construção e a manutenção do Tesão, e dá (bastante) outras providências.

Art. 1º. O Tesão é direito e responsabilidade de todos, não podendo ninguém se excusar, em nenhuma hipótese, de sua construção e manutenção.

Parágrafo Único. Este direito é fundamental e, portanto, irrenunciável, e a responsabilidade é inafastável.

Art. 2º. Entende-se por Tesão, para os fins desta lei e qualquer outro que se possa imaginar, a paixão, o entusiasmo, a alegria, a motivação e a juventude necessárias à construção de um mundo livre e igualitário, onde a felicidade e a beleza sejam experiências cotidianas.

§1º. O Tesão não se restringe a sua dimensão libidinosa e sexual, porém não a exclui, devendo estar presente esta dimensão sempre que possível.

§2º. A juventude de que fala o caput deste artigo não diz respeito à idade.

Art. 3º. Cabe às entidades que sediam os encontros garantir as condições materiais para a construção e a manutenção do Tesão, se utilizando de todos os meios possíveis e imagináveis para este fim.

§1º. Nos encontros da Rede, as atividades devem ser imediatamente interrompidas até que se restabeleça o Tesão.

§2º. Tendo em vista o caráter coletivo, para não dizer grupal, da Rede, todos são competentes para denuncia a falta de Tesão e propor a interrupção das atividades.

Art. 4º. Aquele que, uma vez percebida a diminuição ou a falta do Tesão, se omitir de forma dolosa ou culposa, responderá perante a Humanidade e a Natureza na medida de sua omissão.

§1º. Para o tipo em questão, adotar-se-á a teoria da Culpa Subjetiva, assim com a da Culpa Objetiva, e ainda que inconsciente, mesmo que não queria o resultado.

§2º. Se a culpa for consciente ou quiser o resultado, a pena será aumentada de um terço a um rosário, contemplando todos os mistérios.

Art. 5º. A pena correspondente ao tipo descrito no artigo anterior será aplicada pela vida e pela História, levando em considerção:

I- a dignidade da pessoa humana;
II- a função pedagógica da pena (porque não é possível que não aprenda);
III- a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento psicológico, emocional e, principalmente, sexual.

Art. 6º. O processo de construção do Tesão deve ser coletivo, sob pena de não ser construção.

Art. 7º. Para a construção do Tesão, quando se fizer necessário, deve-se utilizar os seguintes meios, dentre outros:

I- a poesia, não apenas aquelas de autores conhecidos, mas principalmente aquelas de autoria coletiva, vivida ao longo da vida;
II- literatura em geral, menos sobre Direito, a não ser aquela estritamente necessária;
III- a História, extraída da Vida e celebrada de todas as formas simbólicas e místicas;
IV- brincadeiras e jogos, em especial o tchu-tchu, por mais bobas que pareçam.

Desapropriação para instalação do Museu Histórico das Lutas Camponesas no Nordeste

Por Tania Pacheco, Dignitatis Assistência Técnica Popular


Na Paraíba Governador cria Museu Histórico das Lutas Camponesas no Nordeste.
O Governador da Paraíba assinou sexta, dia 14, decreto que desapropria uma área do Sitio Antas do Sono, no município de Sapé, na qual será construído o Museu Histórico das Lutas Camponesas no Nordeste.
Ricardo Coutinho estabelece que a desapropriação deve ser concretizada em regime de urgência, e encarrega a Procuradoria Geral do Estado de efetivá-la “por meios amigáveis ou judiciais”.
A escolha do local não poderia ser mais coerente. Foi numa casinha do Sítio que viveu, com sua família, João Pedro Teixeira, fundador das Ligas Camponesas de Sapé, em 1958, e uma das principais lideranças do movimento na Paraíba e no Nordeste.
À medida que o movimento crescia, aumentavam também as ameaças e intimidações dos jagunços pagos pelos fazendeiros. No dia 2 de abril de 1962, voltando de João Pessoa, Pedro Teixeira foi assassinado numa emboscada, quando já se dirigia para a casa, a pé.
Eduardo Coutinho fez, a seu respeito, um dos filmes mais longos da história: “Cabra marcado para morrer”, iniciado antes do golpe de 1064 e terminado e lançado somente em 1984. “Cabra marcado” está disponível no Youtube, dividido em 13 capítulos, o primeiro dos quais postamos abaixo.

Júri Anghinoni – Decisão inédita garante justiça no caso de assassinato por milícia privada



  Por 4 votos a 3, os jurados que compuseram o Tribunal do Júri desta quarta-feira (27) decidiram pela condenação de Jair Firmino Borracha, acusado de matar, em 1999, Eduardo Anghinoni - irmão de uma das principais lideranças do MST no Paraná. A condenação foi de 15 anos, mas Borracha poderá recorrer a decisão em liberdade. 
 A família da vítima, que acompanhou o julgamento, se emocionou muito com a decisão, mas afirmou que a condenação é de apenas um dos pistoleiros, ficando ainda sem resposta quem mandou cometer o crime e quem arcou com a estrutura montada na região noroeste do Paraná que perseguia, torturava e assassinava trabalhadores pertencentes ao MST. 
 O juiz que comandou a sessão, Dr. Daniel Ribeiro Surdi Avelar, manifestou-se durante a leitura da sentença final ao dizer que, se este julgamento tivesse ocorrido antes, outras vidas poderiam ter sido poupadas. Entre 1995 a 2002, 16 trabalhadores rurais sem terra foram assassinados no estado. O Juiz ainda relembrou das duas sentenças condenatórias dadas pela Corte Interamericana da OEA que condenaram o Estado Brasileiro em casos envolvendo perseguição e assassinato de trabalhadores rurais também na região noroeste (Interceptações Telefônicas e Sétimo Garibaldi). 
  Cabe ressaltar ainda que este foi o primeiro Júri a condenar um criminoso envolvido em morte de sem terra, já que nos julgamentos de Sebastião da Maia e Vanderlei das Neves os acusados infelizmente foram absolvidos. Os depoimentos colhidos e as evidências mostradas durante o Júri sobre a morte de Anghinoni reforçam a hipótese da existência no Paraná de uma organização criminosa que atuava ilegalmente a fim de barrar a luta dos trabalhadores por Reforma Agrária. O Júri foi, inclusive, acompanhado pelo ex-presidente da UDR, Marcos Prochet, que estava com a família do acusado. Prochet é acusado de assassinar outro trabalhador sem terra, Sebastião Camargo Filho. 
 Na avaliação dos movimentos e organizações que acompanharam todo o julgamento, o desaforamento do Júri deu condições reais de realização do mesmo. Para elas, a condenação auxiliará que novos crimes no campo não aconteçam e que os conflitos fundiários e ambientais possam ser resolvidos pelo estado a partir da concretização de políticas públicas garantidoras de direitos, como o direito à terra, à alimentação e, principalmente, à vida. 

