sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O monopólio da advocacia




Por Luiz Otávio Ribas

Estava lendo a notícia "CCJ aprova projeto que obriga presença de advogados em ações trabalhistas" e comecei a pensar no monopólio da advocacia.

O Conselho Nacional de Justiça apresentou projeto de lei que busca tornar obrigatória presença de advogado no processo trabalhista. Esta obrigatoriedade seria uma garantia ao trabalhador para que não tivesse os seus direitos prejudicados, quando na ausência de assistência jurídica. Esta proposta escancara a relação mediada pelo Estado de legitimação da exploração do trabalhador, além de transbordar o projeto de monopólio da advocacia na assistência jurídica.

Na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), lei que regulamenta as relações de trabalho no Brasil, desde 1943, durante o governo de Getulio Vargas, consta a possibilidade dos "empregados" e "empregadores" reclamarem pessoalmente perante a Justiça do Trabalho, e acompanharem as suas reclamações até o final (art. 791). As partes tem o direito de postular em juízo suas reclamações, sem a assistência jurídica de advogado. Na teoria do processo trabalhista, este é um princípio (o jus postulandi - direito de postular) que garante as partes o acesso direto ao Judiciário.

O Direito do trabalho, no Brasil, possui esta característica marcante: a contradição de uma lei que garante direitos aos trabalhadores, ao tempo que significa sua própria prisão, para postular em juízo somente aquilo que o Estado reconhece como seu direito.

A legislação trabalhista, como qualquer texto de lei, não é de conhecimento da maioria d@s brasileir@s. Esta possibilidade de estar em juízo sem advogado não é uma prática comum, na maioria dos Estados brasileiros, tampouco conhecida por tod@s. Estamos diante de um caso muito comum: a lei prevê um direito, mas que não é garantido, seja por desconhecimento da sociedade sobre a lei, seja da ineficácia do Estado em fazer valer este direito na prática. 

Chega o momento da necessária crítica ao Estado, que legitima a exploração do trabalhador. Se este tem a possibilidade de acionar o Judiciário sem a necessidade de advogado, mas não sabe disso - tampouco o Estado o informa de maneira eficaz -, trata-se de uma omissão. Este não é um caso único, a maior parte das pessoas não tem conhecimento sobre seus direitos, de uma maneira geral. O Estado não trabalha a educação jurídica de forma satisfatória, assim como nossos índices de analfabetismo e baixa escolaridade são alarmantes para um país em desenvolvimento. Ainda, o Estado não oferece a assistência jurídica necessária para garantir o princípio do jus postulandi, que poderia ser prestada pel@s funcionári@s da Justiça do Trabalho, por exemplo. Pelo contrário, o Estado não oferece este serviço de maneira satisfatória, assim como quer conferir a@s advogad@s a exclusividade para atender a esta fução.

Este projeto de lei está relacionado a um projeto maior de monopólio da advocacia na assistência jurídica. Somente @s advogad@s poderiam prestar assistência juridica, pois seriam indispensáveis na administração da justiça. Este projeto é prejudicial para os trabalhadores. No Brasil de ontem, na década de 1940, era comum estar em juízo sem a presença de advogad@, fosse no processo penal, no processo civil, inclusive no trabalhista. Eram comuns os rábulas, que eram pessoas que advogavam, prestavam assistência jurídica, mas não eram advogados, tampouco tinham concluído a educação formal em Direito. Ainda hoje, é comum, principalmente no interior do Brasil,a atuação de militantes de movimentos sociais na assistência jurídica, mas que não concluíram a educação formal em Direito, ou então, sem inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. São rábulas, que aqui chamamos de "juristas leigos". Existem grupos de assessoria jurídica popular que organizam e buscam qualificar este trabalho. São os trabalhadores que se auto-organizam para estar em juízo, seja para postular algum direito, seja para resistir contra as arbitrariedades do Estado. 

Por outro lado, não é comum esta organização no processo trabalhista, principalmente pela forma como os sindicatos de empregados prestam assistência jurídica. @s advogad@s dos sindicatos precisam atuar de maneira satisfatória a garantir o acesso dos trabalhadores ao Judiciário, para reclamarem seus direitos. É de conhecimento geral, que este não estão desempenhando satisfatoriamente esta função de orientação e assistência jurídica a toda a classe trabalhadores. Porque o número de reclamações é muito inferior ao número de trabalhadores que tem seus direitos sonegados. 

Finalmente, sou contra este projeto de monopólio da advocacia na assistência jurídica, principalmente na área trabalhista. É necessário garantir que @s trabalhador@s possam estar em juízo sem advodgad@, para que a autorganização da classe possa avançar, inclusive na assistência jurídica. Por outro lado, @s advogad@s precisam se organizar para a assessoria jurídica popular da classe trabalhadora.

2 comentários:

  1. É...

    Muito bonito,mesmo.Nunca prepararam uma estrutura suficiente para a possibilidade de defesa pelo próprio trabalhador, com uma educação voltada a este tipo de conscientização (pelo menos nisso!), nem prepararam os servidores da Justiça do Trabalho para atender os trabalhadores adequadamente para que pudessem fazer uso desse direito. Agora, por uma reserva de mercado (desculpem a fala tão direta assim), @s advogad@s conseguiram mais um nicho de exclusividade do jus postulandi.O monopólio do jus postulandi é uma afronta ao exercício dos direitos. Cerca um conhecimento que é a mais pura manifestação do poder (o direito) e garante que ele só seja exercido por uma casta, sendo que haveria outras formas de ampliar o acesso e as práticas referentes a esse conhecimento técnico, em boa parte das áreas juíridicas, como era este o caso da justiça do trabalho.

    Tem tanto pano para manga nesse assunto. Mas vou me limitar a estas breves considerações.

    Bem oportuno o texto, Ribas!

    Nayara


    Só falta agora o juizado especial...

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  2. Luiz! Lembrei agora de uma aula do Elvandir, lá pelo segundo semestre, explicando a origem do termo "advogado". Pelo jeito, é reiterada a idéia antiga (literalmente antiga) de que as classes trabalhadoras não têm voz: precisam de procuradores que, em seu nome, falem aos pares (do procurador, não dos trabalhadores) que decidirão acerca dos seus direitos.

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