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Longe dos olhos do Direito de alma citadina, um diálogo...


E passo dia e noite. E passa noite e passa dia e eu aqui esperando minha alforria...

-De sete ruas para cinco. Cana muita, seu Moço!

-Não é não. Não é não. Não faz sentido sua reivindicação!

-Rei...O quê? Só tô dizendo que as forças num guentam, não... Sete ruas é cana de montão! Mas e o banho, pode, seu Moço? Almoço e banho, daí fica tudo muito bom, dá até p’ra 'guentar o sol na moleira e dá p’ra segurar o rojão das sete ruas. Sete ruas...

-Hum...Banho,não. Banho para quê, se vai sujar tudo de novo? Você não precisa de banho, não.

-Me disseram que o tal do Ministério vem aí...

-Não tenho medo, pago advogado caro é para isso mesmo.

-Então tá certo... Pois deixa eu cuidá que são sete ruas, não cinco e sem banho, tambeim. Com cinco as coisas seriam melhores...

-Seriam nada! E daqui a pouco as máquinas estão vindo. Precisa ver a alta tecnologia daquilo lá. E então tudo isso acaba! É cana, é chão, é dinheiro na minha mão.

-Máquina, é? Tava tendo ciência disso, não... E o que sobra p’ra nóis?

- Aí eu não sei. Não é problema meu.

-Pois é... Agora que tô vendo. Mas isso vai ser p’ragora?

-Parece que vai ser para logo. É melhor ir tratando de cortar suas sete ruas enquanto você ainda pode, daqui a pouco não vai ter mais rua nenhuma para cortar.

-Tá certo, seu Moço. Tá certo. Xô ponhá os trem de prontidão p’ra labuta de aminhã... O restante o Senhor, nosso Deus, provirá...

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Rosas vermelhas à intensidade de Lyra Filho



Humberto Góes/Betinho Góes


Fotos: Humberto Góes/Betinho Góes e Luiz Otávio Ribas


Certa vez, uma amiga dada a coisas exotéricas me disse que o número nove, com o qual sempre dizia me identificar, traz consigo o símbolo do recomeço, na dialética constante da vida.
Embora não creia nesse tipo de conhecimento, há instantes em que não posso deixar de reconhecer a coincidência de situações de plena dialética que carregam consigo o número nove. Esta que relato me parece envolta e carregada da capacidade de geração/regeneração/transformação/produção/reprodução/re-produção de tudo o que se renova renovando e renova sendo renovado.



Passava das duas da tarde de uma terça-feira, dia 12 de julho de 2011, quando encontramos a professora Eloette no centro de uma Curitiba quente para este período. Segundo a informação transmitida por Diego Diehl complementada por Luiz Otávio, era ela uma das três pessoas que, sob a sombra de um pinheiro do Paraná, fizeram repousar, há 25 anos, o mentor de tantos sonhos transformadores, e era também ela que nos levaria a seis jovens pesquisadores e pesquisadoras em Direito (Ricardo Pazello, Luiz Otávio Ribas, Diana Melo, Carolina Vestena, Tchena Mazo e eu) a realizar um reencontro com uma memória, com uma obra, cujo sentido dava àquele instante a conotação de tarefa revolucionária.




Digo revolucionária por sua capacidade de renovar a esperança, de alimentar o desejo de ver, na Filosofia do Direito, com reflexos no fazer jurídico hegemônico, ressurgirem, como irmãs siamesas, justiça social e prática jurídica cotidiana, institucionalizada ou não institucionalizada. Mas, como toda autêntica obra dessa natureza, era, ademais de um dever, uma prazerosa e sonhada atividade; era um fazer carregado de emoção e sensibilidade, através de que podíamos reafirmar o nosso compromisso com o mundo, com as transformações necessárias à dignidade e à justiça dos povos oprimidos.




Nossa missão era encontrar com Roberto Lyra Filho no lugar em que fora semeado o seu corpo para alimentar o desejo de, seguir fazendo florescer suas ideias. Nossa guia parecia conhecê-lo bem.




Divididos em dois grupos, tocou-nos a Ricardo Pazello e a mim o prazer de escutar suas estórias durante o trajeto do centro até a rua Padre João Wislinski, 755, no Bairro de Santa Cândida, em que se situava o Cemitério Paroquial de mesmo nome. De sua boca, revelavam-se, junto com a amizade e o profundo respeito, porquês, senões, ideais, amigos, buscas e traços de vida que marcaram a obra poética e filosófica lyriana. Em mim, crônicas dissolvidas em tanto carinho me provocavam lágrimas e reflexões, que, como no percurso marolar sobre a areia de uma praia serena, intercalavam-se em idas e vindas sem alarde.




De Roberto Lyra Filho, podíamos saber da amizade com José Geraldo de Sousa Júnior, com Marilena Chauí; emergiam informações sobre como surgiu a decisão de adotar um filho e de constituir o Paraná como lugar de sepultamento após a morte, ambas coincidentes com o desejo de seguir caminhos sem pré-julgamentos e sem que importasse, primeiro, quem era, qual a sua importância social e intelectual, se tinha bens.




Neste momento, fica a sensação, Roberto queria ser apenas Roberto, um homem entregue ao mundo na simples complexidade de sua existência. E, é o que parece ter-se traduzido também no rito fúnebre que se empreendeu na presença de apenas três pessoas conhecidas, entre elas a professora Eloette, ademais de dezenas de crianças de uma escola que surgiram, minutos antes do sepultamento, na missa de corpo presente. Talvez, estas fossem o símbolo do olhar curioso e igualmente despretensioso que Roberto procurava encontrar nas pessoas, segundo o que podíamos compreender das palavras que se lançavam acerca dele.




No cemitério Santa Cândida, nossa intensidade se aninha a outras intensidades na reunião do grupo para o encontro com a intensidade de Lyra Filho, aquela que nos ligava ali. Tomados todos e todas pela emoção de estar ao lado do ser que em nós se transformava no motor consciencial de nossas ações, pusemo-nos a buscar a sombra da araucária em que deveria repousar Lyra Filho. Era o jazigo 1017, conforme nos indicou em um envelope a funcionária da secretaria paroquial.


À parte exoterismos de todo gênero, não é possível deixar de observar a coincidência de, após uma noite de boas música e companhia num círculo constituído na calçada de uma rua do centro de Curitiba sob o número 359, cuja soma dá 8 (símbolo do infinito), encontrar Lyra Filho no número 1017. A soma deste perfazia um nove, o último dos números “naturais” e, por conseguinte, símbolo que, após sua pronúncia, demanda o recomeço; denota em si a dialética da iminência do fim e de um novo porvir.


Diante da intensidade de Lyra Filho, não podia ser outra a sensação de quem estuda a sua obra, senão a de uma permanência que só faz sentido à medida que se mescla ao gosto pela aventura experiencial e novidadeira da incerteza, que se faz contínua pela capacidade de se transformar e de transformar.

De igual forma, não podia ser outra a nossa homenagem senão com a intensidade das rosas vermelhas. Buscamos rosas fulgurantemente vermelhas porque brancas não seriam apropriadas. Lyra não as aceitaria, sobretudo se precisasse rega-las à poesia de um Noel Delamare ou àquela gerada na confluência de um Ricardo Pazello com um Luiz Otávio pseudonimamente representados, ou ainda, na amorosidade de uma Diana indignadamente sensível. Todos e todas estavam encharcados de palavras emanadas e refletidas desde corações cristãos, ateus, agnósticos, que se comungavam diante de um homem que se fazia presente naquele instante e se faz inspirador de tantas gentes porque, sem ter morrido, jamais morrerá.

De minha parte, depositei uma rosa vermelha à intensidade de Noel Delamare, de Roberto Delamare, Noel DelaLyra, de Roberto Lyra Filho, aqueles que inspiram minhas reflexões e minha luta. Da parte dos demais e das demais, em silêncio ou materializado em palavras, mais sentimentos, tanto quanto aqueles que se esboçam em seu epitáfio:


Roberto Lyra Filho parte e não se ausenta. Para nós que ainda vivemos, nos resta lembrar na memória os gestos, a voz, a grandeza, o amor à terra e ao povo, a confiança no futuro, a fome de justiça e de liberdade, através das lutas sociais.
Não sacrificaremos um só traço, pois em tudo nós o amamos com saudade.
O homem extraordinário também é composto de força e de fraqueza, de acertos e de equívocos, de claridade e sombras.
Hegel dizia: “a luz, afirmam, é ausência de trevas, mas, na pura luz se vê tão pouco, quanto na pura escuridão”.
Descansa em paz, ROBERTO, às sombras dos pinheirais deste teu adotivo Paraná.



Apesar de tão lindas palavras, não é o cheiro de morte que nos fica, quando nos encontramos com Lyra Filho, é o desejo de vida com dignidade esboçado na poesia de Noel Delamare que se arrasta e se arrisca na aventura do tempo:
Envio

Não me lamento, porque canto,
Faço do canto manifesto.
Sequei as águas do meu pranto
Nos bronzes fortes do protesto.

Acuso a puta sociedade,
Com seus patrões, seus preconceitos.
O teto, o pão, a liberdade
Não são favores, são direitos.

domingo, 24 de julho de 2011

Companheiros haitianos, presente!: relato de um espaço de formação sobre a América Latina

Escola Mílton Santos, no interior do Paraná

Nos dias 4, 5 e 6 de julho de 2011, há três semanas, tivemos a oportunidade de facilitar um espaço de formação da turma de haitianos que estão freqüentando o curso de agroecologia da Escola Milton Santos, em Paiçandu, na região de Maringá, no Paraná. Nesta tarefa, participamos o jornalista e companheiro Pedro Carrano e eu. O tema: "Pensadores latino-americanos".

Diante da convocação para tão importante compromisso, que acarreta forte responsabilidade junto aos haitianos que estão passando uma estada de um ano no Brasil, para retornarem a seu país e reforçarem as organizações sociais das quais participam, decidimos por, Pedro e eu, delinear a estrutura do módulo de três dias ancorados na referência prática e histórica que pôde gestar e dar a luz ao "pensamento latino-americano". Pressuposto de nossa intervenção, portanto, foi a categoria "práxis", orientação decorrente e mais que necessária para visualizar o pensar, já que este nunca está desvinculado de uma prática particular; a incoerência entre discurso e ação não significa que as idéias podem estar descoladas das matérias, mas antes que estas assumem outras formas que não as explicitamente enunciadas.

Na segunda-feira, partimos de uma análise da conjuntura atual da América Latina e pudemos ter um debate franco com os companheiros haitianos sobre o que vem se passando em nosso continente. A nos guiar, o entendimento de que três grandes pólos caracterizam a política latino-americana: os países reprodutores da face mais crua do imperialismo, alinhados sem-mais à cartilha estadunidense; os países de posição intermédia na geopolítica continental, desempenhando ambíguo papel quanto àquelas diretrizes econômicas e políticas, uma vez que caminham para uma conciliação de classes e para um desenvolvimentismo neoliberal; e os países considerados progressistas, articulados em torno da proposta da ALBA e, portanto, do bolivarianismo e do socialismo do século XXI.

Sem dúvida alguma, o maior interesse dos haitianos foi o de problematizar o papel de seu país neste contexto bem como o de, muito curiosamente, compreender as contradições que envolvem o gigante irmão Brasil e suas posições subimperialistas. Cada país da América Latina, porém, merece uma atenção toda especial e, dentro de suas contradições específicas, é preciso reavivar o incômodo de um Darci Ribeiro quando, por conta de seu exílio, construiu uma tipologia política latino-americana, em seu precioso "O dilema da América Latina: estruturas de poder e forças insurgentes", escrito na década de 1980.

Ainda neste primeiro dia, demos os primeiros passos para o estudo do pensamento crítico latino-americano. Como nosso critério foi o das experiências práticas da crítica, adotamos, para afunilar tal critério, a noção dos períodos e ciclos revolucionários que marcaram o continente.

Inegável, pois bem, foi a importância, para esta compreensão, do debate da questão colonial. Tatuados a fórceps pela história da colonização, Nossa América assistiu a mais de trezentos anos de dependência formal das metrópoles européias, dependência esta que tornou possível, para dizer o mínimo, a modernidade. O grande e pujante consenso produzido nesta reflexão é a percepção de que o colonialismo é a "face oculta" da lua chamada modernidade. A lua cheia moderna, tendo desenhado em sua face visível o conflito instaurado pelo modo de produção capitalista (o dragão-capital a lhe caracterizar), não subsistiria sem a face oculta, a qual aliás é a maior, da colonização do que hoje vemos como periferia de nosso sistema-mundo, América, África e Ásia.

A questão colonial põe em foco o fundacional século XIX latino-americano. Simón Bolívar e José Marti se destacam, como colunas libertadoras dos povos misturados e colonizados do continente. Junto a eles, a figura pioneira de Toussaint L'Ouverture, o negro haitiano que simboliza a revolução de São Domingos, em 1804. O período heróico da insurgência latino-americana, portanto, se inicia com L'Ouverture e termina com Marti, fazendo de Haiti e Cuba nações referenciais para todo nosso debate, tendo em seu entretempo o levante de amplo reflexo propiciado pela política de Bolívar.

No entanto, o problema colonial ganha mais força se compreendido no seio da totalidade que o engendra. Assim, a crítica ao colonialismo não pode se desprender da crítica ao próprio capitalismo, seja qual for seu estágio de desenvolvimento. Por isso, o pensamento crítico latino-americano precisa ser relacionado com o conjunto teórico propiciado pelo século XIX europeu. O vigor dos socialismos de toda ordem e, a nosso ver, a especial força do marxismo contribuem para a formação de um pensamento crítico latino-americano mais conseqüente. Daí que o impacto das Internacionais e dos movimentos dos trabalhadores não podem ser negligenciados, assim como não pode sê-lo, igualmente, a revolução russa de 1917. Nesse sentido, se inaugura a possibilidade de descolonizar a leitura renitente que se faz desde um marxismo louva-capital (para brincar com a expressão louva-deus), o qual resta sensivelmente debilitado se comparado às interpretações marxianas acerca da Rússia, da Irlanda, da China e da Índia (mesmo que, neste ponto, o velho Marx tenha operado uma ruptura de entendimento quanto a seus primeiros escritos).

Aberto este panorama, pudemos passar à especificidade do pensamento crítico latino-americano, a partir da chave marxista, já na terça-feira. Marxistas, marxianos e marxistólogos apareceram para aprofundar o debate da criação de uma teoria capaz de explicar e tornar possível a transformação das estruturas do continente. A inventividade, aqui, passa a ser a pedra de toque para se caracterizar a crítica latino-americana. Ocorre que, fundamentalmente, tal criatividade não é parida da pura teoria. É a vida concreta e seus desvãos que a realizam. Por isso, neste momento passamos a resgatar vários momentos da luta insurgente e revolucionária pela qual passou a América Latina.

Podemos reduzir todas as interpretações a este respeito àquela que enfatiza a existência de três grandes períodos, sendo um primeiro ressaltado por revoluções mais espontâneas e menos guiadas pelo ideário marxista mas nem por isso menos potentes; este período se vê encerrado na década de 1930 quando há a vitória do frentismo nas esquerdas, para o qual o importante era propiciar um desenvolvimento capitalista do continente, o que, por conseguinte, implicava tirar o pé do acelerador das agudizações revolucionárias; por fim, um terceiro período novamente marcado pelo ímpeto revolucionário inaugurado com a experiência cubana pós-1959.

Eis que passamos aqui a discutir o ciclo das cinco grandes experiências revolucionárias vivenciadas na América Latina. Na verdade, ciclos revolucionários recheados de contradições e polêmicas, sendo alguns deles inclusive contestados em sua natureza de revolução. Mais importante do que remontar todos os fatos históricos que os caracterizaram, cabe agora denotar que eles representam vias de acesso ao socialismo de formas distintas: Cuba (1959) e a via armada; Chile (1970-1973) e a via institucional-democrática; Nicarágua (1979-1990) e a via intermédia entre violência e democracia; Chiapas (1994) e a via de tomada do poder sem tomar o poder; e Venezuela (1999) - seguida de Bolívia (2006) e Equador (2007) - e a construção do socialismo do século XXI a partir dos limites do estado, das eleições e das constituintes.

Dos ciclos revolucionários, poderíamos extrair várias expressões do pensamento crítico que demonstrassem a potência de cada um daqueles episódios. No entanto, parecem unânimes e icônicos os nomes de José Carlos Mariátegui e Ernesto Che Guevara. Sendo Mariátegui do primeiro período revolucionário e pioneiro na leitura criativa e cruzada do marxismo para a interpretação da realidade do continente (que em sua obra está consubstanciado no Peru) e sendo Che Guevara do segundo período e distinguido por sua construção moral inovadora para o marxismo revolucionário, ambos, na complexidade de suas propostas, permitem uma interessante exemplificação do pensamento crítico latino-americano.

Para além de os ícones, porém, há conceitos-chave que atravessam a análise marxista da América Latina e se radicam em alguns de seus mais cativantes estudiosos. Isto foi o que trabalhamos na quarta-feira. Sem embargo, a revolução é um conceito motriz mas que faz a mediação entre dois pontos de uma estrada teórica: a denúncia e o anúncio. Por um lado, temos a constatação e a crítica à situação de dependência. Logo, uma teoria marxista da dependência pode contribuir e apresentar-se com o condão de mais efetivamente permitir uma compreensão da realidade latino-americana. Por outro lado, a libertação necessária que pode ser auspiciosamente buscada a partir de uma filosofia política da libertação. Assim, Rui Mauro Maríni e Enrique Dússel se apresentam como corpos teóricos que favorecem esta interpretação renovada e continuadora da tradição marxista para a América Latina.

Em resumo:

Módulo com oficinas sobre "Pensamento crítico latino-americano"

Pontos:

1. Conjuntura atual da América Latina
2. O problema colonial
3. O impacto da revolução russa na América Latina
4. Períodos e ciclos revolucionários
5. Ícones do pensamento crítico marxista latino-americano
6. Conceitos-chave para a interpretação do continente

Textos-base:

LÖWY, Michael. “Introdução: pontos de referência para uma história do marxismo na América Latina”. Em: _____ (org.). O marxismo na América Latina: uma antologia de 1909 aos dias atuais. Tradução de Cláudia Schilling e Luís Carlos Borges. 2 ed. ampl. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006, p. 9-64.

PAZELLO, Ricardo Prestes Pazello. "Alguns problemas para uma teoria política marxista em nossa América". Em: Captura críptica: direito, política, atualidade. Florianópolis: CPGD/UFSC, n. 1, vol. 2, janeiro-julho de 2009, p. 268-318.

Por fim, às haitianas e haitianos com quem pudemos compartilhar este espaço e estes dias de convívio, nosso mais forte abraço e ante a situação de espoliação aprofundada pela qual vive este povo irmão, devemos entoar: "companheiros haitianos, presente!"

Companheiros haitianos, presente!

sábado, 23 de julho de 2011

Luta pela Moradia no Distrito Federal



Segue convite para atividades da resistência do Acampamento Gildo Rocha.

Desde sexta-feira passada, dia 15 de julho, mais uma ação de reivindicação de direitos e resistência abre espaço no cenário do Distrito Federal e denuncia a desigualdade evidente e a segregação social existente na capital do país.

  
O MTST, de forma organizada, ocupou, na sexta-feira, área ociosa (uma das várias existentes no DF) com aproximadamente 400 famílias que estavam cansadas de permanecer em listas para acesso à moradia pelas políticas públicas do Ministério das Cidades e Governo do Distrito Federal.

Apesar de haver provas de que a área poderia ser privada, o Governo do Distrito Federal, através de força policial, sem mandado judicial, destruiu parte dos barracos, mas o povo resistiu, cercando o que havia restado do acampamento com um cordão humano. 

Pude ir ao acampamento na terça-feira, dia 19, quando tentávamos ajuizar um Interdito Proibitório, e tive a oportunidade de conversar com duas mulheres que estavam acampadas. Trabalhadoras que sobrevivem a muito custo, enfrentando os altos aluguéis no Distrito Federal, e que estavam correndo risco de ver o ponto cortado no trabalho para resistir no acampamento. Suplício ao ver sair do verdadeiro sufoco que é não ter um teto seu...
Lá soubemos que a polícia havia passado durante a noite no meio do acampamento de carro, com a clara tentativa de intimidar as famílias que resistiam. 

A essa altura, desde a segunda-feira, quando houve o primeiro despejo, outro grupo já estava a postos na frente do Palácio dos Buritis, para ter do Governo uma resposta que atendesse ao direito daquelas famílias de ter acesso a uma moradia digna.

Lá o grupo permaneceu até que houvesse o último traço do acampamento em pé.

O despejo veio a se concluir na quarta-feira e o grupo que estava à frente do Palácio dos Buritis, unido ao coletivo que estava acampado, rumou para o Ministério das Cidades e lá continua resistindo, acorrentando, dia a dia, ao prédio mais uma das pessoas, que se sentia mesmo acorrentada sem o estar fisicamente, porque o governos distrital e federal ainda não apresentaram uma saída para aquela gente. E que transformando esse sentimento de estar imobilizado e o ressignificando, marcando uma corrente de luta com a qual nós, neste blogue, temos que unir forças e esperanças...

A resistência está lá e se faz bonita porque feita com "gente de verdade" (como diria Diego Diehl, uma grande figura que  tem se construído enquanto companheiro de luta), fora de todo essa plastificação e dessa maquiagem que cercam a vida e as relações nesse Plano Piloto...

Em outro momento, postaremos a luta judicial que travamos nos últimos dias. Não deixo de registrar uma já declarada ugência de construirmos um banco de petições neste blogue. 
Segue, sem mais delongas, o convite a dar as mãos a um povo de verdade... 


Caros(as) companheiros(as),

O Movimento dos/as Trabalhadores/as Sem Teto - MTST está já há 3 dias ocupando o Ministério das Cidades, em Brasília, com 4 companheiros acorrentados. Esta ação foi resultado de despejos e descumprimento de acordos pelo Governo Federal e pelo Governo do DF.

Neste final de semana, teremos várias atividades culturais e políticas em apoio e solidariedade à luta, para as quais convidamos a todos e todas: ...

apresentação de palhaços e ciranda para as crianças (nas manhãs de sábado e domingo);
oficina de teatro do oprimido;
oficina de gênero (domingo de manha);
oficina sobre a exploração do trabalho (domingo a tarde) e
um sarau bem animado no sábado a noite.

Enviamos também um manifesto de apoio à ocupação do Ministério das Cidades - acampamento Gildo Rocha - a ser assinado pelo máximo de movimentos, entidades sindicais, igrejas e figuras públicas.

Pedimos a(o)s companheiros(as) que assinem pela sua entidade e enviem para as entidades que tem mais proximidade.

Retornem o quanto antes com as assinaturas para este e-mail. Pretendemos fechar no máximo segunda-feira.

O Manifesto segue como nota no próximo post.

Um abraço,
Guilherme Boulos (MTST)



Mostra o que ninguém vê

Esta semana indico um dos belos filmes da nova safra do cinema brasileiro, um filme de Jeferson De, que conta a história de Macu, Jaiminho e Pibe são amigos de infância que nasceram e cresceram na comunidade do Capão Redondo, na periferia de São Paulo. Muitos anos depois, eles se reencontram . Macu ainda mora no Capão e está envolvido com o crime. Craque de futebol que joga na Europa, Jaiminho visita os amigos e aguarda a convocação para a Copa. Pibe, que se mudou para outro bairro, é um pai de família sem muitas perspectivas na vida. No aniversário de Macu, eles vão se reencontrar por apenas um dia, reafirmar sua amizade e brigar por suas diferenças.


Bróder (2009) gravado em 2009 que só agora chega aos poucos ao grande publico. O filme trabalha a formação da identidade negra, e como a pele torna-se mais escura quando nos aproximamos da favela.

Trailer:

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O direito achado na rua também se acha na tevê 2: a turma especial de direito na TV UFG

"Casulo" (2000), escultura de Siron Franco

Ousado e inovador foi o uso tático do direito que se realizou com a criação de uma Turma Especial de Direito para Beneficiários da Reforma Agrária e Agricultura Familiar. Rompendo, em alguma medida, a segregação do conhecimento que a organização do trabalho acadêmico impõe, a iniciativa também permite que as organizações que mais sofrem com a criminizalização e repressão do direito assuma um papel ativo e formalmente reconhecido nesse debate. Ao lado dos condenados da terra, num dos pólos da sociedade dividida em classes, a turma especial aparece como experiência que assume uma das veredas deste grande sertão jurídico, pois "de vários caminhos possíveis, resta-nos aquele que denuncia estas contradições e utiliza delas para a transformação social", como diria Hugo Belarmino, em texto já divulgado neste blogue - Uma sentença, vários caminhos: uma análise sobre a Turma Especial de Direito de Goiás.

E é esta experiência, da "rua jurídica", que ganha visibilidade em um programa da televisão universitária da UFG e que divulgamos aqui:



quarta-feira, 20 de julho de 2011

Lírica de um filho da crítica

de Amauta T. de D. da Insurreição  e Claraz Dudas


 Filho aflito da crítica dura
Pesada briga com afeto e agonia
Reinventa a criminologia brasileira
Ataca o óbvio
Mata o pai

Filho rebelde e erudito
Obscura pena, espírito retinto
Olha pro céu
Dependurado em Deus
Cai no chão como uma pluma

Lyra da paixão
Enfrenta a sociedade com teu sexo e teu amor
Derruba preconceitos
Dorme com o Marx
Acorda com o Hegel

Colérico
Calórico
Telúrico
Colírio da crítica
Canário de túnica
Ante-sala do lirismo abre-alas
Intérprete desautorizado
Trai a burguesia
Traz os proletários

Um homem chamado Roberto
Roubando a sua classe e entregando aos oprimidos
De todos os gêneros
De todas as raças
Roubo certo, teogônico
Ensinando por linhas tortas a ser anjo:
Trepando com Prometeu, angelicalmente
E beijando o pescoço da coruja de Minerva...

Roberto na solidão da rua
Dá a mão pra puta sociedade
Noel Delacalle
Une os estudantes e professores do Brasil
Faz da escola uma grande estrada
Onde acampam os retirantes e os sem terra
Receba esta homenagem daqueles que vão ressuscitar Noel Delamare no corpo de um Roberto Lyra Filho



Coré-é-tuba, 11/07/2011

flagrante do momento da leitura e declamação desavergonhada

terça-feira, 19 de julho de 2011

Ah, desculpe, achávamos que fossem gays ou mendigos.

Thiago Arruda

Ah, desculpe, foi um engano: achávamos que fosse um mendigo. Foi isso que disseram, no ano de 1997, em Brasília, os jovens de classe média que assassinaram o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos. O caso ganhou ampla repercussão. O grupo simplesmente resolveu atear fogo ao corpo do homem que dormia sob o abrigo de uma parada de ônibus da cidade. Sadismo e ódio de classe lhes ofereceram motivos suficientes para isso.

Na última sexta-feira, 15 de julho de 2011, um novo engano. Pai e filho são agredidos brutalmente em São João da Boa Vista, cidade localizada no interior de São Paulo. Os agressores julgaram que eles eram gays; julgaram, e condenaram, mesmo diante da resposta negativa das vítimas. O pai teve parte da orelha cortada. Os autores não foram presos, são desconhecidos.

O que há de comum entre o gay e o mendigo? Algo que autoriza a violência. Algo que, aos olhos de alguns, pode justificá-la. O que o pequeno engano cometido pelos jovens brasilienses e pelo grupo de paulistas revela é que alguns – alguns muitos – são a ralé, uma sub-raça, um tipo inferior e que, portanto, devem apanhar, ou mesmo morrer. Para que aprendam, ou simplesmente para que seus carrascos possam dar vazão a toda a raiva que a mera existência desses vermes lhe provoca, ao poluírem o seu mundo. A essas criaturas, não resta humanidade, muito menos direitos.

É profundamente emblemático que um dos agressores paulistas tenha sido tão claro ao afirmar: “agora que liberou, vocês têm que dar beijinho”. Quantas vezes não escutamos um “não sou preconceituoso, apenas tenho o direito de não ver dois homens [ou duas mulheres] se agarrando” ou algo parecido? No fundo, trata-se da invenção absurda do direito de que o outro não faça, não seja, não exista. É o direito que o homofóbico proclama a si mesmo de que o outro se esconda, envergonhe-se de si e da forma como ama.

É daí que vem o seu direito de atacar. Cortar a orelha do “culpado”, aliás, é um castigo antigo. Em algumas civilizações, o ato significava que o acusado não ouvira bem, não compreendera bem a “voz da lei”. De fato, os que não se submetem a heteronormatividade esquivam-se de dar ouvidos ao imperativo hegemônico da sexualidade. Frequentemente, são castigados por isso; pelos homofóbicos que proclamam sua lei, proclamam o direito de que o outro não exista e tentam fazê-la cumprir a ferro e fogo. É assim que a relação se inverte: as vítimas são punidas; os vitimizadores punem e permanecem impunes, espalhando ódio por praças, igrejas...

O machismo nunca se deu bem, é verdade, com intensas demonstrações de carinho entre pai e filho. Logo, não é tão estranho que essa relação seja confundida com a relação entre namorados do mesmo sexo. No entanto, o mais grave é que há aqueles cuja revolta, declaradamente ou não, dirige-se contra a incapacidade dos agressores em diferenciar gays de pais e filhos – ou mendigos de não-mendigos (não que os índios sejam bem tratados, não o são). Algo como “que absurdo, esses loucos atacando cidadãos de bem”. Preserva-se, assim, um silêncio; no espaço não-pronunciado, persiste, firme, forte e bruta, a autorização da violência contra os seres sub-humanos que entopem os bancos das praças ou fazem sexo porcamente: se fossem mesmo, se não se tratasse de um engano, se fossem o que achavam que eram, não faria diferença. O problema permanece. Não se deveria a isso toda a repercussão na mídia que teve o caso da última sexta-feira? Quantos gays, lésbicas, travestis e transexuais são agredidos todos os dias no Brasil? Os relatos são constantes; a repercussão, bem menos intensa. O fato de a TV Globo ter, recentemente, censurado a participação de um casal gay na trama de uma das suas novelas é também revelador nesse sentido.

Cuidado. Você pode ser confundido com um gay, uma lésbica, ou um mendigo por aí. Portanto, comporte-se.



Congresso de pensamento jurídico alternativo, na Argentina

Na Universidade Nacional de Mar del Plata, na Argentina, se dará o 2º Congresso Nacional de Pensamento Jurídico Alternativo: crítica ao direito, direito à crítica, entre os dias 8 e 10 de setembro. Com um clima de subversão dos cânones prevalentes do direito burguês latino-americano, o congresso está sendo organizado por coletivos de estudantes e trabalhadores do direito - Agrupación Avanzada e La Grieta. Até 22 de agosto, os jovens críticos do direito argentino poderão se reunir e discutir a fundo os limites e táticas do e para o direito posto. Vale a pena conferir a proposta, que trazemos abaixo.


segunda-feira, 18 de julho de 2011

Mais uma defensora de direitos humanos presa: caso colombiano

Nas discussões da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares foi divulgada a notícia que agora replicamos. Defensora de direitos humanos, na Colômbia, está presa e sua prisão é política. Mais um caso, de uma infeliz miríades deles, que assola nosso continente. Segue a nota da denúnica.

"Na prisão", de Elvis Foti


domingo, 17 de julho de 2011

Lyra Filho e o feminino...

Solta tua obra... democratiza... solidariza... torna-tes feminino...
 
Conheci Roberto Lyra Filho pela obra O que é Direito, da Coleção Primeiros Passos, nos primeiros anos da faculdade, instigada pela capa que trazia a imagem de dois trabalhadores retirando a cinza estátua da Deusa Themis e deixando brilhar o sol que estava por detrás dela.
 
Pura curiosidade...
 
Porque a faculdade, no espaço formal do ensino nem o tinha como referência, nem como alvo de crítica. Fora do caixote que eram as salas de aula do Direito para mim àquela época (que pude, eu mesma, reinventar como professora anos depois), as idéias de Lyra Filho tomavam forma. Foi na extensão universitária, no seio e no ventre do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular – NAJUP Negro Cosme, grupo de pesquisa e extensão maranhense que ainda hoje atua, que um bate papo amoroso iniciou-se.
Depois dessas primeiras “conversas”, danei-me a abrir caminhos à foice para outras leituras fora do Direito (visto que não as tínhamos previstas naquele curso na Universidade Federal do Maranhão). A idéia era entender mesmo o que Lyra queria dizer com todas aquelas conexões feitas com Marxismo, Movimentos Sociais, Direito e Ideologia. Ler Gramsci e Paulo Freire seria de importância fundamental neste momento, pelo amor de ambos pela luta popular e necessidade de democratizá-la mais e mais. Depois, os caminhos da militância na extensão e o diálogo dentro da Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária – RENAJU, e posteriormente como advogada popular, levaram-me a existenciar o Direito construído na luta das ruas e florestas, ou usando as palavras de Lyra, me levaram a dar cores, nomes e lutas ao “Direito Achado na Rua”.
 
Até que houve o momento sentido de voltar à academia, “sentar o juízo”, como o povo nordestino fala gostosamente, e de chegar à Universidade de Brasília. Não porque a concebesse como espaço de produção de excelência de conhecimento e com isso concordasse, de modo a reforçar, dentro do próprio Brasil a versão acadêmica de necessária separação capitalista e masculina entre produção-reprodução da vida. O que me movia era utilizar esse espaço como empoderamento, diante dessa (im)posta divisão na produção-reprodução do saber, e me munir desse discurso de competência para subvertê-lo e dizer, à própria voz, que uma mulher situada entre o Norte e o Nordeste também poderia produzir conhecimento sobre si mesma e sobre sua gente silenciada pela fome, pelo patriarcado, pelo racismo e pelo clientelismo.
 
E na UNB reencontrei Lyra Filho. Na primeira semana de aula, como aluna especial do mestrado, na disciplina Direito Achado na Rua, hoje dirigida pelo prof. Alexandre Bernadino Costa, tive nas mãos a mesma capa. O mesmo livrinho. Os trabalhadores descendo a estátua e o sol surgindo.
 
Em seguida, foi só o descortinar e o vislumbre do tanto de penumbra que ainda há porque a obra continua escondida em gavetas. Entre os anos que se passaram estive tanto com Lyra Filho e não sabia. Não imaginava o quão vasta era sua obra e o quanto através dela, em um telefone sem fio imaginário, Lyra comunicava-se com as autoras feministas que me instigavam a procurar perguntas e respostas segundo outro prisma, outro ethos, ou como a Academia nomina, segundo outro paradigma.
 
Até esta semana, acreditava, pela minha própria experiência, que Lyra Filho, dentro da Academia, sofria “somente” com o mesmo processo de “esquecimento” que sofrem as mulheres que constroem a história, quer com suas experiências, quer com produção teórica, quer com as duas, em plena comunicação.
A estratégia de silenciamento é simples: não se fala sobre elxs, não escrevemos sobre elxs, não lemos suas obras, não as indicamos e é como se nunca tivessem existido, ou, quando falamos, carregamos a fala com tantas piadas depreciativas, estigmatizamos tanto, que sua utilização carece de legitimidade. Assim, fazendo uso de alguns exemplos, as autoras feministas não são “científicas” porque parciais ao falar de sua própria condição feminina, as feministas são mulheres mal-amadas ou vadias e carecedoras de respeito e o Direito Achado na Rua é chamado de “Direito Jogado no Lixo”.
 
Então a obrigação que se coloca é a de escrever, certo? Lê-lxs e reinventá-lxs, dialogar com elxs, contrapô-lxs, jogar as letras dos livros no chão e misturá-las com a terra, com a luta, com o sexo, com a emoção, com a rua.
Sim.
Mas não só. 
 
Nesse ponto se coloca o segundo desafio, que tenho desvelado na partilha construída no grupo de Dialógos Lyrianos e com que me deparei com mais força nessa semana. Não é unicamente a luta contra os conservadores e reacionários que se coloca. A obra de Lyra encontra-se espalhada, guardada, em gavetas por seus próprios pares e trancada por direitos sucessórios.
Lyra Filho trancado? Pelo direito posto? Que contradição maior que essa? O Direito Achado na Rua trancado na gaiola de uma lei que é um dos símbolos do próprio capitalismo: a sucessão. E a outra mão? Lyra Filho guardado nas gavetas por seus/suas próprixs companheirxs de luta, restrito a pequenos círculos, a algumas pastas de computador, quando deveria estar sendo amplamente divulgado e solidarizado, para que se oportunize ao curso de Direito que ele deixe de fazer parte da vanguarda e ajude a refundar um senso comum jurídico sobre bases anticapitalistas.
 
Mas o mais importante nesse processo de descobertas e reflexões foi a forma como elas vem se dando. A busca pela solidariedade de forma solidária. O caminho se constrói nessa mesma perspectiva. Segundo aquele ethos que coloquei acima. Essas descobertas, inclusive a de que Lyra está sepultado na cidade de Curitiba-Paraná, e as reflexões decorrentes dos fatos acerca de sua obra, somente foram possíveis porque partilhadas, solidarizadas, por companheirxs que poderiam guardar a informação e se orgulhar de as terem guardadas, com sentimento de posse sobre elas, mas não.
Diego Diehl, Luiz Otávio Ribas e Ricardo Pazello, companheiros conquistados no amor e na luta, com a informação em mãos e o contato com uma amiga de Lyra Filho, a profa. Eloette, que foi uma das três pessoas que acompanharam o sepultamento, resolveram partilhar o re-descobrimento do corpo de Lyra e divulgá-lo com tantxs quanto possível fosse. E reuniram o grupo mais diverso de ateus, agnósticxs, cristãos e cristãs, pessoas que tem visões diversas sobre a vida e a morte. Aquela visita ao cemitério fez-se símbolo, mais um marco de compromisso com a redescoberta e a luta por um outro Direito que sirva estrategicamente como mais uma trincheira para a mudança da sociedade. 
 
Assim fomos eu, Humberto “Betinho” Góes, Carolina Vestena e Tchenna Maso em companhia de Luiz e Ricardo em corpo e Diego e toda uma série de companheirxs de luta da RENAJU e de outros espaços em alma. Ali, conosco, sempre juntxs.
Todos esses sentimentos, de partilha, de solidariedade, de emotividade, de quebra das vanguardas e construção de um novo senso comum, de abertura, são, para mim, também os símbolos da luta feminista e de um paradigma que questiona os pares dicotômicos e um dito racionalismo que ter servido historicamente a recortar os seres e hierarquizá-los, a partir do que normaliza como o “fraco”, relacionando-o, principalmente ao estigmatizado como feminino como o “sensível”, o “emotivo”, o “sexual”, o “corpo”.

Para mim, e acredito que para as minhas companheiras e companheiros lá presentes e xs que estavam lá em alma, as leis baseadas nessas idéias não são Direito.
Foto de Humberto Góes
Compreendendo todas essas conexões e diante da necessidade de usar outras linguagens na homenagem à Lyra Filho, a beira de seu túmulo, simbolicamente fortalecendo meus laços com uma luta que se constrói junto, li uma versão da Poética, que se segue, com voz trêmula e embargada, para Lyra, para xs companheirxs, para o povo, para as mulheres, para um mundo mais amoroso e mais feminista.
Pela necessária abertura da obra de Lyra, pela sua partilha, pela sua feminilização.